Abel como Jesus? Furacão português a um jogo da final da Libertadores

Em dois meses, o treinador português apurou o verdão para a final da Taça do Brasil e está com um pé na final da <em>champions</em> sul-americana. Brasileiros estão rendidos mas não querem comparar o Palmeiras de Abel com o Flamengo de Jesus.
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Abel Ferreira eliminou Jorge Jesus na pré-eliminatória da Liga dos Campeões e foi contratado pelo Palmeiras. O treinador português orientava o PAOK da Grécia e era um ilustre desconhecido no Brasil. Chegou de mansinho, mostrou-se perante a desconfiança geral e está agora a um jogo da final da Taça Libertadores, depois de cilindrar o River Plate (3-0), na partida da primeira mão das meias-finais da champions sul-americana.

Ir à Argentina ganhar a uma das melhores equipas da América do Sul não é para qualquer um. Para o treinador foi uma questão de "mentalidade", mas para o resto do mundo foi muito mais do que isso, e até a FIFA destacou a grandeza deste feito. "O River Plate tinha vencido sete jogos consecutivos em casa na Libertadores, marcando 20 golos e sofrendo apenas um. O Palmeiras acabou de os vencer, e por 3-0 na Argentina, para pôr um pé na final e dar um passo em direção ao Mundial de Clubes. Isto é uma máquina verde!", escreveu a entidade mundial no Twitter.

O Palmeiras tem vivido anos tranquilos. Ainda em 2018 foi campeão brasileiro com Scolari , mas a Libertadores foge-lhe há 21 anos. A única vez que o verdão levantou a Copa foi em 1999, também com Scolari ao leme do Esquadrão Imortal. Agora a história pode repetir-se. O adversário é o mesmo e o resultado da primeira mão parece confortável.

O clube brasileiro fundado por emigrantes italianos em 1914 está a um jogo da final sul-americana, o grande objetivo da época. O desafio da segunda volta é na terça-feira e a equipa de Abel pode perder até por dois golos de diferença. A final realiza-se a 30 de janeiro, no Maracanã (Brasil), frente ao vencedor da outra cimeira argentino-brasileira: Boca Juniors-Santos.

Logo na sua apresentação, Abel avisou que não ia passar férias, mas ninguém pensou que isso significava tentar repetir os feitos de um dos seus mentores: Jorge Jesus, que pelo Flamengo venceu o Brasileirão e a Libertadores na época passada. Agora a máquina verde do "furacão português", educado e cavalheiro, como lhe chamam em São Paulo, está perto de fazer história.

No início, Abel foi mais um bombeiro de serviço do que treinador. Assim que chegou teve de lidar com um surto de covid-19 na equipa e foi perdendo jogadores jornada após jornada. Chegou a ter 21 de fora, entre lesionados e infetados, e ainda teve de lidar com uma data FIFA - no Brasil os campeonatos não param por causa dos jogos nas seleções - e ficou sem quatro dos seus baluartes. Apostou na formação e na recuperação de ostracizados como Lucas Lima, Raphael Veiga, Zé Rafael e Patrick de Paula. Todos subiram de rendimento e de forma incrível.

Os novos métodos do português passaram a ser notícia. O workaholic Abel, viciado em rever os jogos e os pormenores dos treinos, que passa o dia no centro de treinos e horas a observar os jogadores das camadas jovens, impressionou ainda por dar tanta atenção ao lado emocional/mental como aos aspetos táticos e físicos. E nem os adeptos ficaram fora da equação. Quando há um mês venceu o Bragantino na Taça do Brasil, gritou "Avanti, Palestra" - grito de guerra do Palmeiras - dentro do balneário. Foi filmado e o vídeo partilhado nas redes sociais, levando os adeptos à loucura.

YouTubeyoutubehttps://www.youtube.com/watch?v=dId0oUH7npY

Isto mostrava o nível de conhecimento e de comprometimento do português, que em campo correspondia às expectativas que o próprio ia criando, com triunfos atrás de triunfos, até ao terceiro lugar entre os estrangeiros com melhor arranque no futebol brasileiro, à frente de Jesus - apenas Sampaoli e Matthaus fizeram melhor.

Em dois meses soma 18 jogos no Palmeiras, com 12 vitórias, quatro empates e duas derrotas. Números idênticos aos do início da campanha de Jesus no Flamengo, em 2019. Mas com duas diferenças, uma a favor e outra contra: Abel está na final da Taça do Brasil e em sexto no campeonato, enquanto o agora treinador do Benfica foi eliminado nos quartos da Taça mas foi campeão. "A comparação ainda é difícil. Os cenários são diferentes, já que Jesus conquistou um campeonato de pontos corridos com uma vantagem gigantesca e a Libertadores, enquanto Abel Ferreira ainda luta para conquistar duas taças e com menos de metade dos jogos do Jesus no Fla", diz Rodrigo Fragoso do site Esporte Interativo.

Apesar de o objetivo principal ser o mesmo, a Taça Libertadores da América, "o que diferencia os dois projetos é o ano. O Flamengo vivia um ano de investimento pesado no elenco, enquanto o Palmeiras viveu um ano em que só contratou duas peças caras [Rony e Viña]. Esta já é a temporada em que o Palmeiras mais utilizou jogadores de base no século", explicou o jornalista que acompanha o clube de São Paulo.

Para Rodrigo Fragoso, se Abel conseguir ir à final e vencer, isso não inferioriza o feito de Jesus, apesar de o Palmeiras ter um orçamento muito inferior e jogadores menos experientes em grandes provas: "O Palmeiras sonha com o segundo título na competição e não disputa uma final desde 2000, facto que gera muita pressão no clube. Por isso o feito de Abel Ferreira também será gigantesco, caso consiga o título, mas não diminui o trabalho de Jesus. Pelo contrário, engrandece ainda mais os trabalhos de portugueses no Brasil."

Opinião idêntica tem Marco de Vargas, o comentador que ficou conhecido por desvalorizar os títulos ganhos por Jesus "na porcaria" do campeonato português: "Caso Abel obtenha um êxito similar na Libertadores, será exaltado e admirado pelo sucesso, mas um feito não apagaria o outro, pelo contrário: aumentaria ainda mais o nível de excelência desses profissionais na relação aos técnicos brasileiros."

O comentador que entretanto saiu da FOX e da Globo diz que já conhecia "Abel pela sua juventude e pelo excelente potencial mostrado no Sp. Braga em 2017-18". Mas passou a dar-lhe mais atenção "depois da vitória do PAOK sobre o Benfica de Jorge Jesus", e destaca "as similaridades": "Ambos chegaram a meio da temporada e precisaram de impor os seus métodos de trabalho a curtíssimo prazo."

Tudo começou com Hugo Cajuda. Quando o Palmeiras ficou sem treinador, o empresário meteu-se em campo e falou com uma pessoa que conhecia no Palmeiras. Inteirou-se do perfil pretendido - um treinador jovem, dinâmico e com uma boa experiência ao nível da formação e aposta em jovens - e apresentou o nome de Abel Ferreira. O perfil do ex-lateral direito encaixou na perfeição no projeto. Ser um desconhecido para os brasileiros não afastou o interesse. Abel, um apaixonado pelo futebol brasileiro, tinha o sonho de jogar lá. Não o conseguiu como jogador, mas está agora a viver o sonho como treinador.

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