"O objetivo da delação premiada é substituir a investigação por confissões"

Luís Menezes Leitão vai tomar posse como 27.º bastonário da Ordem dos Advogados na próxima semana - mas já teceu críticas à proposta de favorecer a delação de arguidos, e ao estado da justiça que, diz, favorece os mais ricos e os indigentes - afastando a classe média, pelos seus custos.
Publicado a
Atualizado a

O presidente do Supremo Tribunal de Justiça diz que não há crise na justiça na abertura do ano judicial. O senhor falou em nuvens negras, no início deste ano judicial. Afinal, a justiça está ou não em crise?
Claro que está em crise. É manifesto que não podemos ter um discurso tão otimista quanto esse porque continuam a existir muitíssimos problemas na justiça. Devo dizer, aliás, que o senhor presidente do Supremo teve o cuidado de fazer uma nuance relativamente à sua afirmação - ele disse que só podia falar pela situação dos tribunais judiciais e, de facto, a situação nos tribunais judiciais está melhor do que já esteve. Agora, continuamos a ter uma situação muitíssimo séria nos tribunais administrativos, e isso é uma questão que muito me preocupa porque se trata da única defesa que os cidadãos têm contra o arbítrio do Estado. Precisamente por isso, é essencial que os tribunais administrativos e tributários funcionem de forma adequada.

Explicite um pouco essa crise - estamos a falar de prazos ou de outro tipo de funcionamento?
Estamos a falar de prazos, de demoras enormes relativamente à resolução das questões que se colocaram. Por exemplo, houve uma situação em que me envolvi pessoalmente, que foi a taxa de proteção civil inconstitucional que foi lançada em Lisboa e devo dizer que não houve, nos três anos em que ela foi aplicada, uma única decisão de um tribunal administrativo a resolver essa questão. Teve de ser o senhor provedor da Justiça a ir diretamente para o Tribunal Constitucional para que a questão ficasse resolvida. Ora, isto demonstra bem que nós podemos ter situações deste género, que são violadoras dos direitos dos cidadãos, e não termos uma resposta eficaz de um tribunal administrativo. Podemos ter situações em que se leve dez anos a atingir uma sentença. As informações que temos dizem está a levar anos e anos só para termos sentenças de primeira instância, e isso seria muito importante ser resolvido.

Portugal está abaixo da média dos países desenvolvidos da Europa no que diz respeito ao investimento na justiça. Ora, o parlamento está precisamente nestes dias a discutir o Orçamento do Estado para este ano - 2020 - e a grande aposta do governo foi na área da saúde. Será que a justiça precisava quase de um choque orçamental tão grande como o que está a ter a saúde?
Claro que sim. A perspetiva orçamental que tem sido tomada na justiça é, a meu ver, completamente errada, porque se baseia numa ideia de que o Ministério da Justiça quase que deve ser autossustentável através das custas judiciais. Precisamente por isso, temos sempre o discurso de dizer que não há dinheiro para gastar porque as custas judiciais são estas, estão altíssimas, mas não podem ser reduzidas porque senão ficamos sem orçamento. Ora, este é o tipo de discurso que não pode ser feito porque, efetivamente, sendo a justiça uma das funções essenciais do Estado - nós aprendemos nos bancos da universidade que as funções primárias do Estado são assegurar a justiça e a segurança dos cidadãos -, não podemos ter o setor da justiça subfinanciado e numa perspetiva de pouco receber no âmbito do Orçamento do Estado.

Em que medida é que mais dinheiro resolveria os problemas na justiça ou alguns problemas na justiça? Dê-me um exemplo de como um maior financiamento poderia resolver este problema.
Resolve, desde logo, colocando mais juízes nos tribunais, onde eles estão, pelo menos nos tribunais administrativos, em falta. Resolve, desde logo, as condições de funcionamento dos tribunais que continuam a ser péssimas. Estamos a tomar medidas erradas, como por exemplo encerrarmos imensos tribunais. Fizeram-se tantas reversões em medidas que foram tomadas e nessa não. Nós temos um parque judiciário excelente, construído em excelentes condições, que está praticamente abandonado. Afastamos os cidadãos dos tribunais quando temos os tribunais em condições e, de facto, podiam ser muito mais bem aproveitados. Esse parque judiciário existe, não estamos a falar de construir um novo aeroporto... Mas o que verificamos é que se gasta dinheiro, às vezes dezenas e dezenas de milhares de euros, em situações perfeitamente absurdas, como por exemplo pôr uma máquina para registar a entrada das pessoas nos tribunais - nem sei se isso é para ninguém ver as condições em que os tribunais estão a funcionar. Ainda hoje de manhã tive a conclusão de um julgamento no Palácio da Justiça, onde há um elevador que está sem funcionar há meses, temos as casas de banho de vários andares encerradas há anos, e vai-se gastar dezenas de milhares de euros a pôr um sistema de controlo de entradas que ninguém percebe para que é que serve. Portanto, isto mostra bem o estado em que nós estamos a fazer os investimentos no setor da justiça. Estamos a gastar dinheiro em coisas que não têm qualquer interesse e não estamos a dar um parque judiciário adequado e a colocar os tribunais em condições de funcionamento.

