"Imaginemos que nos mandam fazer análises, o médico soma o valor das análises e diz: 'Olhe, o senhor tem 790.' E o que é que este número nos diz? Nada. Se eu tiver os números parcelares de cada fator analisado, consigo saber, por exemplo, se tenho o colesterol alto. A partir daqui, o médico vai dizer o que devo fazer para melhorar. O mesmo que fazemos através desta [nova] avaliação." É através do recurso a analogias que o diretor do Agrupamento de Escolas n.º 1 de Abrantes, em Santarém, escolhe explicar o novo modelo de avaliação que começará a ser aplicado já neste ano letivo..A partir de setembro, cerca de 200 professores e perto de dois mil alunos deste agrupamento, do 1.º ao 12.º ano, irão beneficiar de um novo método pensado para alunos que vivem em ambiente mais desfavorecido a nível económico e com pior aproveitamento escolar. A ideia começou a ser desenhada há cerca de um ano, inspirada na autonomia curricular concedida às escolas públicas..Ao contrário daquilo que foi inicialmente avançado, o novo método de avaliação não pretende acabar com as notas nos testes. Aliás, a escola deixa de atribuir "uma única nota para ter várias em cada teste (e restantes instrumentos de avaliação)", começa por explicar o também professor de Geometria Descritiva. Isto é, numa prova, em vez de os alunos serem avaliados com um número final que é a soma de todos os valores alcançados em cada exercício, são avaliados segundo competências em cada grupo de domínios.."Por exemplo, num teste de Português, temos os domínios da oralidade, da escrita, da gramática, entre outros. Para cada um, foram determinados descritores [parâmetros que os alunos podem ou não alcançar], classificados até cem", continua. Nos testes, cada questão é "encaixada nos domínios e descritores a que correspondem" e as notas são atribuídas em função da avaliação atingida nos descritores..Mas a avaliação não é estanque. Se o aluno conseguir ultrapassar as dificuldades naquele descritor, é anulada a nota (baixa) que inicialmente tinha em relação ao mesmo. "Não tem de ser penalizado por a dada altura não ter sabido", justifica Jorge Costa. Porque "cada um tem o seu ritmo de aprendizagem"..O que não significa que, no final dos períodos, não seja atribuída uma nota por cada disciplina. Independentemente dos métodos de avaliação adotados por cada escola, as notas finais são necessárias não só para efeitos de passagem de ano como para efeitos de exame - nos anos em que tal ocorra. A diferença relativamente ao modelo de avaliação tradicional é que a nota final será o somatório de todos os pontos atribuídos em descritores e domínios ao longo desse período..O objetivo é colocar "a avaliação ao serviço da aprendizagem" e não o oposto, como ocorre com o modelo de avaliação adotado pela maioria das escolas portuguesas..A nova abordagem de avaliação permite que, no final de cada instrumento de avaliação, "o aluno, o professor e o encarregado de educação vão saber qual o estado em que o estudante se encontra em determinados descritores". A partir daqui, o docente tem a obrigação de informar o estudante sobre como pode melhorar em cada um dos descritores. "Dá ao aluno uma ideia de como pode melhorar e ao professor de como pode adaptar o ensino àquele estudante.".A avaliação como promotor social.Em muitas escolas, este novo modelo poderia não fazer a diferença. Mas Jorge Costa acredita que fará nas que integram o agrupamento que coordena, onde a maioria dos alunos reside na zona rural da cidade e "quase metade" vive com dificuldades económicas. "Sendo que a outra metade não se considera de carência económica por não terem o escalão social, mas são pessoas com algumas dificuldades", alerta o diretor..São filhos de famílias com baixo nível de escolaridade, bem como com fracos rendimentos. Dita a sua experiência que este é o tipo de alunos com menor aproveitamento escolar. E as estatísticas confirmam: no ano passado, dados do Ministério da Educação revelavam que 78% dos alunos mais carenciados não têm percursos de sucesso. Embora o professor faça questão de frisar que se deve evitar generalizações sem olhar às exceções, pois há "alunos destes que acabam com muito boas notas"..É desta preocupação que nasce o novo projeto. A questão impôs-se: "Como é que eu posso ajudar alunos que têm um ponto de partida desfavorável, que começam em desvantagem?", lembra Jorge Costa..No entanto, a escola não tem sido capaz de "retirar este peso negativo que alguns alunos trazem da sociedade para dentro da sala de aula". "Ainda não consegue fazer mais do que a própria sociedade, que discrimina estas pessoas por natureza", lamenta. O que "significa que não está a saber fazer bem o seu papel", que passa principalmente por "dar a todos a possibilidade de serem bons alunos"..Ainda não começou a ser aplicado, mas o novo modelo de avaliação já chegou aos ouvidos de outros estabelecimentos de ensino espalhados pelo país, que recorrem agora ao Agrupamento n.º 1 de Abrantes para compreenderem os seus contornos e tentarem aplicá-lo também nas suas escolas. "Têm vindo aqui para ver exemplos práticos, porque também querem tentar aplicar.".Até ao início do novo ano letivo, será preciso preparar os professores. "Foi mudando muita coisa ao longo dos anos, mas os professores ensinam quase da mesma forma que aprenderam a ensinar há 40 anos. Podiam tentar mudar, mas na prática mudam muito pouco. E o que estamos a fazer é mudar muito. Está a obrigá-los a pensar e a refletir sobre a profissão. E, na minha opinião, isso é bom", reflete o presidente do agrupamento. Contudo, garante que os docentes "estão entusiasmados"..Quanto aos alunos, haverá uma reunião com os encarregados de educação antes do início do ano letivo, para lhes ser explicado o novo modelo de avaliação..Autonomia nas escolas levanta problemas.No início de 2017, o atual ministro da Educação dizia que o sucesso escolar ainda era uma "miragem" em Portugal, acrescentando que "um terço da população vê a escola como uma experiência de insucesso". No mesmo discurso, Tiago Brandão Rodrigues garantiu que o antídoto passava pela resposta a várias metas, entre elas a autonomia local. Contudo, uma auditoria do Tribunal de Contas (TdC), realizada neste ano, denunciava que as escolas com contrato de autonomia cumprem menos de 40% dos objetivos definidos..O relatório que analisou 30 casos afirmava que, "decorridos mais de dois anos da sua constituição, não é conhecido o resultado dos seus trabalhos, nem a Portaria n.º 265/2012, de 30 de agosto, foi alterada". Mas o Ministério da Educação garantiu que está a par das "questões relacionadas com a monitorização e avaliação do atual modelo, bem como as necessidades de adequação ao novo paradigma de autonomia e flexibilidade curricular"..A redução do abandono escolar e o aumento do sucesso académico são dois dos principais objetivos do projeto de autonomia das escolas, iniciado em 2007. Metas que os dados do TdC garantem ter ficado aquém do esperado..No caso do sucesso escolar, só 32% dos objetivos foram atingidos, tendo sido alcançadas 76 das 239 medidas propostas. Relativamente ao abandono escolar, foram atingidos 26 dos 41 objetivos propostos pelas 30 direções escolares avaliadas.