A relação entre diabetes e Parkinson. Fundação Michael J. Fox financia cientistas da Nova

Equipa portuguesa recebeu financiamento de 242 mil euros para estudar relação entre a diabetes tipo 2 e a doença de Parkinson.
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A descoberta de uma relação entre a diabetes tipo 2 e a doença de Parkinson, e o papel da enzima degradadora de insulina e a sua potencialidade para criar um fármaco que ajude a combater esta doença neurodegenerativa, foi a premissa que levou a Fundação Michael J. Fox a atribuir a Hugo Vicente Miranda um financiamento de 242 mil euros para desenvolver este projeto nos próximos dois anos. Esta é a sétima vez que uma equipa portuguesa é distinguida pela instituição criada pelo ator canadiano, a quem foi diagnosticada a doença de Parkinson em 1991, quando tinha apenas 29 anos.
"A reação foi de extrema felicidade, sentimo-nos uns privilegiados. São pouquíssimos os investigadores em Portugal que conseguiram ter este financiamento, que é mesmo extremamente competitivo e difícil de conseguir. E ainda nos entusiasmou mais porque, de certa forma, o nosso projeto foi certificado por uma instituição que premeia a melhor investigação e aquela que é mais promissora para trazer uma resposta terapêutica para a doença de Parkinson. Foi realmente fantástico", conta ao DN Hugo Vicente Miranda, investigador principal da Nova Medical School e coordenador deste projeto.
A investigação arranca já a 1 de janeiro e terá a duração de dois anos, sendo desenvolvida por uma equipa de 12 pessoas. O grupo de Hugo Vicente Miranda, especialista em doença de Parkinson, será o coordenador e contará ainda com a participação de peritos como a investigadora principal Paula Macedo, especialista em diabetes tipo 2, ou a neurocientista Luísa Lopes, do Instituto de Medicina Molecular.
Uma das grandes questões da doença de Parkinson, que atinge cerca de 20 mil pessoas em Portugal, é que a sua origem é muitas vezes desconhecida. "Nós temos algumas mutações que podemos desenvolver e que podem espoletar o desenvolvimento da doença, mas estamos a falar de cerca de 5 a 8% de pessoas que têm uma mutação cuja causa é genética. O que significa que nas outras mais de 90% das pessoas não fazemos ideia porque é que a doença se desenvolvem", explica o também professor auxiliar da Nova Medical School.
Um dos fatores de risco é a diabetes tipo 2, cujos doentes têm um risco acrescido de virem a desenvolver doença de Parkinson. Se falarmos de pessoas mais jovens (entre os 20 e os 25 anos) com diabetes, têm quatro vezes maior risco de desenvolver doença de Parkinson do que alguém sem diabetes.
"Este ano publicámos um artigo que veio consolidar esta associação que existe entre as duas doenças e no qual demonstramos que o excesso de açúcares no cérebro pode vir a alterar proteínas que estão nos nossos neurónios e essa alteração, a que chamamos de glicação, está mesmo a incitar a disfunção dos neurónios. É isso que leva depois a que os neurónios comecem a morrer e, com essa morte dos neurónios, vão começar a desenvolver-se várias manifestações típicas da doença de Parkinson, como a questão dos tremores", refere Hugo Vicente Miranda.
"Outros resultados mais recentes, que estão na premissa deste projeto, estão relacionados com uma enzima em específico e que é bastante conhecida no contexto da diabetes, que é a enzima degradador da insulina", acrescenta.

Esta enzima tem como objetivo degradar a insulina e, ao mesmo tempo, associa-se a uma proteína no organismo - alfa-sinucleína - evitando que esta se agregue e se torne tóxica. Quando este processo não acontece, esta proteína aloja-se no cérebro e, devido à sua toxicidade, consegue começar a destruir neurónios. Como nos diabéticos tipo 2 esta capacidade de degradar a insulina é menor, aumenta a probabilidade de desenvolver a doença de Parkinson.
A identificação de um grupo de risco com potencial mais elevado para contrair a doença de Parkinson pode ajudar também na deteção mais precoce desta doença neurodegenerativa - normalmente, a doença de Parkinson só é detetada quando já ocorreu a morte de cerca de 70% dos neurónios. "Esse é outro dos grandes problemas que temos com esta doença, ainda não temos ferramentas eficazes para percebermos, antes de desenvolver a doença, que vamos estar em risco de a desenvolver. E, portanto, acreditamos que esta medição da enzima degradadora de insulina poderá ter também alguma importância no que diz respeito quer ao diagnóstico da doença de Parkinson, quer ao nível de perceber quais são as pessoas com diabetes tipo 2 e que assim estão mais vulneráveis a vir ter a doença de Parkinson no futuro", declara o académico da Nova Medical School.
Se, ao final dos dois anos, este grupo de investigadores conseguir validar a hipótese de que aumentando no cérebro os níveis da enzima degradadora de insulina os neurónios ficarão mais protegidos contra a toxicidade da proteína alfa-sinucleína, fica aberto o caminho para prevenir o desenvolvimento da doença de Parkinson. "Ao validarmos a nossa hipótese estamos um passo à frente porque já sabemos que temos um novo alvo que podemos modelar. Ou seja, podemos desenvolver um fármaco que vai ativar esta defesa e com isso vamos travar o processo de degeneração dos neurónios, vamos tornar os neurónios sobreviventes mais aptos e impedir que eles morram ao longo do tempo", vaticina este investigador, ressalvando: "Não estou a dizer que ficamos já com um fármaco, mas ficamos já com a via por onde vamos atuar".

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