Em todo o caso, nenhuma dessas condições de que falou poderia acelerar qualquer tipo de julgamento.
Não, mas pelo menos era uma forma de dar dignidade aos cidadãos que se deslocam ao tribunal. Se nós chegamos a tribunal e vemos uma situação completamente degradada... a produtividade também resulta das condições, porque se damos uma imagem de desleixo e de abandono, as pessoas também se desleixam. Se o próprio Estado não tem o tribunal a funcionar em condições, também não se pode estranhar muito que o próprio tribunal não esteja a funcionar adequadamente. É algo que devia ser resolvido e, a meu ver, o financiamento da justiça deve passar essencialmente pelo Orçamento do Estado.

Acha que a atual ministra tem o peso político para o fazer? Que avaliação faz do seu trabalho à frente do Ministério da Justiça?
Eu conheço pessoalmente a senhora ministra da Justiça, tenho muita consideração por ela. Tenho notado, no entanto, que há situações que não são apenas promessas, são situações que constam da lei, e que me preocupam. Por exemplo, a Lei 40/2018 determinou a atualização das remunerações no apoio judiciário, proposta pelo PCP e aprovada pelo parlamento, e que determina que as remunerações no apoio judiciário são atualizadas todos os anos até 31 de dezembro e que o governo tem de emitir uma portaria. Nós vimos passar 31 de dezembro de 2018 e 31 de dezembro de 2019 sem sair nenhuma portaria -, portanto, o que estamos a verificar é que nem sequer são promessas que não se cumprem, são as próprias leis que não se cumprem. Isso parece-me de uma extrema gravidade. Ao parlamento compete fiscalizar a atuação do governo. Se eu fosse deputado no parlamento, perguntaria logo porque é que o governo não está a cumprir uma lei que o parlamento emitiu. Isto também gera, relativamente à justiça, uma situação de grande desconforto em relação aos profissionais. Parece-me que o governo devia ser o primeiro a dar o exemplo de cumprir as leis que o parlamento emitiu. Muitos colegas nossos que não veem as suas remunerações atualizadas há 15 anos e são obrigados a praticar preços de há 15 anos. São os únicos profissionais que, neste âmbito, têm este tipo de característica.

É uma desilusão, a ministra da Justiça?
Não vou dizer isso, mas vou dizer o seguinte: eu gostaria que houvesse, de facto, não apenas uma intervenção de apoio aos senhores magistrados. O senhor Presidente da República teve o cuidado de dizer que achava muito bem o aumento dos senhores magistrados. Eu também, porque acho que os senhores magistrados estavam muito mal pagos e trabalham em exclusividade. Mas não pode haver aumentos apenas para alguns dos que trabalham na justiça. O que se verificou é que houve primeiro a indicação do aumento para os magistrados judiciais, depois questionou-se que os magistrados do Ministério Público não podiam ficar de fora e também eles tiveram aumento, e ninguém apareceu a falar da situação dos advogados que não eram aumentados há 15 anos. Temos uma lei que manda atualizar, pelo menos, de acordo com a inflação.

Isso resulta da própria formação, da origem, da ministra da Justiça? Acha que ela é parcial nessas decisões?
Não. Não é pelo facto de a ministra da Justiça ser oriunda do Ministério Público ou ser conselheira do Supremo Tribunal de Justiça. Já tivemos advogados como ministros da Justiça e também não foram nada bons para os advogados. Agora, há de facto um problema que temos de considerar: temos de colocar não apenas os magistrados no âmbito do Ministério da Justiça, mas também os advogados não podem ser esquecidos, e enquanto bastonário será essa a minha preocupação.

Disse que essa situação se prolonga há dois anos. Os anteriores bastonários o que é que fizeram em relação a isso?
Que eu saiba estiveram a discutir uma reforma do acesso ao direito que ainda era, aliás, mais prejudicial porque fazia entrar os solicitadores no sistema do acesso ao direito que, a meu ver, não tem qualquer justificação pois os solicitadores não podem tratar de questões jurídicas - é o próprio Código de Processo Civil que o diz. Eu achei estranho que não se tivesse logo questionado e se tivesse aceitado com tanta facilidade estar a discutir uma tabela em geral e não se estar, pelo menos, a atualizar a remuneração. Sei, segundo me disseram, que a ordem apresentou uma tabela. Eu nunca a vi. Sei que foi rejeitada e que depois se criou um grupo de trabalho. A verdade é que nada disso implica o cumprimento da lei, porque uma coisa é estarmos a discutir uma lei futura, outra coisa é estarmos a aplicar a lei vigente. A lei vigente devia ser aplicada ainda antes de se discutir a lei futura.

