Na vida como na arte, há sentimentos que não se explicam, apenas devem ser deixados fluir. De um modo simples, assim se pode explicar o feliz encontro entre Frankie Chavez e Peixe, que ocorreu algures em 2015, durante um concerto dos They're Heading West. Do pouco tempo que passaram juntos, nasceu logo ali a vontade de um dia se conhecerem melhor, apesar da carreira, dos múltiplos projetos laterais e especialmente do facto de cada um estar em Lisboa e o outro no Porto. Mas como quase sempre acontece nestas coisas do coração, o destino havia de dar um jeitinho, quando dois anos mais tarde o promotor Vasco Durão convidou Peixe para participar na terceira edição do Guitarras ao Alto, um festival que junta duos de guitarristas para criarem um espetáculo inédito. O antigo guitarrista dos Ornatos Violeta lembrou-se logo de Frankie e este aceitou de imediato o desafio. "Convidei-o várias razões. Porque entretanto tinha visto muitos vídeos dele no YouTube, com os quais tinha ficado mesmo impressionado, mas especialmente devido a essa química inicial, sentida da primeira vez que tocámos juntos, mas que nunca desenvolvemos", lembra Peixe, numa conversa a três com o DN, mantida no estúdio de Frankie Chavez, ali para o Dafundo. "Percebemos logo que havia uma química fixe entre nós", corrobora o anfitrião..Para prepararem o tal concerto a duo, que haveria de ser multiplicado por quatro espetáculos, trancaram-se os dois durante três dias numa casa da família de Peixe, algures a meio caminho entre Espinho e o Porto, numa localidade do concelho de Gaia chamada Miramar. "Era uma casa com pátio, com vista para o mar, onde passámos o tempo a tocar, a comer e a jogar pingue-pongue", lembra Frankie. Ao fim do segundo dia, já tinham quase todo o alinhamento do concerto alinhavado, entre músicas originais de ambos, que recriaram apenas à guitarra, mas também "alguns inéditos", como o tema Pingue-Pongue, criado em homenagem às tais tardes em Miramar.."Quando fomos lá para casa nem estávamos assim muito à vontade, simpatizávamos um com o outro, mas não nos conhecíamos muito bem e foi curioso que à medida que íamos ouvindo as gravações também fomos ficando cada vez mais próximos", recorda Peixe. Da rotina de trabalho fazia parte uma sessão de escuta, depois de jantar, do trabalho desenvolvido ao longo do dia. "Soava mesmo muito bem, mas tinha algum pudor em dizê-lo porque não sabia se o Frankie sentia o mesmo, mas passados três dias já estávamos ambos eufóricos com o resultado final. Foi uma surpresa muito feliz este encontro, daquelas coisas mesmo boas que às vezes nos acontecem na vida." Frankie sorri com o elogio do amigo, ripostando da mesma forma: "O modo como as nossas linguagens musicais casaram foi muito natural, porque ambos tivemos o cuidado de não se impor ao outro, nem de tentar alterar a génese original dos temas de cada um. Acomodámos as nossas maneiras de tocar mas sem desvirtuar e houve alturas em que entrámos numa bolha e já não sabia se tinha sido ele ou eu a tocar determinada nota. Não é todos os dias que se consegue algo assim.".A ideia de gravar um disco começou logo ali a tomar forma, mas só realmente avançou no final de 2017, quando após mais uma atuação conjunta, no concerto de Frankie Chavez no Teatro da trindade, em Lisboa, a dupla foi abordada pelo produtor Pedro Vidal, que os "obrigou" a fazê-lo..Decidiram então replicar o mesmo sistema, trancando-se, durante quatro dias, no estúdio de Rui Veloso, em Sintra. "Dormimos lá e tudo", sublinha Frankie Chavez, lembrando que, tal como acontecera em Miramar, também aqui "a maior parte do disco foi logo gravado à primeira". O resultado pode agora ser apreciado num álbum simples e despojado, em que o inegável talento de cada um vem ao de cima na cumplicidade patente ao longo de dez temas, que bem podiam ser a banda sonora de um melancólico road-movie, passado numa latitude bem mais distante da costa de Miramar..O próximo passo, agora, é mostrar o projeto ao vivo, estando já agendados três concertos de apresentação do disco para o Porto (Casa da Música, 14 de março), Lisboa (Teatro Villaret, 26 de março) e Coimbra (Salão Brazil, 30 de março). "Ambos nos dedicamos muito à guitarra e este projeto dá-nos a possibilidade de explorar ao máximo o instrumento", confessa Peixe, que ainda neste ano vai regressar aos palcos com os Ornatos Violeta. Vai ser incrível, claro, mas os Ornatos já são uma reinvenção, em Miramar ainda é tudo uma descoberta. Neste momento é sem dúvida aqui o lugar onde me sinto melhor."