Começou a jogar na Reboleira, no antigo Estrela da Amadora, mas foi no Benfica que concluiu a formação e se estreou como sénior. Mudou-se há menos de seis meses para o Manchester City e tem deliciado o treinador Pep Guardiola. Tem 23 anos e é para muitos o melhor defesa central português da atualidade..Começando pelo fim. Como está a correr a experiência no Manchester City e na liga inglesa? Está a ser aquilo que eu esperava. Um patamar superior, onde a qualidade abunda. As equipas, a competitividade e a própria liga como espetáculo... É a beleza do desporto no expoente máximo. Eu era um espectador e agora sou um dos intervenientes. Poder fazer parte desta competição é algo extraordinário..Como foi a adaptação? Que mudanças sentiu do Benfica e da Liga portuguesa para o Manchester City e a Premier League? O facto de já cá estar o Bernardo Silva, o Cancelo, o Ederson, mas também o Fernandinho e o Gabriel Jesus ajudaram. Aos pouco fui-me entrosando. A diferença sente-se especialmente no aumento do nível competitivo. Ainda no outro dia falávamos no balneário que quem ganha a Premier League é porque é o melhor e isso não deixa dúvidas. A competitividade é tanta e prolonga-se no tempo. É jogo após jogo e sempre a um nível elevado. Não dá para o jogador se distrair ou desanimar com um adversário. São todos de exigência máxima. Agora com a situação do covid-19 isso é mais evidente, porque o calendário é mais apertado. Por isso quem ganha no fim é porque foi o melhor e isso também dignifica quem fica atrás..Essa intensidade para os jogadores deve ser brutal... Tem que ver com a mentalidade de cada um e com aquilo que são os objetivos de cada um. Eu sempre quis estar no topo e como é óbvio quero que a minha equipa ganhe, quero estar numa equipa vencedora e por isso não há melhor contexto que o City e a Premier League. Estar entre os melhores é confortável para mim..Destaquedestaque"A minha função enquanto defesa é contrariar o perigo que cada avançado representa. O desafio tem sido constante. Em todos os jogos existem adversários nível top e isso tem valorizado o meu trabalho".O adeus ao Benfica foi com lágrimas... Sim, foram lágrimas de felicidade por estar a dar o salto para um nível para o qual toda a vida trabalhei e também um sentimento especial pelo clube que estava a deixar naquele momento. O Benfica deu-me tanto e preparou-me o melhor possível para estar onde estou hoje..Foi contratado já com a época a decorrer. Esperava entrar logo no onze? São coisas que eu não penso muito. A época já estava a decorrer mas em datas pouco habituais por causa do covid-19 e da paragem do campeonato da época passada. Ainda estava tudo numa fase inicial, não tinha havido pré-época. Quando cheguei também já vinha com ritmo competitivo e fiz o meu caminho..Como foi a primeira conversa com o treinador Pep Guardiola? Foi uma conversa importante, para eu adquirir conhecimentos da equipa e um do outro. Eles, o mister e a estrutura, conheciam-me muito bem e foi mais uma conversa para assimilar ideias e pronto, bora competir. No fundo foi mais uma conversa para acelerar esse ponto - pronto a competir - porque era importante eu começar logo a jogar..Guardiola disse estar "encantado" com o Rúben, que não cometia um erro, que estava sempre concentrado e que o Manchester City tinha contratado um defesa excecional. Deve ser bom de ouvir. São merecidos os elogios? É muito importante ouvir isso. É sem dúvida alguma um voto de confiança importante para um jogador, seja eu ou outro. Faz parte da minha mentalidade ouvir isso com o maior agrado possível e sentir a maior confiança nessas palavras, mas também saber reciclá-las no sentido em que a mentalidade não muda, é a mesma antes e depois dos elogios. E essas palavras só são ditas porque a minha consistência é visível e já vem de há algum tempo....De Guardiola para José Mourinho. É verdade que lhe deu um conselho sobre os avançados? O Mourinho e eu tivemos uma pequena conversa no final do jogo