Sempre pensou em grande, como Orson Welles e, também à semelhança deste, sempre teve problemas em arranjar os meios para concretizar as "big ideas". Chamam-lhe mestre do suspense, por afinidade com Hitchcock, o realizador que o seu cinema cita em abundância e com toque de bisturi, mas fartou-se de Hollywood tal como Sean Connery, o ator de Os Intocáveis que optou pela reforma. Brian De Palma, o homem de quem se fala, torna-se hoje octogenário e parece não estar com a aposentadoria em mente..Continua por aí a trabalhar com os recursos possíveis, em produções europeias, longe da malaise dos grandes estúdios. "O sistema de Hollywood não faz nada para além de destruir-te", ouvimo-lo dizer no documentário De Palma (2015), de Noah Baumbach e Jake Paltrow. E a mágoa é natural porque, na verdade, o realizador de Vestida para Matar não teve vida fácil durante as três décadas em que trabalhou na indústria americana..YouTubeyoutube97XoMjwoZ5w.O seu último filme estreado, o thriller de ação Domino - A Hora da Vingança (2019), uma coprodução entre Dinamarca, França, Itália, Holanda e Bélgica, constituiu um regresso algo frustrante para o próprio, após sete anos sem filmar. De Palma confessou sentir problemas de produção semelhantes aos que o tinham atormentado outrora em Hollywood. É, aliás, um filme que transparece esse conflito, na medida em que se faz notar a excelência do formalismo do realizador no contraste com a narrativa pouco sofisticada... Por agora, a nova promessa estará no título Sweet Vengeance, mas ainda não há previsões de lançamento..Lembrar que Brian De Palma, nascido em New Jersey, é um dos nomes-chave da Nova Hollywood não é dizer pouco. O movimento que, nos anos 1970, formou ao lado de jovens realizadores como Martin Scorsese, Steven Spielberg, George Lucas e Francis Ford Coppola (os designados movie brats) representou um espírito de entreajuda que conseguia funcionar bem dentro do sistema. De qualquer modo, De Palma não foi dos que tiveram direito a uma entrada triunfal; as adversidades estiveram lá desde o início, em produções caóticas como Greetings (1968) ou resultados de bilheteira desastrosos como os de O Fantasma do Paraíso (1974), essa sátira musical espantosa que fez um brilharete em toda a parte, menos - ironia das ironias - em Nova Iorque..Foi só depois de Carrie (1976) que a sua assinatura começou a ganhar significado para os espectadores. Esta adaptação do romance de Stephen King, protagonizada por Sissy Spacek, sobre uma jovem com poderes telecinéticos, é um dos virtuosos exemplos da dimensão gráfica do seu cinema, com o famoso banho de sangue, cujo referente De Palma diz ter sido as operações a que assistia do seu pai cirurgião, quando em adolescente o ia visitar ao hospital... Mas, antes de Carrie, no mesmo ano houve Obsessão, um claro tributo ao Vertigo de Hitchcock, que teve a honra de ser revestido por uma banda sonora criada pelo mesmo compositor, Bernard Herrmann, e que passara quase despercebido..O grande sucesso tardou mas chegou com Vestida para Matar (1980) e a cena do chuveiro de Psico a ecoar em força num assassínio no elevador, seguido de Blow Out - Explosão (1981), Scarface - A Força do Poder (1983) e Testemunha de Um Crime (1984), este último sob a influência de Janela Indiscreta. Depois, "o raro filme mágico", como lhe chama De Palma, apareceu sob a forma de Os Intocáveis (1987), a queda de Al Capone trabalhada por quatro magníficos: Kevin Costner, Andy Garcia, Charles Martin Smith e, claro, o polícia de Sean Connery, voz da sabedoria e vencedor do Óscar. Caso de uma sintonia perfeita entre crítica e bilheteira, que não se repetiria mais, nem com Perseguido pelo Passado (1993), que marcou o reencontro com Al Pacino (recorde-se, tinham feito Scarface), apesar de Missão Impossível (1996) ainda ter sido capaz de levantar a moral..O percurso acidentado de Brian De Palma em Hollywood, constantemente a bater-se por orçamentos e a tentar fazer valer as suas "puras ideias cinemáticas", acaba por ser a maldição de alguém que, para o gosto da indústria, pensou demasiado o cinema - se é possível dizê-lo assim. Antes da escola que descobriria na sala escura, a sua formação começou por ser em Física, e basta apreciar a maneira quase científica com que ele explica a técnica visual, ou, acima de tudo, como a pôs em prática nos filmes, para perceber um pouco a fatalidade da sua expressiva cinefilia. O que para uns é a arte do plano, do ângulo e do movimento de câmara, para outros pode ser uma obsessão formal irritante. Certo é que, mesmo no seu mais pobre registo, houve e há sempre um toque de mestria pop, como reconheceu a crítica Pauline Kael, voz implacável da The New Yorker que foi uma admiradora convicta de De Palma..Nas origens deste monstro-sagrado-não-consensual do cinema está o desejo de olhar. E talvez uma pequena história ajude a esclarecer o fascínio de De Palma pelo "olho" da câmara: em adolescente, assistindo ao divórcio violento dos pais, e desconfiando que o pai traía a mãe, começou a espiá-lo com uma câmara alugada, entre esquinas e atrás das árvores. Onde é que já vimos isto? Uma atitude voyeurista que corre nas artérias do seu cinema e que faz vénia a Hitchcock, naturalmente.