O que têm em comum os genéricos de Mad Men e de Feud, a série centrada na rivalidade entre as atrizes Joan Crawford e Bette Davis? Ambos foram inspirados pela estética dos genéricos cinematográficos de um nova-iorquino chamado Saul Bass. A saber, são sequências que usam a técnica da animação com elementos simbólicos da narrativa que se vai seguir, lançando o tema através de uma elegante e moderna representação pictórica. Podemos referir também, nesta linha, o genérico da série estreada recentemente na HBO, Mrs. America, cujas cores e fluidez musical dos desenhos entram na categoria artística. Mas não foi sempre assim. .O nome do designer gráfico Saul Bass, nascido a 8 de maio de 1920, está ligado a realizadores tão notáveis como Otto Preminger, Alfred Hitchcock ou Martin Scorsese. E, porém, não foram estes que lhe deram a celebridade. O caso é mais ao contrário: eles é que quiseram trabalhar com Bass atraídos pelo seu estilo e reputação... O homem que estudou na Art Students League de Nova Iorque e no Brooklyn College, ingressando desde logo no meio da publicidade, acabou por ir dar a Hollywood onde começou por fazer cartazes de filmes. Em 1953 conheceu Preminger, quando tinha em mãos um cartaz para um filme dele - The Moon Is Blue - e o realizador austríaco parece ter identificado nos desenhos de Bass uma linguagem que pedia a honra do grande ecrã. No ano seguinte, contratou-o não só para o cartaz de Carmen Jones (1954) como acrescentou à fatura a conceção do genérico. .Nascia aqui uma nova arte relativa aos créditos de abertura que, até então algo desvalorizados, se cingiam quase sempre a uma sucessão monótona de cartões com os nomes da equipa técnica antecedida do logótipo de um estúdio. O gesto revolucionário de Bass consistiu em fazer desse momento que precede o filme uma espécie de exercício de aquecimento mental. Nas suas próprias palavras, o genérico podia "definir o estado de espírito e preparar o núcleo subjacente à história do filme, para a expressar de uma maneira metafórica. Vi o genérico como uma forma de condicionar a audiência, para que quando o filme começasse os espectadores já tivessem uma ressonância emocional com ele"..Esta é a filosofia por trás de qualquer genérico contemporâneo, sendo inequivocamente as séries que hoje mais beneficiam dela. Numa altura em que a televisão se insinuava como a grande rival do cinema, Bass aplicou os seus conhecimentos publicitários numa expressão artística decidida a revalorizar um sentido de ritual de preparação fílmica - nas séries, o genérico é também um fator de identidade que estabelece uma correspondência com o espectador (e entre os espectadores de determinada série)..A influência dos desenhos gráficos de Saul Bass na "visualidade" moderna é evidente. Um dos primeiros trabalhos a revelar o seu génio da metáfora é O Homem do Braço de Ouro (1955) de Preminger - cineasta com quem colaborou até ao fim da carreira. No filme, que pegava numa temática ofensiva para a época, Frank Sinatra interpreta um heroinómano que luta contra as recaídas do vício, e deste assunto Bass fez um genérico, bem acompanhado pelas notas de jazz de Elmer Bernstein, no qual surge um braço com forma ziguezagueada que simboliza o desequilíbrio do viciado em drogas. Numa só imagem cabe uma ideia e uma sugestão emocional. O mesmo se aplica a outro Preminger famosíssimo, a obra-prima Anatomia de Um Crime (1959), em que se mostra nos créditos iniciais várias partes recortadas de um corpo, insinuando a tensão de um caso de tribunal que será conduzido por James Stewart..Passaram também pelas mãos de Bass grandes produções como Spartacus (1960), de Stanley Kubrick, e o musical West Side Story(1961). Mas antes destes estão os seus memoráveis trabalhos para Hitchcock em Vertigo (1958), com o genérico do olho que dá lugar a uma espiral hipnótica; Intriga Internacional (1959), com as linhas geométricas que que sublinham a fachada de um edifício enquanto as palavras sobem e descem ao som da música de Bernard Herrmann; e Psico (1960), que joga de imediato com a ideia do "corte" associada ao célebre momento do filme em que Janet Leigh é esfaqueada no chuveiro, com a ajuda de uma intrincada montagem... Aliás, esta que é uma das mais citadas sequências da história do cinema, constituiu-se como um tópico de controvérsia entre Saul Bass e Hitchcock à volta da autoria da façanha: a pedido do realizador, o primeiro concebeu um storyboard da sequência idealizando todos os cortes, e Hitchcock concentrou-se em dirigir Leigh dentro dessa meticulosa construção do terror. Há mesmo um debate entre historiadores que defendem o maior crédito de Bass, e outros de Hitchcock, mas parece ser claro que as decisões artísticas de ambos estão no ADN da cena. .Entre as últimas colaborações de Bass saltam à vista as que teve com Martin Scorsese. Ele, um grande admirador da obra do designer gráfico no cinema, fez questão de realçar o seu legado na "redefinição da linguagem visual das sequências de abertura", considerando-as autênticos "prólogos" dos filmes. E basta ver o que Bass, juntamente com a mulher, Elaine, fez com os genéricos de Tudo Bons Rapazes (1990), O Cabo do Medo (1991) e Casino (1995), este com a virtuosa explosão de um carro, o corpo de Robert De Niro que se projeta na tela e a dinâmica das luzes de Las Vegas. Foi o seu derradeiro trabalho..A arte de Saul Bass tem tudo que ver com a imagem de marca de um estilo minimalista capaz de resumir a complexidade de um filme e lançar o tom. Embora esse estilo seja único, a sua inovação conceptual - o propósito do envolvimento do espectador - é a lei do genérico contemporâneo.