Horas depois de Paris ter anunciado que iria reforçar os controlos no canal da Mancha, a ministra do Mar Annick Girardin informou que duas embarcações inglesas foram sujeitas a multa, e uma das quais, uma traineira sem licença de pesca, foi apreendida. Foi a primeira consequência das medidas retaliatórias decididas pelo governo francês face ao incumprimento do acordo de pesca pós-Brexit celebrado entre Londres e Bruxelas. Os franceses queixam-se de que metade dos pescadores continua sem licença para pescar em águas britânicas..Twittertwitter1453500105848410114."Apesar de dez meses de discussões intensas, o governo britânico ainda não cumpriu a sua assinatura", lê-se no comunicado conjunto da ministra do Mar e do secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Clément Beaune. Bruxelas e Londres chegaram a um compromisso em dezembro que prevê o abandono gradual de 25% das atuais quotas por parte dos barcos da UE ao longo de um período de transição de cinco anos e meio. Depois haverá negociações anuais sobre a quantidade de peixe que os navios da UE podem capturar em águas britânicas. Nos termos do acordo, os pescadores da UE que desejam aceder aos mares britânicos têm de solicitar novas licenças..Citaçãocitacao"Isto não é uma guerra, mas é uma luta. Os pescadores franceses têm direitos, foi assinado um acordo e nós temos de cumprir este acordo." Annick Girardin.As licenças são destinadas quer para as águas da zona económica exclusiva do Reino Unido (entre 12 e 200 milhas náuticas da costa) quer para as águas territoriais mais próximas da costa (entre 6 e 12 milhas náuticas), as que estão sob disputa. Os pescadores precisam de provar um historial de trabalho entre os anos 2012 e 2016. Condições similares são aplicadas aos marítimos franceses que queiram pescar nas águas de Jersey. Londres e Jersey concederam pouco mais de 210 licenças definitivas, enquanto Paris reivindica cerca de 200 mais. "Quase 50% das licenças a que temos direito estão em falta. Esta é uma situação que não é aceitável", disse o porta-voz do governo Gabriel Attal, que dramatizou: "A França não deixará que o Reino Unido limpe os pés no acordo do Brexit.".Por seu lado, Londres considera que a maioria das licenças foram concedidas, e rejeitou certos pedidos franceses, o que explica as diferenças nos números citados pelas duas partes. "É importante notar que 98% das licenças de pesca foram concedidas. Continuamos a trabalhar com o governo francês para conceder outras com base nas provas que nos fornecem", disse o ministro do Ambiente britânico George Eustice. Mas a ministra Girardin disse que a afirmação do britânico "não é verdade", situando a percentagem de pedidos de licença atribuídos em 90%, "e todos sem licença são franceses, exceto um ou dois belgas". A governante rejeitou estar perante uma guerra, mas "uma luta"..Citaçãocitacao "A França não deixará que o Reino Unido limpe os pés no acordo do Brexit." Gabriel Attal.A partir de terça-feira, caso nada mude, entra em vigor a primeira fase das medidas, que passa pela interdição do desembarque de navios de pesca britânicos, controlos de segurança de navios britânicos, reforço de controlos sanitários e aduaneiros e de controlos de camiões - com o mais do que provável regresso de filas a Dover, como aconteceu em dezembro..Na quarta-feira à noite, um porta-voz de Boris Johnson classificou "as ameaças da França" de "dececionantes e desproporcionadas", e prometeu "uma resposta adequada e calibrada", embora ontem o ministro Eustice tenha pedido uma "desescalada" na crise e o primeiro-ministro francês Jean Castex tenha mostrado abertura a mais conversações, desde que Londres cumpra o acordo..O governo francês diz estar a preparar uma segunda fase de medidas que não exclui "o aprovisionamento elétrico", no caso a Jersey. Fora do comunicado, mas como medidas possíveis de tirar da cartola francesa estão o bloqueio em negociações entre Londres e UE sobre o comércio de serviços financeiros ou o fechar de olhos das autoridades aos migrantes que queiram atravessar o canal. "Receio, infelizmente, que o governo britânico não compreenda outra que não a linguagem da força", disse o secretário de Estado Beaune..cesar.avo@dn.pt