A viagem de 85 dias no mar do argentino preso em Porto Santo
Um velejador argentino de 47 anos preso em Porto Santo por causa da pandemia decidiu fazer-se ao mar num pequeno e velho barco para chegar à Argentina. A odisseia no Atlântico, com aventuras, tempestades e ondas perigosas, mas também a companhia de golfinhos e baleias, durou 85 dias e fez dele um herói local e notícia em todo o mundo.
A ideia de ficar isolado e quieto no seu pequeno barco, depois de as autoridades de saúde da Madeira decretarem a quarentena obrigatória e distanciamento social, "era o fim do mundo" para Juan Manuel Ballestero, pois impedia-o de fazer aquilo que mais gostava de fazer na ilha dourada: as caminhadas a pé e as visitas ao Museu Colombo. Além disso, estava preocupado com a saúde dos seus pais, Nilda e Carlos, que têm 90 e 82 anos.
O que ele não contava era que o país natal proibisse os voos internacionais. Sem forma de voltar à Argentina decidiu fazer-se ao mar no seu pequeno veleiro, que carregou com latas de atum, frutas e arroz. "Eu não queria ficar como um covarde numa ilha onde não havia casos. Eu queria fazer tudo o que fosse possível para voltar para casa. A coisa mais importante para mim era estar com minha família", contou o velejador.
A navegação marítima é uma tradição da família Ballestero. Juan Manuel tinha três anos quando o pai o levou a bordo de um navio de pesca. Quando completou 18 anos, conseguiu um emprego num barco de pesca no sul da Argentina. Foi ao largo da costa da Patagónia que recebeu um concelho de um pescador que regista até hoje: "Vá ver o mundo." E ele assim fez.
Ballestero passou boa parte de sua vida velejando e fazendo paragens na Venezuela, Sri Lanka, Bali, Havai, Costa Rica, Brasil, Alasca e Espanha. Participou em projetos de defesa de tartarugas e baleias e trabalhou como capitão a bordo de veleiros de gente rica durante os verões europeus. Ganhou o suficiente para comprar um pequeno veleiro, um Ohlson 29 chamado Skua, em 2017, na esperança de dar a volta ao mundo.
Em 2020 as marés levaram-no até à Madeira, onde foi apanhado pela crise sanitária provocada pela pandemia. Os amigos tentaram dissuadir Ballestero de embarcar na perigosa jornada, e as autoridades portuguesa avisaram-no de que ele não teria permissão para voltar a entrar se tivesse problemas. Mas ele estava determinado e fez-se ao mar no dia 24 de março: "Não tinha medo, mas havia muita incerteza. Era muito estranho navegar no meio de uma pandemia com a humanidade a sofrer ao meu redor."
Atravessar o Atlântico num pequeno barco é desafiador para a maioria dos velejadores, ainda mais num cenário de pandemia. A 12 de abril, as autoridades de Cabo Verde se recusaram a permitir que ele atracasse na ilha para reabastecer seu suprimento de comida e combustível, segundo Ballestero, que virou para oeste na esperança que os ventos o ajudassem com a falta de combustível.
De certa forma estava a vier uma espécie de quarentena no mar. "Estava trancado na minha própria liberdade", confessou o argentino habituado a longos períodos sozinho no mar. À noite sintonizava as notícias numa rádio durante 30 minutos e era assim que ficava a saber como o vírus estava a espalhar-se pelo mundo. "Dei por mim a pensar que seria a minha última viagem", confessou ao NYT, lembrando as vezes em que era tomado pelos pensamentos agoirentos. Num dia particularmente difícil viu numa garrafa de uísque a melhor amiga. Afogou os pensamentos em álcool, mas em vez de ficar inerte e descontraído ficou ainda mais ansioso. Com os nervos à flor da pele deu por ele a rezar, recorrendo a Deus: "A fé mantém-te em pé nessas situações. Eu aprendi sobre mim; essa viagem me deu muita humildade. "
Outro dia entrou em pânico, quando se viu perseguido por uma luz de um navio, pensou que eram piratas ou traficantes... Seria um efeito da bebida, uma alucinação ou realidade?
Várias semanas depois de sair de Porto Santo, as alucinações tomaram conta do velejador. Era recorrente ver animais selvagens, que encarava como presságio de algo ruim até ver um grande pássaro voar nas proximidades do barco. Era um skua, o pássaro do qual o seu barco recebeu o nome. "Era como se o pássaro estivesse a dizer-me para não desistir, para continuar", contou o argentino, que também encontrou consolo num um grupo de golfinhos que nadaram ao lado de seu barco durante cerca de três mil milhas.
Comia atum, fruta e arroz cozido. Um dia cansou-se de comida enlatada e pegou uma vara de pescar para apanhar peixe. A experiência não correu bem, segundo ele. Começou a pensar que era "como matar uma pessoa " e voltou a comer atum enlatado.
Quando se aproximava das Américas, uma onda brutal sacudiu o barco e obrigou-o a fazer uma paragem não planeada em Vitória no Brasil. A Argentina estava perto, mas ele não sabia que a sua história já tinha corrido mundo. Quando ele chegou a Mar del Plata, sua terra natal, a 17 de junho, foi recebido como um herói. "Entrar no meu porto, onde o meu pai tinha o seu veleiro, onde ele me ensinou muitas coisas e onde eu aprendi a velejar e onde tudo isso se originou, me deu o sabor de uma missão cumprida", confessou Ballestero.
Só saiu do barco depois de um profissional de saúde lhe fazer um teste para a covid-19 e só 72 horas depois foi autorizado a pisar solo argentino. Depois teve de cumprir quarentena de 14 dias até poder abraçar o pai. Não chegou a tempo do aniversário dele, mas a tempo de festejar o Dia do Pai na Argentina: "O que eu vivi é um sonho. Agora vou plantar um jardim e comprar três galinhas. Vou passar o resto do ano com os meus velhos. Quero estar com a família. Mas tenho um forte desejo de continuar a navegar."