do City com o Tottenham e ele disse-me: "Não vais jogar um único jogo aqui na Premier League onde os avançados não sejam bons. Isto é a Premier League." Acho que foi a maneira de ele me dizer que a liga inglesa é para os melhores e por ter os melhores avançados precisa de ter os melhores defesas. E realmente temos de ser muito bons para ter sucesso aqui, porque estamos entre os melhores e para ser melhor do que eles é preciso ter muita qualidade..Tem sido assim? Qual foi o avançado que mais dores de cabeça lhe deu e porquê? Não gosto de individualizar porque seria ingrato e injusto para alguns deles. Cada um tem as suas valências e cada um à sua maneira coloca adversidades. E só tenho de me adaptar e ser melhor do que eles. A minha função enquanto defesa é contrariar o perigo que cada um deles representa. O desafio tem sido constante. Em todos os jogos existem adversários top e isso tem valorizado o meu trabalho..Destaquedestaque"68 milhões? Sempre relativizei o meu preço. São acordos feitos entre clubes, mas no final das contas tudo se resume ao que o jogador depois faz em campo".É o segundo jogador mais caro de sempre do futebol português, depois do João Félix, e o quinto defesa central mais caro do mundo. Sente o peso dos 68 milhões que custou? Muita gente fala em relação aos valores... Os valores do futebol atual acabam por ser inflacionados pelo mercado e por vezes só uma pequena parte traduz a qualidade do jogador quando avaliada a mais-valia para a equipa na duração do contrato. Mas muitas das vezes os valores não dizem nada. Há jogadores a custo zero que rendem mais do que alguns que valem milhões e por isso eu sempre relativizei o meu preço. São acordos feitos entre clubes, mas no final tudo se resume ao que o jogador depois faz em campo..Segundo dados do Observatório do Futebol, o Rúben foi o segundo jogador a nível mundial com mais minutos em campo no ano de 2020. Foram 4344 minutos em campo... Só? Não chegaram a ser mais? [risos] É algo de que me orgulho muito porque é com esse objetivo que trabalho dia após dia: entrar em campo e jogar. Abdico de muitas coisas que me dariam muito prazer a nível pessoal para ter um rendimento desportivo que compense tudo isso. É este o jogador que quero ser e que pretendo ser para a equipa..Qual é o segredo de um bom defesa central? Para uns é o posicionamento, para outros o jogo aéreo... Se tivesse que definir um bom central numa palavra diria inteligência e ponto final..No seu caso já se falou da agressividade como uma mais -valia. Essa é a sua imagem de marca? Caracterizar um central com uma só característica é redutor. Como disse, para mim uma palavra que define um bom central é a inteligência, que abrange muitas coisas. A agressividade é uma delas e é muito importante porque o central é a última barreira antes da baliza, mas é importante saber ler o jogo, ter um sentido posicional bem definido entre muitas outras coisas. Por isso acho que a agressividade não é a minha imagem de marca, tenho várias. Um central tem de ser versátil, estar preparado para as várias situações do jogo e ser muito forte em vários aspetos. Aceito de bom grado que digam que um dos meus pontos fortes é a agressividade, mas procuro ser muito mais do que isso, procuro ser um central o mais completo possível..O ar sério ajuda a compor a imagem? Não é uma marca registada. É simplesmente a minha maneira de ser e que transparece..Destaquedestaque"Eu não estaria onde estou hoje se gostasse de perder, mas aprendi a lidar com isso. Acredito que cada derrota é uma lição e a derrota de hoje é a vitória de amanhã".As pessoas têm-no comparado ao Fernando Couto e ele até já lhe fez elogios e admitiu parecenças... Já ouvi uma ou duas vezes, sim. É um dos melhores centrais de sempre do futebol português e foi uma referência ao nível de estudo. A minha estratégia para crescer como jogador e tornar-me melhor a cada dia passava por analisar grandes centrais e adquirir ensinamentos de cada um deles, foi