Ainda sobre o capítulo do financiamento da justiça: na legislatura anterior ouvimos um ministro da Saúde dizer que "no governo somos todos Centeno". Acha que no caso da justiça se pode aplicar essa frase, na justiça também são todos Centeno?
O que eu posso notar é que o ministro das Finanças tem, de facto, um peso enorme no governo. De tal forma que tivemos um episódio no fim do ano, coisa que me preocupou imenso, porque tivemos a informação - ainda não tomámos posse, como já disseram, portanto não podemos tomar nenhuma medida neste âmbito - vinda de muitos colegas de que não estavam a ser pagas, na altura própria, as suas remunerações que deveriam receber no âmbito do acesso ao direito. Ficámos muito preocupados e disseram-nos que ainda faltava desbloquear uma cativação qualquer que determinaria isso, o que colocou as pessoas praticamente em pânico porque poderiam não ter dinheiro para passar adequadamente o Natal com as suas famílias. Isso demonstra, de facto, que temos efetivamente um controlo muito grande do ministro das Finanças.

Concorda com a prioridade dada ao combate à corrupção ou acha que é mais um daqueles casos em que a justiça irá a reboque dos processos mediáticos de que se fala?
Eu estou de acordo com a prioridade do combate à corrupção. A corrupção é um crime que coloca o Estado de direito ao serviço de interesses particulares quando deve estar ao serviço do interesse público e, precisamente por isso, parece-me que é um crime que deve ser muito sancionado, muito perseguido e gravemente reprimido. Não é isso que está em causa. O que eu salientei relativamente a esta situação, do que se falou sobre este grupo de trabalho que surgiu para...

Foi convidado?
Não, mas ainda não tomei posse, por isso não há nada de estranho aí. Mas o que salientei relativamente a este aspeto foi que me pareceu que estava a haver uma precipitação em fazer uma reforma num Código de Processo Penal - que é estruturante no nosso sistema - apenas com base numa preocupação com um processo. Foi a justificação que deu o senhor primeiro-ministro - fazemos isto porque o processo Madoff foi muito eficaz e o processo BES não tem acusações. Isto preocupou-me porque, no fundo, não apareceu qualquer justificação, apareceram anúncios de medidas que implicam uma grande alteração no nosso Código de Processo Penal. Sei que há muita gente favorável a essas medidas, não ponho isso em causa. Pessoalmente, gostaria que se o nosso Código de Processo Penal estivesse para ser alterado o fosse de uma forma ponderada e adequada e não nesta imitação de certos modelos estrangeiros. Mas também me parece que este tipo de propostas e medidas são questões políticas muito sérias e não devem surgir sem serem discutidas, quer no próprio parlamento quer, inclusivamente, no programa do governo, onde não constavam. Eu verifiquei o programa do governo e não encontrei lá nada. Podemos dizer que vamos combater a corrupção, mas uma coisa é dizê-lo, outra coisa é dizer que vamos estabelecer medidas concretas como a criação de tribunais especiais ou a colocação de sistemas de delação premiada. Devo dizer que esses sistemas me parecem altamente contestáveis.
Na verdade ainda não foi nada decidido e o grupo de trabalho nem sequer está...
Foi anunciado e não foi desmentido, pelo contrário, até foi confirmado, quer pela senhora ministra quer pelo primeiro-ministro quando apareceram as críticas, inclusivamente dentro do seu próprio partido.

Acha que o problema fundamental é, como disse a PGR [procuradora-geral da República], basicamente falta de meios ou existem outros problemas técnicos como disseram, por seu lado, os juízes?
Em grande parte são problemas de falta de meios. Nós estamos sempre convencidos de que resolvemos problemas muito sérios que se colocam em termos de alterações legislativas. O que não é verdade porque, como dizia Montesquieu, e eu citei, nós podemos ter as melhores leis do mundo, mas se não as executamos adequadamente, nada conseguimos fazer com elas. Apesar de hoje termos muitos mais mecanismos que permitem combater a corrupção, porque anteriormente era muito mais difícil e hoje consegue-se fazer o rasteio do dinheiro, as contas bancárias estão acessíveis, é possível fazer uma verificação, inclusivamente controlar seja qual for o lugar do mundo onde a situação seja colocada - dificuldade em termos de eficácia de perícias contabilísticas, de verificação do que é que se colocou, e faltam meios neste âmbito. Foi o que foi dito pela senhora procuradora, acredito que tenha razão de ser. Ora, nada disto fica resolvido com as propostas que foram apresentadas pelo governo. Por exemplo, a criação de um tribunal especial, que pode ser proibido pela Constituição e, a meu ver, justificadamente. Até podemos dizer que há outros países que os têm, o que é verdade. Por exemplo, aqui a vizinha Espanha onde houve bastante polémica com a questão catalã por ter um tribunal especial para esse tipo de delitos, mas a verdade é que isso consta da nossa Constituição e para se alterar isto tem de se alterar a Constituição.

