Os primeiros dois volumes de O Árabe do Futuro venderam mais de um milhão de exemplares. Há dezenas de traduções, incluindo no Japão, Coreia ou Estados Unidos. E não só se tornou uma história seguida universalmente, tem também recebido o reconhecimento da crítica, com vários prémios. Em 2016, Guillaume Allary, o editor de Riad Sattouf, explicou à Télérama que o artista gráfico (e argumentista e realizador de cinema) antes de desenhar ou escrever conta-lhe "cada cena, cada prancha, mimetizando as personagens e imitando a voz"..Ao DN, há quatro anos, previu que iria contar a sua história em cinco volumes. Notícias recentes indicam que haverá seis volumes. A sua memória revelou-se ainda mais prodigiosa ou a editora encorajou-o a desenvolver a história?.O volume 4 de O Árabe do Futuro ficou muito maior do que os outros. Não tenho qualquer controlo sobre isso. Quanto mais os anos passam e mais tenho a sensação de que os livros têm uma espécie de vida própria, aparecem e cabe-me a mim tomar conta deles... Sinto-me um pouco como um estalajadeiro à beira de uma floresta, os livros seriam visitantes noturnos sentados à mesa e ouço a história que eles têm para contar. Tudo isto para dizer que se eu souber para onde vai a minha história, deixo-a desenrolar-se como ela quer! Mas acredito que haverá seis volumes. O quarto volume representa uma rutura em relação aos anteriores, não tanto na forma como narra as suas memórias mas na relação dos seus pais, no crescente radicalismo do seu pai e nas suas experiências de perda de inocência. Foi o volume que exigiu mais trabalho? A história deste volume é, de certa forma, o buraco negro em torno do qual gira toda a série. Era mais complicado de fazer e o mais longo também. Tive de aproveitar o meu impulso dos três primeiros volumes para ultrapassar este..CitaçãocitacaoA história deste volume é o buraco negro em torno do qual gira toda a série..Olhando para esta fase da vida, entre a Bretanha e Ter Maaleh [Síria], e colocando-a na balança, foi feliz ou infeliz? O que o fez sofrer mais, as suas dificuldades de relacionamento com o sexo oposto ou a frustração e o sofrimento da sua mãe? Uma criança não se apercebe. Eu não estava especialmente infeliz ou feliz, apenas pensava que era a vida normal. Olhando para trás, penso que tive muita sorte porque vi coisas, experimentei situações que poucas pessoas experimentaram. Tive a sensação muito cedo de que vi mais coisas do que muitos dos meus companheiros franceses, por exemplo. Era uma força mas também um vetor de solidão, talvez..Disse uma vez que entre a França e a Síria escolheu a pátria do desenho. Além da questão da pertença, também serviu para poupar em sessões de psicanálise? Quando eu era criança e a minha família tinha todos estes problemas, costumava sonhar observando a vida dos autores. Não havia nenhum autor, nenhum artista na família. Era extremo, exótico e estrangeiro! Adorava saber, por exemplo, que o artista Moebius [Jean Giraud] passava a noite em claro para terminar as suas páginas, adorava saber que Saint-Exupéry escreveu os seus livros num hangar de aviões em Cap Juby, ou que Joseph Kessel deixava de beber álcool e comia carne e tomate grelhados quando escrevia os seus livros. As suas vidas foram os livros. Isto era muito apelativo, eu queria fazer parte desta gente, para quem fazer livros era o centro da existência. Deixar talvez este tipo de determinismo familiar? Ao longo dos últimos anos, apercebi-me de que vivi mais tempo como autor de banda desenhada do que como qualquer outra coisa. Tenho a impressão de que ser um autor é um pouco como unir-se a um continente..CitaçãocitacaoTenho a impressão de que ser um autor é um pouco como unir-se a um continente..O seu pai é uma pessoa torturada pelas contradições entre a educação ocidental, a religião e o pan-arabismo socialista. Mas o que mais impressiona é a sua aparente ingenuidade, o que o levou a ser dispensado da Universidade de Riade. Concorda? Ele não era assim tão ingénuo, era muito rude e inábil e tinha um ego demasiado grande. Ele queria ser um líder mas não tinha a capacidade de o ser de todo. Sentia-se torturado entre o Oriente e o Ocidente, mas também entre a fraqueza e o desejo de poder..O seu pai nasceu e viveu sob uma ditadura árabe e ensinou noutras ditaduras. Sei que não gosta de julgar países que já não conhece, por isso a minha pergunta é outra: como pensa que o seu trabalho seria recebido nos países árabes? Tem esperança nos árabes do futuro? Recebo muitas mensagens entusiásticas do mundo árabe. As pessoas leem o livro em inglês ou francês... obviamente que este tipo de banda desenhada quase não existe lá. Os países árabes são na sua esmagadora maioria países ultranacionalistas. Uma categoria particular de leitores pode identificar-se com esta história: pessoas mestiças como eu, que viveram entre duas culturas! É muito engraçado porque no Brasil conheci um brasileiro-sueco que também se reconheceu nesta história de uma grande divisão... Estou muito esperançado no futuro do mundo árabe. Penso que uma grande revolução social vai acontecer lá..Em termos gráficos, como é desenvolver o trabalho do ponto de vista do observador? Tento fazer banda desenhada que possa ser lida por pessoas que não sabem nada sobre banda desenhada. A minha primeira leitora que imaginei é a minha avó francesa, que não sabia nada sobre banda desenhada e pensava que era para crianças. Estou a tentar fazer um livro de banda desenhada que ela gostaria de ter lido. Os desenhos têm de ser expressivos, com muito texto..CitaçãocitacaoTer uma cor dominante de cada vez ajuda a sublinhar o desenraizamento..E pode explicar de uma forma geral o uso das cores? Desde o início do projeto, impus restrições a mim próprio quanto às cores. Percebi que, entre todas estas viagens, sempre tive uma cor dominante para cada país. Por isso escolhi o amarelo para a Líbia, porque era um país quente e muito ensolarado. Escolhi o azul-claro para a França, porque vivíamos numa pequena aldeia perto da costa. E rosa para a Síria, porque a terra era rosa e vermelha, ferrosa. Também me permiti para cada país as cores da bandeira: é uma história de nacionalismo. Para a França, tenho, portanto, azul e vermelho. Na Líbia, o amarelo e o verde. Na Síria, rosa, vermelho e verde. Ter uma cor dominante de cada vez ajuda a sublinhar o desenraizamento. Se ficar num quarto iluminado a vermelho durante uma hora, por exemplo, e sair, o mundo vai parecer-lhe verde. É biológico, é a forma como o olho funciona. As cores provocam sentimentos e emoções, elas influenciam o corpo. Quando se passa do amarelo da Síria para o azul da França, algo acontece no olho! Há uma viagem..O Árabe do Futuro 4 - Ser Jovem no Médio Oriente (1987-1992) Teorema 280 págs. 23,90 euros