assim que construí o esquema do central perfeito. Por isso quando me perguntam se tenho um ídolo, eu digo que tenho muitos. O Fernando Couto era um central de excelência e curiosamente uma das coisas que se destacava nele era essa agressividade..Falando em elogios, o Pepe disse há dias que o Rúben Dias é o melhor central português da atualidade. É ? O Pepe sabe como irei interpretar as palavras dele, com a máxima responsabilidade, mas com zero pressão. O meu objetivo nunca foi ser melhor do que A, B ou C, mas sim ser a melhor versão de mim mesmo. Um dos meus maiores privilégios foi ter oportunidade de crescer no Benfica com Luisão, Jardel, Lisandro López... é injusto estar a dizer nomes porque corro o risco de me esquecer de alguém. O próprio Vertonghen, o Pepe, o Bruno Alves, o José Fonte na seleção. Beber pessoalmente dos ensinamentos deles foi um privilégio. Na vida podemos aprender de várias maneiras, experienciando, errando... mas a maneira da qual retirei aprendizagens foi através dos exemplos. Saber interpretá-los, quer bons quer maus, foram o segredo e sem dúvida alguma que o Pepe foi e é um enorme exemplo para mim..Como lida com as derrotas? Tem mau perder? Eu não estaria onde estou hoje se gostasse de perder [risos], mas aprendi a lidar com isso. Acredito que cada derrota é uma lição e a derrota de hoje é a vitória de amanhã. As derrotas farão sempre parte do percurso seja como jogador ou como homem. As derrotas fazem parte da vida e só havendo derrotas pode haver vitórias. De nenhuma maneira se aprende mais do que com as derrotas. Há que saber lidar com elas e seguir em frente, mas não são os meus dias preferidos....Como um jovem jogador como o Rúben lida com o sucesso, a pressão e o mediatismo no futebol? Estava preparado para isso? A pressão existe e irá existir sempre, seja qual for o contexto, a idade e tudo se resume se estás preparado ou não. Tens capacidade para assumir e qualidade para tomar conta do assunto ou não? Quando estás pronto, tens qualidade e mentalidade vencedora, não há nada a temer e só há que seguir em frente. Eu tinha pressão quando era jovem, quando entrei no Benfica, houve pressão quando entrei na seleção e tenho pressão agora, faz parte do futebol, quanto mais progrides mais pressão tens e eu gosto disso..Destaquedestaque"A minha estratégia para acrescer como jogador passava por analisar grandes centrais e colher ensinamentos dos melhoress, foi assim que construí a ideia de central perfeito. Por isso quando me perguntam e tenho um ídolo eu digo que tenho muitos".Ainda se lembra do início de tudo? Os jogos com o seu irmão no corredor de casa e com alguma jarras partidas, como a sua mãe contou numa reportagem da Benfica TV... Tinha de ser. A minha mãe tinha de se aguentar. Eram dois rapazes da mesma idade e não havia solução. O corredor virava campo de futebol. A certa altura eu e o meu irmão [Ivan] começámos a ter consciência e antes de começarmos a jogar tirávamos as jarras para a sala, preparávamos o campo e evitávamos alguns problemas. Compensava os raspanetes. Foram momentos únicos. A vida é sobre criar memórias e essas são inesquecíveis..Que sonhos tinha nessa altura? Sempre sonhei um dia de cada vez, mas se tivesse que individualizar diria que sonhava ser jogador profissional de futebol. Eu até acho que disse isso numa entrevista quando era miúdo. Para mim o futebol sempre representou muito. Toda a parte do jogo me apaixonava e fascinava e fui adaptando os sonhos à medida que subia um degrau na carreira, duplicando o empenho e a dedicação, sempre acreditando que esse era o caminho para chegar lá..E agora? Os sonhos mudaram? Agora mais do que nunca mantenho o lema de sonhar, e viver, um dia de cada vez, desfrutar ao máximo de tudo o que estou a viver. Não nos podemos esquecer que tudo isto passa muito depressa e é importantíssimo ter noção que é preciso desfrutar o momento e é isso que eu estou a fazer, aproveitar cada oportunidade e cada segundo para ser feliz.