Arrecadou 47 Emmys, teve mais de 16 milhões de espectadores no último episódio (só nos EUA) e um número indeterminado - mas que se crê recorde - em pirataria. A Guerra dos Tronos parte para a última temporada envolta numa bruma de lenda e de fenómeno popular inaudito. É de prever que a febre atinja temperaturas elevadas em abril, mês da estreia dos restantes seis episódios da oitava temporada..A fasquia está bem alta e os patrões do canal HBO abriram os cordões à bolsa. Cada episódio teve um orçamento de 15 milhões de dólares, adianta a Vanity Fair. Estica-se o dinheiro e prolonga-se a ação: os episódios serão mais longos do que o último da sétima temporada, que tinham 80 minutos. Dragões, lobos, mortos-vivos (alguns dos quais gigantes) vão contribuir para o clímax deste enredo, variação para adultos de O Senhor dos Anéis..Longe vão os tempos, na primeira e segunda temporadas, em que os produtores se viam na contingência de eliminar batalhas ou até personagens, como aconteceu ao lobo gigante de Jon Snow na última temporada, por motivos orçamentais..Como se chegou a este ponto - em que a produção televisiva ultrapassou a capacidade de escrita de George R.R. Martin?.O escritor norte-americano tem a saga As Crónicas de Gelo e Fogo inacabada, pelo que a partir da sexta temporada o universo televisivo ganhou vida própria, por assim dizer, embora em articulação entre autor e argumentistas. Na sua mais recente obra, Sangue & Fogo, regressou ao mesmo universo, mas preferiu dedicar-se aos antecessores de Daenerys Targaryen, a "mãe de dragões". No seu plano das Crónicas faltam dois livros (graças a uma particularidade editorial, a coleção terá 14 volumes em Portugal).."Sou um escritor muito visual. Quando faço a descrição de uma cena, vejo-a na minha cabeça tanto quanto um realizador veria um plano. Vejo como a luz cai e onde as personagens se situam - em Hollywood chamam a isto blocking - e penso que ter trabalhado lá apurou os meus diálogos", disse Martin numa entrevista em 2001. Já então, com três volumes publicados, havia interesse em transpor a saga para o ecrã..Tempo precioso.A HBO, que rompeu com muitos dogmas da indústria televisiva com Os Sopranos, adquiriu os direitos da saga em 2005 e iniciou o desenvolvimento em janeiro de 2007, mas só quatro anos depois é que estreou a série. