Inicia-se nesta sexta-feira, em Portugal, o Ramadão, o nono mês do calendário islâmico e época sagrada para os muçulmanos, que celebra a revelação do Alcorão ao profeta Maomé. O período é marcado pelo jejum entre o nascer e pôr-do-sol, pela espiritualidade e pelas lautas refeições noturnas. Mas este ano a pandemia vai condicionar fortemente a forma como se observa este mês especial..Na Arábia Saudita Meca e Medina continuam sob estritas regras (apesar de na quarta-feira o rei Salman ter autorizado as orações noturnas na mesquita, mas sem público), e um pouco por todo o mundo islâmico as regras de confinamento estão em vigor..No entanto, no Níger houve manifestações violentas a exigir a abertura das mesquitas (que acabaram com a prisão de uma dezena de pessoas), no Bangladesh as autoridades religiosas desafiaram o Estado laico e no Paquistão o presidente acabou por ceder e permitiu a abertura das mesquitas..Por cá, pelo menos até 2 de maio a mesquita central de Lisboa vai manter-se encerrada aos fiéis.."Os nossos corações choram", disse o almuadem da grande mesquita de Meca sobre os efeitos do confinamento. Este Ramadão tem necessariamente de ser triste?.Claro que sim, que é triste. Não pode haver os ajuntamentos que se fazem normalmente. Como sabe a mesquita de Lisboa está fechada. Só está lá o imã a fazer a oração com mais uma pessoa, mas tem de ser assim, está confinado..Mas o muçulmano não pode ultrapassar essa limitação pela fé?.Continua a fazer as orações e continua a fazer o jejum, só que em casa. Não pode fazer em grupo. É só isso..Orar e celebrar à noite a quebra do jejum em casa é muito diferente?.É diferente. Mas não se pode fazer fora de casa, faz-se com a família. Mesmo antes da pandemia todos os dias fazia a minha oração de manhã e à noite em casa. Sexta-feira é o dia da congregação, é nesse dia que costumamos ir à mesquita. É uma pena, mas é assim..Já fez alguma peregrinação nesta época?.Há as pequenas peregrinações aos lugares santos e há a grande, hajj. Já fiz três. Na vida somos obrigados a fazer uma vez desde que tenhamos posses para isso. Por acaso fiz mais do que uma vez, mas isso é voluntário. Mas depois há a chamada visita aos lugares santos. Fiz uma vez a visita à mesquita durante o Ramadão. Oiça, os lugares santos de Meca e Medina estão sempre cheios e agora não é o caso. Está tudo deserto, imagino que deve ser uma tristeza ver aquilo vazio..As regras de confinamento devido ao covid-19 foram postas em causa nalguns países. E cá, o encerramento da mesquita foi aceite de forma pacífica? Há quem esteja contra o encerramento?.Há pessoas que ficaram um bocado tristes e contrariadas, mas o que se pode fazer? É uma força. Não se pode fazer mais nada. A vida está em primeiro lugar, a gente tem que salvar a nossa vida..Como pensa que vai ser o regresso à oração em comunidade? Com regras de distanciamento?.Com certeza que sim. Quando houver possibilidade de ir à mesquita há regras para estar lá, é preciso cuidado. Por exemplo, fazemos a nossa prostração. As pessoas têm que ter cuidado para não se prostrarem de qualquer maneira para não deixar ficar lá nada contagioso. As pessoas têm de levar o próprio tapete e levá-lo de volta. Nessa altura ainda não vão poder fazer as abluções na mesquita. A pessoa já vai com a ablução feita de casa. Quando estiver em congregação, que não pode ser muito grande, vai estar a uma distância de uns dois metros. Não pode ser de outra maneira. Tem de se obedecer a estas regras..Neste momento há um grupo de 171 refugiados e migrantes de várias nacionalidades em quarentena, tendo sido alojados em instalações militares. Uma preocupaçõo expressa pelo comandante da base aérea da Ota é de poder proporcionar aos muçulmanos condições para observarem o Ramadão. A CIL foi contactada para prestar alguma ajuda?.Esse grupo esteve antes na mesquita, onde o rastreio foi feito. Estava lá uma equipa muito grande de bombeiros que fez o rastreio desde manhã até à madrugada do dia seguinte. Só depois foram transportados para a Ota. Naquilo que pudermos iremos ajudar. Nós estamos confinados e continuamos a rezar em casa, não só por nós mas também pelos nossos irmãos judaicos e cristãos e mesmo para aqueles que não têm religião. Rezamos para o bem de toda a humanidade.