Acelerar a vacinação, máscaras, testagem, distância e teletrabalho
"A pandemia não acabou. O tempo de agir é agora." O alerta foi deixado pela voz de Raquel Duarte na reunião de peritos, que decorreu na sexta-feira, no auditório do Infarmed, em Lisboa, onde foi analisada a situação pandémica em Portugal. A médica pneumologista fechou o encontro com uma série de recomendações para travar a tendência de "agravamento" da infeção por SARS-CoV-2.
Afinal, Portugal está a viver a "quinta fase pandémica", embora com gravidade e mortalidade inferiores às anteriores, disse Pedro Pinto Leite, da Direção-Geral da Saúde (DGS), logo no início da reunião. A incidência está em "203 casos de infeção por SARS-CoV-2 nos últimos 14 dias por 100 mil habitantes, com uma tendência crescente".
A situação não é tão grave como aquela que existia há um ano, graças à elevada taxa de vacinação (86,5 por cento), disseram os especialistas, mas o aumento do número de infeções mostra a necessidade de tomar medidas.
Nesse sentido, é preciso atuar já, antes do Natal, período no qual há, segundo Raquel Duarte, "um aumento do risco" de haver "um crescimento exponencial do número de casos", o que "significa duplicar ou triplicar o número de casos em poucas semanas".
A pneumologista recomendou, por isso, o uso obrigatório de máscaras em ambientes fechados e eventos públicos, o teletrabalho, quando possível e o desfasamento de horários em contexto laboral, no "sentido de facilitar o cumprimento das medidas".
Defendeu também o certificado digital com teste recente em espaços públicos "quando apropriado e de acordo com o que for definido pela DGS", a testagem, dando enfoque aos autotestes, a autoavaliação de risco, a promoção de atividades no exterior e a necessidade de acelerar o processo de vacinação. "O que nós propomos é que a estratégia adaptada à circunstância atual continue a assentar em cinco eixos fundamentais: a vacinação, a renovação do ar interior, a distância, a máscara e a testagem", resumiu.
Os eventos de grande dimensão, quando não é possível garantir o cumprimento de medidas gerais, como o uso de máscaras, "não devem ser realizados". E nos convívios familiares alargados será "muito importante a autoavaliação de risco e a utilização de autotestes". Já nos lares de idosos, propôs testagem regular para funcionários e visitas. Nos transportes públicos, disse, é preciso assegurar ventilação ou em alternativa manter janelas abertas, o distanciamento sempre que possível e a utilização obrigatória de máscara. Para a especialista em saúde pública, o conjunto de medidas proposto "deve ser aplicado a par de um processo célere de reforço com a terceira dose da vacinação".
Antes, o coronel Carlos Penha-Gonçalves, responsável pelo Núcleo de Coordenação do Plano de Vacinação, tinha alertado para a necessidade de reforço de meios no terreno devido ao alargamento do grupo de elegíveis para o reforço da vacina contra a covid-19. Passam a fazer parte, por exemplo, os imunizados com uma dose única da vacina da Janssen e os recuperados e isto é uma situação que "duplica o esforço de planeamento" e leva a uma reprogramação do plano. "Desde ontem [quinta-feira], pela norma da DGS, estamos agora a considerar outros grupos populacionais e estamos a falar, basicamente, de 1,8 milhões de pessoas", afirmou o militar.
É, portanto, "preciso fazer um reforço da estrutura executiva" porque "é nesse equilíbrio de aumento da capacidade no terreno que vamos atingir os objetivos". Há neste momento 304 pontos de vacinação no país, com capacidade para administrar 465 mil vacinas por semana, disse, referindo que 630 mil pessoas já receberam a dose de reforço. Há agora cerca de 600 mil pessoas para vacinar até 19 de dezembro, a uma média de 20 mil inoculações diárias.
DestaquedestaquePortugal vai atingir os "240 casos por 100 mil habitantes em menos de duas semanas se mantivermos esta taxa de crescimento"
O enfoque dado por Raquel Duarte para a necessidade de acelerar a vacinação justifica-se nas palavras de Baltazar Nunes, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA). Com um índice de transmissão, R(t), de 1,17, "estamos numa fase de aumento do número de casos e transmissibilidade "elevada", e a "duplicar" a cada 15 dias - e sendo que a maior incidência se verifica na faixa etária dos 0 aos 9 anos.
"A linha dos 240 casos por 100 mil habitantes vai ser atingida rapidamente em menos de duas semanas se mantivermos esta taxa de crescimento", advertiu. "Também podemos verificar que as linhas dos 480 e 960 [casos por 100 mil habitantes] podem ser atingidas em um ou dois meses se mantivermos sempre esta a taxa de crescimento."
Dados levam o especialista a defender a vacinação da população elegível antes do Natal. Se Portugal o conseguir, "podemos claramente evitar uma onda epidémica que ultrapasse as linhas vermelhas".
Para "não atingirmos o limiar de 255 camas em cuidados intensivos", o nível de alerta definido para não afetar o normal funcionamento dos serviços de saúde, "precisamos de vacinar praticamente toda a população elegível para vacinação [mais de 65 anos]" antes do fim de dezembro, reforçou Baltazar Nunes. É que existe "uma correlação entre a cobertura vacinal, a incidência e a mortalidade".
Foi, aliás, a elevada taxa de vacinação em Portugal que fez diminuir a gravidade da atual situação, dizem os especialistas. "Desde maio até agora, a adesão dos portugueses à vacina terá poupado à volta de 200 mil infeções, mais de 135 mil dias de internamento em enfermaria, 55 mil dias em cuidados intensivos e pouparam-se 2300 vidas", disse Henrique Barros, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, que defende a vacinação nas crianças, assim que a administração de vacinas for aprovada pelas autoridades para os menores de 12 anos.
Isso mesmo destacou o Presidente da República, no final da reunião. "A vacinação fez a diferença. Milhares e milhares de casos que não ocorreram, milhares de dias de internamento que não foram necessários, milhares de mortes que não se verificaram." Marcelo salientou, ao mesmo tempo, que continua a haver "conjugação total dos órgãos de poder político" na resposta à covid-19. Na próxima semana, terça e quarta-feira, o primeiro-ministro ouvirá os partidos para decidir as medidas a tomar na quinta-feira, no Conselho de Ministros. Na sexta-feira, Portugal voltou a superar os dois mil casos diários (2371), registando-se mais cinco mortes.