São inúmeras as fotografias da rainha de bicicleta em Haia ou em Amesterdão, mas ainda mais memorável é a forma como incentivou à resistência aos ocupantes alemães nazis a partir do exílio na Grã-Bretanha e no Canadá. A rádio era a sua arma, através da qual chamava a Hitler "o pior inimigo da humanidade".."Quando a rainha Guilhermina faleceu, em 1962, já eu vivia na Holanda há tempo suficiente para me dar conta da sua popularidade, devida sobretudo à sua atitude durante os anos da Guerra Mundial, mas também pela discreta atuação política nos anos seguintes, o que requeria dela qualidades diplomáticas para conciliar os vários interesses e, sobretudo, atender às exigências do povo no período de reconstrução", conta José Rentes de Carvalho, escritor português que fez dos Países Baixos (é esse o nome oficial do país) a sua pátria adotiva..Guilhermina tinha abdicado em 1948 para a filha Juliana quando sentiu que a idade lhe tirava forças para lidar com os grandes desafios do pós-guerra, como o fim do império colonial. Nunca deixou, porém, de animar a população em tempos difíceis, como nas grandes inundações de 1953, percorrendo o país..Explica o autor de livros como Entre os Holandeses que Guilhermina não introduziu no país o gosto pelo pedalar, apenas aderiu a ele, como o povo: "Por volta de 1910, a Holanda era o país do mundo onde havia mais bicicletas e se tinha generalizado o seu uso, facilitado pela geografia plana. O facto de a rainha Guilhermina também a utilizar significava apenas uma preferência pessoal e um comportamento democrático.".Nascida em 1880, Guilhermina tinha 10 anos quando o pai, Guilherme III, morreu. Até atingir a maioridade, a regência foi assegurada pela mãe, a rainha Ema. Fundada no século XVI, a Casa de Nassau-Orange iniciava então uma nova era: mais de um século consecutivo de rainhas. Só em 2013, a Holanda voltou a ter um rei: Guilherme Alexandre. A tradição de abdicação voltou a cumprir-se uma vez mais quando a rainha Beatriz, neta de Guilhermina, decidiu confiar a coroa ao filho, de forma a rejuvenescer a chefia do Estado.."A família real continua popular, mas não se pode permitir atitudes que os políticos de alguns países republicanos se permitem. Um exemplo deu-se quando, aliás com o conhecimento do governo, a família real voou de férias para a Grécia, esquecendo a pandemia de que são tantos a sofrer as consequências. A reação popular foi de tal modo negativa e imediata que, poucas horas depois de ter chegado à Grécia, a família real foi obrigada a regressar, numa interessante demonstração de que em certos países de regime monárquico a democracia é uma realidade e o povo é quem mais ordena", sublinha Rentes de Carvalho..Antigo embaixador de Portugal em Haia, e estudioso da história holandesa, José de Bouza Serrano descreve Guilhermina como "uma combatente. Uma rainha muito popular. A partir do exílio em Inglaterra e no Canadá, quando os nazis ocupavam a Holanda, falava pela rádio para manter o espírito de resistência, pois foram tempos muito duros.".Destaca o diplomata que com Guilhermina se iniciou "um século de rainhas, e isso teve impacto na sociedade holandesa, pois as mulheres identificaram-se sempre com as soberanas, primeiro Guilhermina, depois Juliana e a seguir Beatriz. Aliás, agora têm um rei, Guilherme Alexandre, mas um dia voltarão a ter uma rainha, pois a princesa Catarina Amália é a herdeira do trono". Acrescenta o embaixador Bouza Serrano que "a própria Máxima, apesar de estrangeira e de ser rainha consorte, também consegue ser muito popular. Encarna a ideia de mulher moderna e as holandesas identificam-se com ela. Ser argentina e falar holandês ao ponto de já fazer piadas também ajuda a ser muito bem-vista"..O autor do livro As Famílias Reais dos Nossos Dias nota ainda que a Holanda é um caso especial na história da Europa, pois começou como república e tornou-se uma monarquia, embora sempre com os Nassau-Orange no poder. E embora riquíssimos, "sempre souberam estar nas boas graças de um povo calvinista, austero por natureza"..A ascensão ao trono de Guilhermina, a rainha que adorava andar de bicicleta, teve, porém, uma consequência nefasta para o ramo principal dos Nassau-Orange: os monarcas holandeses deixaram em 1898 de ser grão-duques do Luxemburgo, pois aí imperava então a lei sálica e o título teve de ser atribuído a um primo da rainha dos Países Baixos. A lei holandesa, adaptada no início do reinado de Guilhermina, garante que a Casa de Nassau-Orange se mantém mesmo por via feminina..O casamento de Guilhermina com um príncipe alemão, Henrique, terá sido infeliz, mas ajudou a que a Holanda se mantivesse neutral na Primeira Guerra Mundial. Quando a Segunda Guerra começou, a soberana era já viúva e o casal tivera apenas uma filha..Nos catorze anos que passaram entre a abdicação e a morte, Guilhermina escreveu uma autobiografia: Eenzaam, maar niet alleen ("Solitária, mas não sozinha").