Porque é contra o tribunal específico se se fala de falta de meios e de falta de know-how?
Porque o problema que se coloca é que a Constituição de facto admitiu, e penso que com razão, que um juiz que só está ali a julgar um tipo de crime não tem uma perspetiva tão isenta no julgamento dos que estão ali acusados. A experiência dos tribunais plenários dava isso. Se o juiz estiver a julgar vários crimes, estiver a julgar corrupção, roubos, homicídio, tem uma perspetiva mais ampla do que é um sistema penal e dessas infrações. Esse tipo de especialização não é a melhor forma de resolver o assunto. Mas também não resolve nada, porque o tribunal especial não garante que haja uma investigação e que apareçam acusados nesse tribunal, e isso é logo uma inversão do próprio problema. A luta contra a corrupção faz-se essencialmente com a investigação e com a dedução de acusações e, aí, qualquer tribunal está competente para julgar.

O Ministério Público não investiga melhor a corrupção por falta de meios ou por amadorismo?
Não, eu tenho a maior confiança no Ministério Público.

Mas não há mais condenações por corrupção em Portugal porquê?
Ainda não há pela demora dos próprios processos. E não via necessidade de alterar a lei por causa disso, porque, de facto, há instrumentos no Código de Processo Penal que permitem separar os processos quando se torna mais conveniente - a perspetiva dos megaprocessos não me parece, de facto, a melhor. Aliás, e aí cito o anterior PGR que disse que megaprocessos são mega-absolvições. O senhor presidente do Supremo também diz que quando temos um processo com milhares e milhares de volumes e outras situações deste género, é extremamente difícil um juiz conseguir julgar de forma adequada e atempada. Precisamente por isso é que parece que nós talvez devêssemos ter umas acusações mais especializadas relativamente a cada crime.

Coisa que também é muito difícil de fazer no Código português porque...
Não, porque é possível separar os processos.

Mas a quem é que interessam os megaprocessos?
Não sei, talvez seja uma forma de tradição... Neste caso até na perspetiva do próprio arguido, uma vez que tem de se fazer o cúmulo das penas, estar a verificar todo o crime de que ele possa ser acusado neste âmbito. Isso gera um monstro que leva anos e anos a decidir. Essa situação não me parece muito boa para a justiça, até porque ter uma condenação muitos anos depois da prática dos factos... a verdade é que com o tempo a própria prova torna-se difícil de fazer, a própria sociedade também já tem uma ideia diferente relativamente ao caso.

Há pessoas que morrem...
Sim, por isso era conveniente haver maior celeridade e talvez houvesse utilidade - há imenso tempo que tenho essa opinião - em fazer umas acusações mais especializadas. Nós podemos ter casos de corrupção, casos de associação criminosa, de branqueamento de capitais, de fraude fiscal... e podíamos fazer uma acusação relativamente a cada crime e talvez fosse mais fácil fazer isso relativamente a este tipo de questões. Como se sabe, na América, o Al Capone foi apanhado por fraude fiscal, ou seja, foi o suficiente para ser condenado.

O senhor, como bastonário da Ordem dos Advogados, está disposto a ir a ir até onde para impedir que a delação premiada entre na lei portuguesa?
Ao que eu estou disposto é, pura e simplesmente, dar a minha opinião sobre esse assunto.

É a única coisa que pode fazer?
Com certeza, não tenho qualquer outro poder legislativo neste âmbito relativamente a este tipo de situação, mas deixe-me explicar a razão por que falámos da razão de delação premiada. A razão por que eu estou contra a delação premiada também tem que ver com a própria condenação dos efetivamente culpados nos julgamentos. O que nós vemos nos países que têm a delação premiada é que muitas vezes aparecem bodes expiatórios em consequência de haver uma situação que provoca escândalo, e ou acontece que alguns se apressam a condenar outros sem a garantia de que são esses os mais culpados ou muitas vezes acontece que entregam mesmo os bodes expiatórios para que a acusação pública exiba que teve algumas condenações e satisfaça assim a ambição política.

É uma falsa sensação de justiça?
Acho que sim. O que se passa neste caso é que nós estamos a desrespeitar dois princípios estruturais do nosso Código de Processo Penal que é o princípio da legalidade. Não temos, como por exemplo na América, o princípio da oportunidade, se alguém praticar um crime, mas o Ministério Público chegar à conclusão de que um júri não o consegue condenar, ele nem sequer acusa, não se dá a esse trabalho. Se alguém praticar um crime tem de ser acusado: e há o princípio da própria culpa, quem deve ser condenado deve ser com base na sua culpa. Custar-me-ia imenso se chegarmos a esse sistema. Até admito que se possa lá chegar, mas parece-me que isso devia ser objeto de uma decisão numa discussão política pelos partidos, para saber se é isso de facto o que se pretende. Acho totalmente contrário à nossa tradição penal que alguém me diga o seguinte: não senhor, os mais culpados são estes, mas chegaram aqui a um acordo e eles saem em liberdade e nós vamos condenar outros. Se fosse uma situação deste tipo, e não sei se é...

E se não fosse uma situação desse tipo?
Se não fosse uma situação desse tipo, depende do que aparecer.

