A representante da rainha foi astronauta, fala seis línguas e é soprano

Aos 53 anos, nova governadora-geral promete "trabalho de equipa" em prol de uma educação acessível, da promoção da diversidade e do desporto. Formada em Engenharia, trabalhou na NASA e passou 25 dias no espaço.
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Julie Payette tinha 5 anos quando em 1969 Neil Armstrong se tornou no primeiro homem na Lua, mas soube logo que queria ser como ele. Não foi fácil, mas em 1992 foi uma dos quatro escolhidos entre 5330 candidatos para integrar a Agência Espacial Canadiana. Agora, aos 53 anos, esta engenheira de formação, que passou 25 dias no espaço, fala seis línguas, sabe pilotar um avião, toca piano e é soprano de reconhecido talento tornou-se governadora-geral do Canadá - a representante da rainha Isabel II naquele país.

"Vivemos todos na mesma nave espacial planetária", lembrou Julie Payette no discurso de tomada de posse, dia 2 de outubro. Rodeada pelos pais, pelo filho de 14 anos, Laurier (seu principal "conselheiro", que segundo a própria a "autorizou" a aceitar o cargo), pelos irmãos, pelos 400 convidados que levou, bem como por antigos colegas astronautas, ex-primeiros-ministros e outros governadores gerais, Payette prestou juramento no Senado.

Num discurso sem recurso a teleponto ou a notas escritas, a nova representante da rainha Isabel II no Canadá traçou as prioridades para o seu mandato. "Acredito na força do trabalho de equipa, no poder dos sonhos e na necessidade absoluta de ter uma estrutura de apoio", garantiu. E acrescentou: "Qualquer um pode conseguir qualquer coisa e responder ao desafio desde que esteja disposto a trabalhar com os outros, deixar para trás a sua agenda pessoal, alcançar objetivos maiores e fazer o que está certo em nome do bem comum. É exatamente o que espero que o meu mandato como governadora-geral reflita".

No Canadá como nos 14 outros países da Commonwealth que têm Isabel II como monarca, esta nomeia um governador-geral, por sugestão do executivo local, para a agir em seu nome nos deveres constitucionais e de representação. Payette é a quarta mulher a exercer este cargo no Canadá, passando a viver na residência oficial, Rideau Hall, na capital Otava.

Criada em Ahuntsic, um subúrbio de Montreal, no Quebeque, a filha de uma contabilista que trabalhava num teatro e de um engenheiro cedo se destacou na escola, consciente de que se queria seguir os passos daqueles homens que via conquistar o espaço, ia ter de trabalhar muito.

Fluente em francês e inglês, as duas línguas oficiais do Canadá, Julie Payette fala ainda espanhol, italiano, russo e alemão. Com um mestrado em Engenharia Informática tirado na Universidade de Toronto e tese em linguística computacional centrada na inteligência artificial, começou a carreira na IBM Canadá, tendo passado um ano em Zurique ao serviço da mesma empresa, antes de voltar para o Canadá e cumprir o sonho de ser astronauta.

Depois de entrar para a Agência Espacial Canadiana foram sete anos de treino que a prepararam tanto para pilotar um avião como para fazer mergulho - uma tarefa facilitada pelo facto de estarmos a falar de uma atleta experiente, praticante regular de esqui ou corrida. Depois de alguns anos a trabalhar em Houston como especialista em comunicações, em 1999 embarcou no vaivém Discovery com a missão de entregar quatro toneladas de material na Estação Espacial Internacional. Dez anos depois, voltaria ao espaço, desta vez a bordo do Endeavour. Nos anos seguintes continuou a viver nos EUA, onde trabalhou no Woodrow Wilson International Center for Scholars, antes de voltar ao Canadá.

Descrita pelo primeiro-ministro Justin Trudeau como "uma pioneira que inspirou os sonhos de crianças e adultos", Payette sucede como governadora-geral a David Johnston, de 76 anos, fortemente aplaudido no Senado após sete anos no cargo.

Jovem, enérgica, um pouco à imagem do chefe do governo canadiano e dos líderes dos dois principais partidos da oposição - todos com idades entre 38 e 45 anos - Julie Payette pode trazer alguma frescura a um cargo cerimonial. "Acredito que ela vai provocar e criar surpresa", escrevia o jornalista e escritor Andrew Cohen numa análise publicada a 3 de outubro do Ottawa Citizen. Destacando o facto de Payette ter falado de improviso na tomada de posse - apresentando a "união, ambição, compaixão e solidariedade" como temas dominantes do seu mandato, Cohen mostrou-se convicto de que esta "sonhadora" não se vai limitar a "cortar fitas" e "servir chá" aos convidados.

Ela própria, entre uma interpretação de Hallelujah, do recém-falecido Leonard Cohen, e uma salva de 21 tiros de canhão, sublinhou a importância de uma educação acessível, da promoção da diversidade e do desporto. Mas não sem lembrar que "não há soluções mágicas além de trabalhar duro e seguir em frente". E é o que promete fazer.

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