A fase de instrução da Operação Marquês está perto do fim e Carlos Santos Silva, amigo de infância de José Sócrates, suspeito de ser o testa-de-ferro do antigo primeiro-ministro, é o arguido que se segue. O empresário começa a ser ouvido nesta quarta-feira, às 14.00, no Tribunal Central de Instrução Criminal - e Ivo Rosa marcou mais dois dias para o interrogatório, que se prolonga até 29 de novembro..O Ministério Público (MP) irá estar na mira da defesa do empresário. Quando pediu a abertura de instrução, Paula Lourenço, a advogada do empresário, arrasou a investigação ao longo de um requerimento de mais de 251 páginas em que são classificados de "ilegais" os métodos usados pela equipa do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP)..Santos Silva pode "transformar-se" no arguido mais temido pelo Ministério Público tendo em conta que é aquele que invoca mais nulidades. Vai alegar que a prova obtida durante a averiguação preventiva é nula por intromissão na sua vida privada, falta de controlo do Ministério Público e pedirá a não exportação de toda a prova para a fase de inquérito..A audição de algumas das testemunhas arroladas pela defesa de José Sócrates - os ex-ministros socialistas Mário Lino, Maria de Lurdes Rodrigues e António Mendonça - foi adiada para o início de dezembro. Estas inquirições e o interrogatório ao empresário Carlos Santos Silva são as últimas diligências marcadas antes do debate instrutório, que está indicado para 27 de janeiro..A mais recente sessão foi a 4 de novembro, uma semana depois de o antigo primeiro-ministro começar a ser ouvido pelo juiz Ivo Rosa. O interrogatório durou quase seis horas e José Sócrates foi questionado precisamente sobre a relação com Carlos Santos Silva. O MP acusa-o de ter recebido dinheiro do amigo a troco de benefícios para o Grupo Lena. Segundo a Lusa, o antigo governante defendeu o seu amigo e também arguido na Operação Marquês, dizendo que ele é "honestíssimo"..Carlos Santos Silva foi constituído arguido a 20 de novembro de 2014. Chegou a ficar em prisão preventiva, uma medida de coação alterada para prisão domiciliária com recurso a meios de vigilância eletrónica em maio de 2015 - cinco meses depois a medida foi revogada pelo próprio MP..A equipa do Ministério Público acredita que Carlos Santos Silva - que nunca escondeu ser amigo de Sócrates e que lhe foi emprestando dinheiro e pago despesas - movimentou milhões de euros em contas que na realidade pertenceriam ao antigo governante. A acusação diz também que Santos Silva beneficiou nos seus negócios da influência de Sócrates entre março de 2005 e junho 2011..De que crimes está acusado?.Empresário, assessor do Grupo Lena e amigo de infância de José Sócrates, Carlos Santos Silva está acusado de 33 crimes: um de corrupção passiva de titular de cargo político, um de corrupção ativa de titular de cargo político, 17 de branqueamento de capitais, dez de falsificação de documento, um de fraude fiscal e três de fraude fiscal qualificada..Segundo o Ministério Público, o Grupo Lena obteve benefícios comerciais devido à influência de José Sócrates como primeiro-ministro. Carlos Santos Silva, diz a acusação, "interveio como intermediário de José Sócrates em todos os contactos com o referido grupo". O empresário disponibilizou "sociedades por si detidas" para receber quantias destinadas a Sócrates..Recorde-se que José Sócrates é acusado de ter acumulado 24 milhões de euros, depositados numa conta da Suíça entre 2006 e 2009, com origem nos grupos Lena, Espírito Santos e Vale de Lobo. O dinheiro era movimentado através de contas bancárias controladas por José Pinto de Sousa (primo do ex-primeiro-ministro) e, mais tarde, através de contas tituladas por Carlos Santos Silva ("neste caso, com prévia passagem por contas de Joaquim Barroca", ex-administrador executivo do Grupo Lena, lê-se na acusação)..Santos Silva transferiu o dinheiro para Portugal, "através de uma pretensa adesão ao RERT II" [Regime Extraordinário de Regularização Tributária], que visava "a sua posterior colocação em contas por si tituladas mas para utilização no interesse de José Sócrates"..O que vai alegar a defesa de Carlos Santos Silva?.Reduzir a cinzas a investigação para assim deixar cair a acusação e não haver hipótese de o processo chegar a julgamento. Esta é a estratégia dos advogados de José Sócrates, mas também do seu amigo de infância Carlos Santos Silva. Paula Lourenço é a advogada de defesa do empresário e alega que a