A ministra falou de uma garantia de abaixamento da pena, mas não a absolvição...
Reparem que já está prevista a situação de ponderar a pena no caso de arrependimento, no caso de colaboração com a justiça. O que eu li na altura pareceu-me que era na fase da investigação, ou seja, sem um controlo pelo juiz. Depois vieram dizer que talvez houvesse controlo pelo juiz, que se faria este acordo entre o Ministério Público e os acusados ou os suspeitos que apareceriam a denunciar os outros no âmbito deste acordo. Acho que isto seria uma subversão total da nossa estrutura penal. Aliás daria azo a negócios jurídicos que se estabeleceriam neste âmbito, o que me parece muito contrário à nossa tradição.

A ministra falou de silêncios que impedem condenações.
Esse tipo de argumento também me deixa perplexo, porque um dos princípios essenciais de qualquer Estado civilizado, inclusivamente o sistema americano em que o senhor primeiro-ministro se baseou, diz que ninguém pode ser obrigado a depor contra si próprio num processo. Portanto, como é óbvio, o princípio é in dubio para o réu, quem tem de produzir a acusação é o Ministério Público. Portanto, o réu tem todo o direito de estar silencioso relativamente a este tipo de questões, ou seja, não podemos entrar numa afirmação de que é o silêncio dele que está a prejudicar o processo. Só que ele tem o direito de estar em silêncio, este é um princípio básico que existe desde tempos imemoriais nas declarações de direitos humanos.

O que é que acha que pode justificar o facto de o governo ter vindo colocar agora a questão da delação premiada? Acha que tem que ver com uma perceção da sociedade de que a justiça, no combate à corrupção, não é eficaz? Acha que o momento político em que o parlamento, de repente, recebe o primeiro deputado de um partido assumidamente populista e que tem um discurso muito virado para estes temas, justificará que o governo tenha sentido a necessidade de colocar este tema em cima da mesa?
Não sei, não faço especulações sobre a razão por que esse tema ficou em cima da mesa. Agora, acho que o tema é importante e não deve estar fora da mesa.

O tema da delação premiada ou o do combate à corrupção?
O tema do combate à corrupção é importantíssimo e, portanto, não deve estar fora da mesa. Devemos procurar ter uma política eficaz de combate à corrupção que, a meu ver, até deve começar pela pequena corrupção. Pequenos favores praticados por funcionários neste quadro e que são situações que são o primeiro passo para se chegar aos casos mais graves. Portanto, estabelecer uma cultura de combate à corrupção é uma medida essencial. No que tenho dúvidas é que se entre nisto com uma alteração ao Código de Processo Penal de uma tal forma que possa pôr em causa a filosofia em que se baseia o nosso código, que é uma filosofia humanista, e deve dizer-se que temos a experiência anterior do Código de Processo Penal no Estado Novo, que se baseava no sistema do juiz-polícia acusador, e hoje temos a separação total do que é o juiz das liberdades, o juiz de instrução, o que é a acusação do Ministério Público e o que é, por fim, o juiz do julgamento. Qual a razão por que isto surgiu agora, não sei. Posso dizer o seguinte: muitas vezes é mais fácil propor medidas dessas do que apresentar, de facto, um investimento efetivo numa investigação criminal. Porque o objetivo desta medida é substituir a investigação criminal por confissões de arrependidos. Isso é que me parece um problema prático quanto a esta questão.

O que é que vai levar, prevendo que obviamente vai ser convidado para fazer parte desse tal grupo de trabalho para o combate à corrupção, como medidas? Já pensou nelas?
Resta saber qual é o objetivo do grupo de trabalho, porque quando nós temos um grupo de trabalho, se for apenas para discutir vagamente o combate à corrupção, há muitas coisas a dizer.

A ministra disse que era para propor medidas concretas para depois se levar à Assembleia.
Exatamente, mas "medidas concretas" pode ser o reforço dos meios de investigação criminal, isso parece-me claríssimo, ou a existência de perícias adequadas. Agora, quanto à alteração ao Código de Processo Penal... Isso exige ponderação e exige estudo. Tenho algumas dúvidas de que se possa fazer para apresentar em abril. Eu ainda me lembro de que nós tínhamos um Código de Processo Penal dos anos 1920, que tinha sido feito em cinco dias e revisto em 15 dias, e que era um pesadelo total - na altura precisamente do Estado Novo - para as pessoas que eram confrontadas com um processo criminal. Nós temos de ter um processo penal eficaz. Mexer num código com esta velocidade e com esta perturbação nunca é algo adequado. Por isso, nós gostaríamos de ver o que é que está em causa efetivamente, mas a forma correta de fazer isto seria apresentar um anteprojeto relativamente ao que se pretende e colocá-lo à discussão pública e, depois, fazerem-se as críticas com base nela quanto a este caso. No entanto, o que temos são anúncios de um grupo de trabalho. Por isso é que é um pouco estranho o anúncio surgir assim sem se ver estas questões. As reformas anteriores ao Código de Processo Penal foram feitas com base em comissões de peritos que apresentaram os seus anteprojetos que foram colocados à discussão pública e dos quais saíram algumas reformas. Algumas, a meu ver, foram um pouco precipitadas, foram casos mediáticos como o processo Casa Pia, ou seja, surgiram neste âmbito uma série de alterações que não sei se se justificariam todas. Como disse na altura o professor Costa Andrade, atual presidente do Tribunal Constitucional, estava a legislar-se à flor da pele, o que era, no fundo, aqui a situação. Quando eu vi o primeiro-ministro citar o caso BES julguei que estávamos também no mesmo problema de se estar a ver o caso BES que nunca mais tem acusações e, por isso, fazer-se uma alteração ao Código de Processo Penal.

