A raiva contra o medo
Num discurso recente de Barack Obama, proferido no Ohio em defesa de Hillary Clinton, o ainda presidente dos EUA repetia, com a sua voz firme e galvanizadora: "Escolham a esperança." Infelizmente, o que falta em absoluto nesta campanha é a esperança. Sobretudo, a que abundava em 2008 em torno da figura do próprio Obama. A esperança é um sentimento que implica uma mistura, mais ou menos subtil, de paixão e de razão. Nesta campanha eleitoral, o império turbulento das paixões varreu quase completamente a razão do terreno do debate político. A luta entre Hillary e Trump transformou-se cada vez mais no combate entre o medo e a raiva. Relativamente respeitada na Europa, Hillary tornou-se nos EUA uma figura que até os seus apoiantes se limitam a suportar, como única defesa contra o medo que qualquer pessoa sensata deveria sentir perante a perspetiva de Trump poder ganhar as eleições na próxima semana. Hillary carrega demasiado passado, ligações perigosas, decisões enigmáticas (o caso dos e-mails). Ela transformou-se no rosto do "sistema", dessa rede tortuosa entre Washington e Wall Street, que depois de décadas de desigualdade crescente tornou-se o alvo da raiva amarga e difusa de milhões de velhos e novos eleitores, que se erguem a partir das margens. Trump conseguiu transformar esta campanha num vasto reality show, território onde ele é rei, encostando Hillary, não sem a ajuda do FBI, às cordas do ringue. Trump é o mago da manipulação da raiva. Hillary, só pode contar com o medo como seu aliado. O problema é que o medo desmotiva e paralisa. Pelo contrário, a raiva é servida com uma variante maligna de entusiasmo, que pode mobilizar novos eleitores. Se a raiva vencer o medo, não será Hillary a ter um problema. Seremos todos nós.