investigação material dos factos foi feita na fase de prevenção - do alegado branqueamento de capitais - e não na fase de inquérito, como exige a lei..A defesa fala num processo viciado, alega que o fundamento para abertura do inquérito é falso, que a acusação não tem sustentabilidade e pede a anulação do caso..São estes os fundamentos apresentados por Carlos Santos Silva nesta fase, em que será feita uma pré-avaliação do caso para perceber se há mesmo elementos para ir a julgamento.."O Ministério Público (...) tinha a obrigação de encerrar as ações de prevenção em curso e de abrir inquéritos-crime, desenvolvendo nesta sede as diligências que entendesse oportunas à investigação dos ilícitos em causa", lê-se no documento..Violação das regras de recolha de prova, ausência de acesso à totalidade das diligências feitas no âmbito dos processos administrativos relacionados com o branqueamento de capitais, são alguns dos erros encontrados por Paula Lourenço e que podem ferir a investigação de legalidade. Numa das páginas do requerimento de abertura de instrução a defesa aponta que Carlos Santos Silva descobriu, apenas nos autos, ter sido investigado "durante mais de uma década em processos administrativos que devassaram por completo a sua vida pessoal, societária e financeira, fazendo tábua rasa das exigências legais prescritas no Código de Processo Penal para a derrogação do sigilo fiscal e bancário"..A estratégia de Carlos Santos Silva está, essencialmente, baseada nesta tentativa de contrariar as ilações retiradas pelo MP na sequência de movimentações de dinheiro comunicadas pela Caixa Geral de Depósitos ao abrigo da lei de combate ao branqueamento de capitais:.- Transferência em fevereiro de 2012 de 600 mil euros de uma conta de que era titular no Banco Espírito Santo para uma conta da sociedade liderada pelo atual presidente da Belenenses SAD, Rui Pedro Soares, na CGD, mas em que o dinheiro acabou por dar entrada nas Sociedades Anónimas para o Futebol do Belenenses e do Beira-Mar..- Comunicação à Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária da transferência de cerca de 520 mil euros de uma conta em nome de Maria Adelaide Monteiro, mãe de José Sócrates, para outra em nome deste. Dinheiro que teria sido pago por Carlos Santos Silva na sequência da compra de várias casas que Maria Adelaide Monteiro teria herdado..A defesa do empresário diz que os processos de averiguação a que estas comunicações deram origem serviram para obter documentos e informações financeiras por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e que depois tudo isso culminou em suspeitas de âmbito criminal sem qualquer supervisão do MP..Alega ainda a nulidade da forma como foram obtidos os documentos relacionados com o pedido de Carlos Santos Silva para integrar o Regime Extraordinário de Regularização Tributária ao abrigo do qual repatriou os cerca de 20 milhões de euros que tinha numa conta num banco na Suíça, tal como a autorização que a investigação teve para efetuar escutas telefónicas e a migração de provas que foram recolhidas pela investigação no processo Monte Branco para a Operação Marquês..Aliás, a defesa de Carlos Santos Silva chega a frisar que além de ter percebido - ao consultar a acusação - que o empresário estava a ser vigiado desde 2005, o que sempre esteve em causa não era "averiguar o crime de fraude fiscal qualificada eventualmente praticado por Carlos Santos Silva, mas sim ter legitimidade para a investigação a José Sócrates"..Após o pedido de instrução de Carlos Santos Silva, o juiz decidiu solicitar ao processo Monte Branco a junção aos autos da Operação Marquês de todas as informações dos órgãos de polícia criminal, as promoções do MP e todas as autorizações judiciais relativas a interceções telefónicas que diretamente se refiram ao empresário, o interrogatório dos inspetores tributários Luís Flora e Paulo Silva e o relatório da inspeção aos serviços do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) realizado entre setembro de 2013 e março de 2014..A que pena pode ser condenado?.No caso de Carlos Santos Silva as penas de prisão previstas no Código de Processo Penal variam entre o mínimo de seis meses (branqueamento de capitais) até um máximo de 12 anos (referindo-se também ao crime de branqueamento). No caso de ir a julgamento e ser condenado por falsificação de documentos, pode incorrer numa pena até três anos de prisão, pela alegada fraude fiscal pode ser punido com multa até 360 dias ou pena de prisão até três anos. Quanto à acusação de corrupção passiva e ativa de titular de cargo político, a pena prevista varia entre um e oito anos de prisão..O que disse Sócrates a Ivo Rosa sobre o amigo?.Perante o juiz de instrução, Sócrates insistiu sempre na tese que defende desde o início do processo: o amigo de infância ajudou-o quando passou por dificuldades financeiras após a saída do governo. Uma ajuda na forma de empréstimos - que disse pretender pagar e que até já tinha começado a pagar. As entregas em numerário, que tinham como intermediário o motorista João Perna, só começaram "no verão de 2013". Sócrates negou ter sido beneficiário de transferências anteriores entre Joaquim Barroca, Ricardo Salgado, Helder Bataglia e Santos Silva..Sócrates disse a Ivo Rosa que Santos Silva lhe emprestou um total de 567 mil euros, dos quais já pagou 250 mil. Estas contas incluem entregas em dinheiro vivo, o pagamento de despesas com a casa de Paris e até o pagamento de um funeral..As entregas em dinheiro vivo, segundo o antigo primeiro-ministro, foram ideia de Santos Silva, e Sócrates só terá concordado porque as transferências bancárias poderiam dar a ideia de que trabalhava para o amigo, o que não queria que acontecesse..Em tribunal, defendeu o amigo dizendo que ele é "honestíssimo", segundo fonte ligada ao processo citada pela Lusa. .O juiz Ivo Rosa questionou, durante quase seis horas de interrogatório, o antigo primeiro-ministro sobre a sua relação com Carlos Santos Silva, de quem Sócrates recebeu dinheiro, segundo a acusação, a troco de benefícios para o Grupo Lena..A construção de 50 mil casas na Venezuela, quando Hugo Chávez governava o país, pelo Grupo Lena, segundo a acusação a troco de benefícios financeiros de vários milhões para Sócrates, foi outro dos temas tratados a 4 de novembro, de acordo com fontes que acompanham o processo, tendo, mais uma vez, o ex-governante negado tudo e até exibido um documento elaborado pelo seu gabinete, na altura, que funcionaria como um guião sobre os assuntos a tratar com o chefe de Estado venezuelano e no qual não constava o grupo empresarial da zona de Leiria..A acusação do Ministério Público considera que Sócrates terá recebido do Grupo Lena, através do seu ex-administrador Joaquim Barroca, também arguido, luvas de mais de 2,8 milhões de euros e que globalmente foi subornado com seis milhões de euros para favorecer o grupo em vários negócios, com especial incidência na Venezuela..O antigo primeiro-ministro disse também ao juiz que desconhecia os negócios da XLM - Sociedade de Estudos e Projetos, empresa de Carlos Santos Silva, que também é arguida no processo e para a qual a sua ex-mulher alegadamente trabalhou, indicaram as fontes..Para a acusação, Sofia Fava beneficiou de transferências de dinheiro do ex-marido não declaradas às autoridades tributárias e de Carlos Santos Silva que utilizou para pagar o Monte das Margaridas, verba que lhe foi dada após a simulação de uma relação de trabalho com empresas lideradas por este último, tais como a XLM - Sociedade de Estudos e Projetos, Lda..O debate instrutório da Operação Marquês irá decorrer entre 27 e 31 de janeiro de 2020, no Campus de Justiça. O processo que tem o antigo primeiro-ministro como figura central envolve 28 arguidos, entre os quais 19 pessoas singulares e nove empresas. .Quem falta ser ouvido?.Ivo Rosa reservou o dia 2 de dezembro para a audição do antigo ministro das Obras Públicas Mário Lino, que terá início às 14.00. Uma hora e meia depois está marcada a audição de Raul Vilaça e Moura, que foi presidente do júri do concurso das PPP da RAVE (Rede Ferroviária de Alta Velocidade) do troço Poceirão/Caia..Outro ex-ministro das Obras Públicas, António Mendonça, e Maria de Lurdes Rodrigues vão ser ouvidos no dia seguinte, 3 de dezembro. José Sócrates pediu para que a antiga ministra fosse ouvida nesta fase processual alegando que chefiava a pasta da Educação na altura do projeto Parque Escolar e que tem conhecimento dos factos relacionados com as obras adjudicadas..Como tudo começou? O dia zero da Operação Marquês.A Caixa Geral de Depósitos (CGD) comunicou ao Ministério Público, em abril de 2013, a suspeita de que José Sócrates poderia ter utilizado "um esquema" segundo o qual "recebeu de forma indireta" mais de meio milhão de euros. A notícia foi avançada em janeiro deste ano pelo semanário Expresso e contava que o caso antecedeu o início da investigação oficial, em julho de 