Acha que ele citou o caso BES para não citar o caso da Operação Marquês?
Não sei porque é que ele citou o caso BES, isso tem de lhe perguntar mas, de facto, foi o caso que ele citou.

Mas compreende também que o contexto em que há um ex-primeiro-ministro, pela primeira vez na história da democracia, que está a contas com a justiça precisamente por um caso de corrupção possa também ter interferido politicamente neste tema?
Não sei. Como disse, não me vou pronunciar sobre processos em curso.

Não lhe pedi para se pronunciar sobre o processo, pedi-lhe para olhar para o contexto.
Em relação ao contexto digo o seguinte: há, neste momento, alguns casos que podem influenciar a situação, mas como disse, não é essa a forma correta de fazer alterações legislativas. Por isso é que elas são da competência do parlamento e devem surgir num quadro de ponderação e análise do que é que, de facto, está a falhar no nosso sistema, mas isso não acontece por causa de um processo em especial. É essa a situação em que se julga, é como o caso de querer mudar o treinador porque perdeu um jogo.

A justiça é lenta, não é barata, tem níveis de execução muito baixos, segundo dados da própria União Europeia. Que parte disto beneficia os advogados e que parte disto pode ser responsabilidade dos advogados?
Bom, relativamente à situação de a justiça ser lenta posso garantir que os advogados não têm responsabilidade absolutamente nenhuma. Por uma razão simples: os advogados são os únicos que têm, de facto, prazos que têm de cumprir e se não cumprirem os prazos o seu cliente perde os direitos e sofrem responsabilidade a seguir relativamente a esta situação, por isso não temos qualquer indicação com a lentidão. Quanto às custas judiciais, também podem ter a certeza de que os advogados gostariam imenso de as ver reduzidas, porque o facto de as custas judiciais serem tão altas é um fator que desmotiva muito os cidadãos de recorrerem à justiça. Isso é uma situação muito preocupante porque, neste momento, nós temos uma justiça em Portugal a que só têm acesso os muito ricos e os indigentes, porque são os únicos que ou têm condições de pagar as custas ou têm apoios judiciais e não têm de pagar. A nossa classe média está completamente fora do sistema de justiça em Portugal. Eu tenho essa experiência como advogado em que tenho muitas pessoas que me perguntam logo quanto é que aquilo lhes vai custar em termos processuais e quando ouvem a informação, muitas desistem de instaurar processos. Ainda por cima o sistema que nós temos é dos mais injustos que existem, se for uma ação de grande valor - acima dos 275 mil euros - as pessoas só são obrigadas a pagar no início por 275 mil euros, mas depois podem ter de pagar mais mesmo que ganhem totalmente a causa. É um sistema completamente perverso e que os cidadãos não conseguem perceber. Só o Estado estar a funcionar assim demonstra bem a perversidade do sistema.

Ou seja, precisamente o contrário do que estávamos a dizer aqui. A comunicação social muitas vezes foca-se nos casos mais mediáticos, que são estes processos grandes, megaprocessos, etc., e dessa justiça ninguém fala. O que é que vai fazer nesse sentido?
Espero que todo este sistema de custas, que a meu ver é um sistema completamente absurdo, seja revisto.

Mas vai fazer alguma proposta concreta?
Com certeza. Iremos procurar, neste caso, marcar um encontro com a senhora ministra da Justiça, logo que possamos tomar posse. Temos de falar com os grupos parlamentares, porque eles têm, de facto, a possibilidade de, no âmbito do parlamento, alterar a lei e ver o que é que se pode fazer para alterar este sistema de custas. Esta é uma das maiores injustiças que existem. Nós não podemos ter um sistema que diz que é um sistema de justiça e que só pratica injustiças, designadamente em termos de custas. Temos de abandonar de vez a perspetiva de que o Ministério da Justiça se deve sustentar com base nas custas judiciais, porque as custas são taxas que servem, no fundo, para não tornar muito imediato o recurso aos tribunais. Mas já houve países, como a Espanha, que durante um certo período nem sequer cobravam taxas de justiça às pessoas singulares. Hoje voltaram a cobrar, mas a verdade é que a taxa de justiça tem de ser como as taxas moderadoras nos hospitais - não devem prejudicar o funcionamento do serviço público de justiça. Neste momento, com esta perspetiva de se dizer que as taxas é que devem financiar o serviço de justiça estamos, de facto, a abandonar a ideia de um serviço público de justiça, e isso parece-me muito preocupante.

