A vila onde 80% das pessoas tem covid-19 e o hospital mais próximo fica a oito horas de barco
Nem nas profundezas do coração da Amazónia central, no Peru, onde o povo indígena Shipibo, cuja população varia entre os 20 e os 35 mil, vive há milhares de anos, o covid-19 tem dado tréguas.
Na remota vila de Caimito, 80% da comunidade apresentou sintomas de coronavírus, de acordo com o enfermeiro local Elias Magin. Um problema que se torna ainda maior porque o hospital mais próximo fica a oito horas de barco.
"Nos últimos três dias, ficámos sem os medicamentos que o governo nos deu. O único remédio que nos resta é para outras doenças. Nem paracetamol tenho", disse Magin à CNN no final de maio.
Ponto turístico de interesse, a vila de Caimito é de difícil acesso. A única forma de lá chegar é através de uma viagem de oito horas de barco ao longo do rio Ucayali, a partir da capital regional de Pucallpa, que fica a mais 18 horas de carro da capital do Peru, Lima.
Das 750 pessoas da comunidade, quatro morreram crê-se que 80% estejam infetadas com covid-19 com base nos sintomas que apresentam. O próprio enfermeiro, Elias Magin, foi diagnosticado com covid-19, mas continuou a trabalhar, até porque ficou sozinho na vila juntamente com outra enfermeira e um auxiliar.
Durante os dias da visita da CNN, a clínica da vila mostrou-se bastante movimentada. Sem ventiladores ou outros aparelhos de tecnologia avançada, o posto está bastante longe de poder lidar com uma crise como a do coronavírus.
A pandemia está a dizimar as comunidades indígenas da América Latina, que têm condições sanitárias deficitárias.
O anúncio da morte por covid-19 do cacique brasileiro Paulinho Paiakã, defensor emblemático da Amazónia, trouxe à tona a tragédia que devasta muitos dos 420 povos nativos que vivem na Bacia Amazónica. A sua morte num hospital em Redenção soma-se às mais de 300 que se lamentam em cerca de 100 comunidades, de acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
Os números da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) falam de pelo menos 20.000 indígenas infetados na bacia do rio Amazonas, que atravessa o Brasil, Peru, Colômbia, Bolívia, Equador, Venezuela, Guiana e Suriname.
"Esses grupos vivem tanto em aldeias isoladas com acesso mínimo a serviços de saúde quanto em cidades densamente povoadas, como Manaus (no Brasil), Iquitos (no Peru) ou Leticia (na Colômbia)", disse a diretora da entidade, Clarissa Etienne.
Apesar das campanhas para evitar que os indígenas se desloquem para os centros urbanos, em alguns casos aqueles que os expõem ao vírus são invasores, como os garimpeiros, ou aqueles que trabalham na exploração de madeira e agricultura.
Um estudo realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais e pelo ISA estimou que, se não forem tomadas medidas, 40% dos yanomami que vivem perto dessas áreas invadidas (cerca de 14.000) podem ficar doentes.
No estado brasileiro do Acre, na fronteira com o Peru, onde 15.000 indígenas huni kui vivem em 104 aldeias, o vírus também já chegou, matando pelo menos cinco pessoas.
Os dados da OPAS mostram "uma tendência preocupante em direção a uma alta transmissão nas áreas fronteiriças" que frequentemente abrigam populações vulneráveis, como povos indígenas e migrantes, e carecem de boa infraestrutura médica, resumiu Etienne.