2013, relacionada com os crimes de corrupção, em que o ex-primeiro-ministro é a principal figura, e manteve-se "em segredo absoluto, longe do olhar dos arguidos e advogados", já depois de ter sido terminada, em outubro de 2017..As versões dos dois processos administrativos, feitos no âmbito da lei de prevenção de branqueamento de capitais, e antes de haver autos, "revelam que foi a CGD que denunciou [José] Sócrates em abril de 2013, expondo logo ali um esquema em que o ex-primeiro-ministro recebeu de forma indireta, através da mãe, mais de meio milhão de euros de um empresário da construção civil e obras públicas, Carlos Santos Silva"..A informação da CGD "foi além do mero reporte de uma transação suspeita e continha já a base do que veio a tornar-se a Operação Marquês", em que, além do ex-líder socialista, são arguidas 18 outras pessoas e estão arroladas 44 testemunhas..Em 2014, em 23 de novembro, o Diário de Notícias já tinha noticiado que tinha sido uma comunicação da CGD ao Ministério Público a alertar para a transferência de milhares de euros para a conta bancária do ex-primeiro-ministro José Sócrates que levou à sua detenção..Lista dos 28 arguidos:.- José Sócrates (ex-primeiro-ministro): corrupção passiva de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada..- Carlos Santos Silva (empresário): corrupção passiva de titular de cargo político, corrupção ativa de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documento, fraude fiscal e fraude fiscal qualificada..- Joaquim Barroca (ex-administrador do Grupo Lena): corrupção ativa de titular de cargo político, corrupção ativa, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada..- Ricardo Salgado (ex-presidente do BES): corrupção ativa de titular de cargo político, corrupção ativa, branqueamento de capitais, abuso de confiança, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada..- Zeinal Bava (ex-presidente executivo da PT): corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada..- Henrique Granadeiro (ex-gestor da PT): corrupção passiva, branqueamento de capitais, peculato, abuso de confiança e fraude fiscal qualificada..- Armando Vara (ex-ministro e antigo administrador da CGD): corrupção passiva de titular de cargo político, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada..- Helder Bataglia (empresário): branqueamento de capitais, falsificação de documento, abuso de confiança e fiscal qualificada..- Rui Horta e Costa (ex-administrador de Vale do Lobo): corrupção ativa de titular de cargo político, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada..- Bárbara Vara (filha de Armando Vara): branqueamento de capitais..- José Diogo Gaspar Ferreira (ex-diretor executivo do empreendimento Vale de Lobo): corrupção ativa de titular de cargo político, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada..- José Paulo Pinto de Sousa (primo de José Sócrates): branqueamento de capitais..- Gonçalo Trindade Ferreira (advogado): branqueamento de capitais e falsificação de documento..- Inês Pontes do Rosário (mulher de Carlos Santos Silva): branqueamento de capitais..- João Perna (ex-motorista de Sócrates): branqueamento de capitais e detenção de arma proibida..- Sofia Fava (ex-mulher de Sócrates): branqueamento de capitais e falsificação de documento..- Luís Ferreira da Silva Marques (funcionário da Infraestruturas de Portugal): corrupção passiva e branqueamento de capitais..- José Ribeiro dos Santos (funcionário da Infraestruturas de Portugal): corrupção ativa e branqueamento de capitais..- Rui Mão de Ferro (sócio administrador e gerente de diversas empresas): branqueamento de capitais e falsificação de documento..- Lena Engenharia e Construções, S.A.: corrupção ativa, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada..- Lena Engenharia e Construção, SGPS: corrupção ativa e branqueamento de capitais..- Lena SGPS: prática de crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais..- XLM - Sociedade de Estudos e Projetos, Lda.: branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada..- RMF - Consulting, Gestão e Consultoria Estratégica, Lda.: branqueamento de capitais.- XMI - Management & Investmenst, S.A.: corrupção ativa e branqueamento de capitais..- Oceano Clube - Empreendimentos Turísticos do Algarve, S.A.: fraude fiscal qualificada..- Vale do Lobo Resort Turístico de Luxo, S.A.: fraude fiscal qualificada..- Pepelan - Consultoria e Gestão, S.A.: fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.