Acha que, desse ponto de vista, as pessoas em Portugal podem ter razão para achar que a justiça é injusta?
Desse ponto de vista, com certeza que sim. A meu ver, não há maior injustiça do que estar a pedir a quem ganhou a causa que pague custas. Mesmo quando não há qualquer razão. Eu tive casos em que puseram ações de milhões contra clientes, que foram indeferidas liminarmente e, mesmo assim, nós temos de fazer um requerimentoao tribunal a pedir que dispense a pessoa do pagamento suplementar de custas. Ou seja, parece que é um favor que se faz a alguém, que praticamente não teve qualquer justificação para ser demandado, e o trabalho do juiz foi reduzidíssimo, porque a ação apesar de ter imenso valor era daquelas ações erradas. O que é que sucede? Nessas situações, o que se passa é que os cidadãos não têm defesa contra este tipo de questões e isso devia ser alterado.

Há uma parte desses custos, incomportáveis muitas vezes para a classe média como disse, que têm que ver também com o preço dos advogados e com aquilo que é hoje o sistema. Há ou não há uma proletarização dos advogados em Portugal com a preponderância de uma série de sociedades que dominam o mercado?
Não faço essa avaliação nesses termos, porque a maioria dos advogados em Portugal continuam a ser advogados que trabalham em prática individual e não em sociedades. Há, de facto, algumas sociedades com alguns advogados, mas não tem qualquer comparação com outros países, por exemplo a maior sociedade de advogados portuguesa anda à volta de duas centenas de advogados e isto seria considerado na América uma sociedade de pequena dimensão. Portanto, não temos propriamente essa ideia de termos grandes sociedades de advogados como sucede noutros países.

O país também tem outra dimensão...
Tem outra dimensão, mas a verdade é que as sociedades também já trabalham em forma global e os escritórios de advogados também, é preciso ter consciência de que isso ocorre aqui também.

Mas acha que há advogados a mais ou não há advogados a mais em Portugal?
Toda a gente me faz essa pergunta e eu devo dizer que já desde 1988, quando eu entrei, se começava a falar que havia advogados a mais e nessa altura os advogados até eram muito poucos.

Confirma que são 32 mil?
Sim, são cerca de 32 mil, embora não saibamos quantos estão de facto com a atividade em termos de dedicação total relativamente à advocacia. Eu não vou fazer o discurso de que há advogados a mais porque acho que é um discurso completamente errado. Aí perguntar-me-iam quais são os que estão a mais e devo dizer que tento ser bastonário de todos os advogados sem exceção, sejam os de prática individual, sejam os advogados em sociedades, sejam os advogados de empresa. Portanto, para mim, não há nenhum advogado no país que esteja a mais. Temos de ter é a consideração de que a situação dos advogados tem de ser adequadamente regida e devo dizer que o que me preocupa não é tanto a concorrência de advogados, mas o facto de haver outros profissionais a exercer atos próprios de advocacia, inclusivamente haver propostas da OCDE e da Autoridade da Concorrência que pretendem liberalizar atos próprios da profissão de advogado, e que o governo apareça agora, nas grandes opções do plano, a dizer que está de acordo com essas propostas e que quer instituí-las. Isso seria uma situação gravíssima.

Está a falar de que profissionais?
Estou a falar, por exemplo, de prestadores de serviços, de contabilistas, de muitos profissionais desta ordem que podem começar a querer praticar atos próprios da profissão de advogado. O que está previsto, e aparece nessas propostas, é que isso devia ser liberalizado desde que eles aprovem códigos de conduta. Isto não faz sentido absolutamente nenhum. Seria uma situação gravíssima porque os advogados são controlados por um sistema de regras deontológicas muito rigoroso e que é verificado pela própria ordem e pelos seus conselhos de deontologia e conselho auperior. Por isso é que este tipo de propostas coloca muitos mais problemas do que o número de advogados existentes.

Ser deputado e advogado é compatível ou incompatível a seu ver?
A meu ver é compatível pela seguinte razão: a advocacia não pode ser a única profissão que esteja fora do parlamento. Se nós disséssemos que era incompatível, o resultado seria que teríamos médicos, engenheiros, arquitetos e todas essas profissões no parlamento e advogados deixávamos de ter, o que não me parece que seja, de facto, uma solução adequada. O que me parece que deve efetivamente ocorrer é o estabelecimento de um rigoroso sistema de impedimentos relativamente a casos concretos que as pessoas possam tratar relativamente a certas leis e que possam ter interesses como advogados ou os seus clientes.

