Com piscinas e instalações desportivas fechadas de vido à pandemia de covid-19, como é o treino dos nadadores em tempos de quarentena? Uns andam a nadar em seco há quatro semanas, casos de Tamila Holub (Sp. Braga) e Alexis Santos (Sporting). Já Diogo Carvalho tem autorização para treinar sozinho no Galitos (Aveiro), mas como a piscina não é aquecida só faz 25 metros por dia, enquanto Gabriel Lopes do Louzan tem nadado seis mil metros..Com 28 anos e na "melhor forma física de sempre", Alexis Santos viu a pandemia adiar a participação nos Jogos Olímpicos (JO) e roubar-lhe horas e horas numa piscina. Como não tem uma em casa, está há quatro semanas a treinar em seco..O nadador do Sporting costumava dividir os treinos entre a piscina no Estádio de Alvalade e a do Complexo do Jamor, mas no atual contexto nenhuma delas era "viável" para ele ir treinar, mesmo sozinho. "Para um nadador, estar dois meses sem estar numa piscina é impensável. Para voltar à forma em que estávamos vai demorar meses, é complicado se a situação se mantiver por mais um mês", admitiu o atleta leonino, lembrando que "nestas últimas semanas a prioridade era mesmo parar o contágio e salvaguardar vidas, não era treinar"..Agora, com os Jogos Olímpicos adiados, também "não há necessidade de andar a arriscar a vida para ir a uma piscina". "Se todas as entidades pedem que fiquemos em casa, quem sou eu para estar a ir para uma piscina numa altura destas", questiona o atleta olímpico, que pondera não ir aos Europeus - foram adiados de maio para agosto.."Desejoso de voltar a ter contacto com água", para já, Alexis treina em casa ou no jardim. "Tenho um plano de preparação física feito pelo meu treinador e tenho feito o trabalho em casa. Também já cheguei a ir a um jardim isolado com uns pesos e uns elásticos para fazer uns exercícios. Agora arranjei uma máquina de remo. O resto é tentar manter os horários mais ou menos certos, não relaxar e manter uma boa alimentação", contou o recordista nacional de 100 metros estilos..A realidade de Tamila Holub é idêntica à de Alexis. A nadadora do Sp. Braga também já não entra numa piscina há quatro semanas. "Tanto tempo sem ir à piscina é uma coisa ridícula. Desde que fui para a natação, aos 6 anos, que não passava tanto tempo sem nadar, e não vejo que a situação mude nos próximos tempos", desabafou ao DN a atleta que nasceu em Cherkasy (Ucrânia) e chegou a Portugal com 3 anos..Tamila sentia-se "em grande forma" e "nunca tinha feito treinos tão bons". Por isso quando fecharam as piscinas e adiaram os JO foi como se lhe tivessem "espetado uma faca no peito". "Eu sou um ser aquático e preciso de água para viver, sem piscina não sou feliz, mas tendo em conta que os Europeus e os JO foram adiados, entendo que não há necessidade de arriscar a vida para treinar.".A nadadora do Sp. Baga tem um plano de trabalho que passa pelo treino online estipulado pelo preparador físico, mas sente que não é suficiente: "Eu estou habituada a estar cinco horas dentro de água por dia e a fazer uma hora de ginásio e por isso sinto falta de mais treino." Para tentar equilibrar a carga energética faz uma hora ou hora e meia de core ou zumba de manhã, e à tarde tenta andar um pouco de bicicleta ou correr na passadeira que tem em casa..Mas tudo isso sabe a pouco a uma nadadora com ambições olímpicas, que abdicou de "muita coisa" para se preparar para os JO. Estava a estudar e a treinar na Carolina do Norte, nos EUA, e decidiu interromper os estudos para se dedicar ao treino a 100% assim que garantiu os mínimos para Tóquio. "No Rio 2016 eu estava no 11.o ano e custou-me como nunca. Foi muita carga horária na escola e muita carga horária na piscina, com sorte consegui os mínimos e participei nos Jogos, mas desta vez não queria apenas participar, queria e quero mais. Sabia que para isso precisava de me dedicar a 100% ao treino, estar o dia inteiro na piscina ou no ginásio, sem a pressão de estar a estudar e ter tempo para descansar física e psicologicamente", revelou ao DN, angustiada por ter de voltar a decidir se arrisca a sua educação mais um ano por causa da natação..Para uma aluna de um curso de pré-Medicina, o coronavírus acaba por ser "algo fascinante em termos científicos". Por isso tem lido livros sobre pandemias durante o isolamento. É que, além de "ser curiosa e sedenta de informação", precisa de estar preparada para as perguntas da irmã de 8 anos, que agora "decidiu que tem um dom para tocar flauta" e Tamila teme "ficar surda ou louca"..Piscina com água gelada atrapalha.O cenário de Diogo Carvalho é diferente. O Galitos (clube de Aveiro) possibilitou-lhe a oportunidade de treinar desde que fechou as portas no dia 14 de março."Tenho acesso às instalações do clube, onde tenho um ginásio e piscina. Tenho a chave, vou sozinho e faço o meu treino, desinfeto-me e regresso a casa outra vez sozinho", revelou ao DN. Mas apesar de ter acesso à piscina, quase não a usa. Não porque não queira ou não seja tentador dar umas braçadas, mas como "as máquinas que a aquecem estão desligadas, a água está gelada (10 graus) e não permite o treino". Aquecer a piscina custa muito dinheiro em eletricidade e o clube não tem como suportar essa despesa. Por isso só no final de cada sessão física é que Diogo se atreve a fazer uns sprints de 25 metros "para manter a sensibilidade da água". O que é "muito diferente dos 14 mil metros por dia" que devia estar a fazer..O atleta olímpico tem consciência de que é "um privilegiado" e faz tudo para cumprir as regras e manter rotinas. Depois de se levantar e tomar o pequeno-almoço faz exercício de flexibilidade. Depois almoça e relaxa. Gosta de ver séries, filmes e ler livros de história. Anda fascinado com a II Guerra Mundial e o Holocausto. Ao final da tarde vai ao ginásio e à piscina. Estar fora de água e treinar sozinho "é bastante complicado" em termos motivacionais, pois é um "atleta que gosta de treinar e da competição"..Ainda sem lugar garantido em Tóquio 2021, o nadador diz que o adiamento "é um pau de dois bicos". Pois, "apesar de ter mais tempo para se qualificar e preparar", sente "o corpo com menos capacidade para treinar". Afinal, já tem 32 anos e preocupa-o que os próximos Jogos se realizem num "contexto de injustiça", em que nem todos os atletas têm as mesmas condições para se preparar..No caso de Gabriel Lopes a realidade da quarentena não tem sido muito diferente do que era antes. E até tem feito seis quilómetros por dia na piscina. A Câmara Municipal da Lousã cedeu as instalações aos três nadadores internacionais do Louzan."Faço um treino de água por dia de segunda a sábado, e depois trabalho de força e cárdio fora da piscina", contou ao DN, revelando que numa "situação normal" faria 10 a 12 treinos por semana em vez dos seis atuais..Gabriel começa o dia na piscina, depois à tarde varia entre o trabalho de ginásio puro ou trabalho de cárdio, bicicleta, remo, além de circuitos de core e mobilidade já em casa. Depois, nos tempos livres, joga no computador ou lê livros de ficção científica..Apesar de ter uma piscina para treinar, Gabriel admite que as "circunstâncias de viver em quarentena e ter limitações" interferem com o lado motivacional. "Estar a trabalhar com um objetivo concreto é diferente de não saber com o que contar, como é o caso. A motivação passa um pouco por tentar manter rotinas, por nos lembrarmos de que as competições não foram canceladas mas sim adiadas. Portanto, o nosso trabalho nunca é perdido", afirmou o nadador do Louzan, "consciente de que há muitos atletas sem acesso a piscinas e em piores condições"..Gabriel vive "em função da natação". E foi uma lufada de ar fresco na modalidade nos nacionais de 2019, quando deu luta a Alexis Santos e ainda bateu o recorde nacional nos 200 metros estilos, garantindo mínimos para os Jogos Olímpicos. Estava "entusiasmado" com a estreia. Agora vai ter de gerir a ansiedade durante mais um ano, se bem que isso não seja um problema: "Eu lido bem com a pressão emocional, mas a verdade é que nunca estive nuns Jogos Olímpicos...".As realidades dos quatro nadadores são explicadas pelo selecionador nacional, José Machado, com a disponibilidade (ou não) das entidades gestoras das instalações desportivas. Segundo o dirigente, a federação tentou arranjar "condições idênticas para os oito nadadores que estavam no Programa Olímpico, mas não foi possível encontrar instalações nos centros maiores, como Lisboa, já nos sítios mais pequenos e com instalações municipais foi mais fácil encontrar soluções, garantindo que os atletas treinassem sozinhos". Agora, o Comité Olímpico de Portugal e a Federação de Natação andam a tentar encontrar uma solução "para os nadadores voltarem a ter contacto com a água" já em maio e sem interromperem o treino até ao verão de 2021, "para que as expectativas para os Jogos não sejam comprometidas".