Isso era provável que paralisasse o parlamento...
Não sei, não sei. O parlamento há muito tempo que anda a discutir as questões sobre a transparência e as regras quanto a isso, mas parece-me que é esse o caminho adequado. Não vou dizer que uma pessoa por ser advogada não tem direito a candidatar-se a deputado. Não me parece que isso faça sentido nem me parece que seja bom sequer para o parlamento ficar sem advogados lá. O que já me parece é que estar a misturar questões profissionais com a situação de deputado, por exemplo, um cliente ter interesse numa lei e o deputado estar a propor essa lei sendo advogado ao mesmo tempo...

E isso continua a acontecer?
Não sei se existe, mas tem de ser totalmente evitado. São situações, de facto, extremamente indesejáveis. Agora não se resolve dizendo que nenhum advogado pode ser deputado, não, há muitos advogados que podem ser deputados desde que esteja controlado o impedimento relativamente a esse tipo de questões.

É muito provável que depois da corrupção se volte a falar do segredo de justiça, do seu alargamento ou da sua restrição. Aliás, da última vez que houve uma grande modificação no código - teve que ver com a Casa Pia - foi precisamente restringir-se a ideia de segredo de justiça. Qual é a sua opinião?
Não sou defensor de um segredo de justiça perfeitamente fechado a sete chaves e que nada se saiba sobre o que se passa no processo. Na atual sociedade temos, de facto, de viver com o interesse que a comunicação social tem sobre o processo e, portanto, alguma coisa se terá de revelar relativamente à situação do processo. Este aligeiramento do segredo de justiça foi um bom caminho quanto a este aspeto. Agora, o que não deixo de salientar, e talvez isso não esteja, muitas vezes, a passar adequadamente para a opinião pública, é que muitas vezes surgem na comunicação social informações sobre o processo que não digo que estejam erradas, mas que aparecem incompletas. Por exemplo, se alguém fizer referência a uma prova que existe, pode não fazer referência a outra prova que a seguir desmente totalmente a prova anterior. Muitas vezes, isso leva a que os cidadãos fiquem surpreendidos. Depois aparece a notícia que diz que aquele processo se passou todo assim e, depois, chega-se lá e vê-se que há absolvições porque, no fundo, o que sucede é que as fontes têm sempre interesse em passar a informação e por esse motivo também muitas vezes não passam uma informação isenta e objetiva.

Então qual seria a solução? Mais sanções?
Não digo que sejam mais sanções, digo é que tem de haver algum controlo, também por parte dos senhores jornalistas, relativamente à qualidade da informação que está a ser passada. Vemos muitas vezes que se constrói cá fora uma imagem sobre um caso judicial em que as pessoas estão envolvidas e depois vê-se que em tribunal nada daquilo se confirma.

Defende menos restrições?
Não, acho que não podemos estar sempre a alterar a lei. A solução que foi feita é relativamente equilibrada. O princípio, neste momento, é o da publicidade do processo, as restrições só são feitas em situações que são entendidas como tal e, portanto, parece-me uma solução adequada quanto à questão do segredo de justiça. O que me parece, no entanto, é que terá de haver algum cuidado porque nem sempre a informação que passa é a total, e a verdade é que quem tem a informação total são apenas os advogados, o Ministério Público e os juízes que estão no processo, e esses não vão falar sobre o que se está a passar no julgamento que estão a discutir. Muitas vezes o que se sucede é que nós estamos a assistir a informações sobre o processo, que já são dadas como adquiridas, mas que acabam por não representar a situação correta. Eu até costumo fazer uma imagem em comparação como futebol, ou seja, isto é como estar nas claques ou estar a jogar dentro do campo. Podemos ter, como sucedeu com o jogo Brasil-Alemanha, toda a gente no estádio a apoiar o Brasil, mas depois verifica-se que ele perde 7 a 1. É a mesma coias com o julgamento - a imagem que aparece cá fora nada tem que ver com o que se passa lá dentro.

Vai manter-se como presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, não vê aí nenhuma incompatibilidade?
Neste momento não tenho nenhuma indicação, se verificar que existem problemas, poderei reponderar isso, mas não vejo até agora nenhum problema quanto a isso.

Há uma nova lei, que acabou de entrar em vigor, o direito real de habitação que permite estabelecer contratos para permanência vitalícia dos moradores nas casas. Faz sentido, esta nova lei?
Pode fazer sentido, mas não vejo ninguém que tenha interesse em celebrar esse contrato. Pelo menos da parte do proprietário. Mais uma vez, aparecem leis como se fossem a solução para tudo, mas verdade é que não só são questões que já existem - nós podíamos já celebrar um usufruto que dava o mesmo resultado neste âmbito - como o que sucede é que os usufrutos e os usos de habitação que já são figuras correspondentes a estas só existem no âmbito das relações familiares, porque ninguém vai dar a uma pessoa o direito de ficar no seu imóvel para toda a vida. Aliás, o próprio senhor Presidente da República disse que promulgava o diploma, mas não via nenhuma utilidade nele.

Acha que é uma lei inútil?
Acho e foi isso que disse quando, na altura, pediram a minha opinião. Isso não tem eficácia nenhuma e não acredito que tenha.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt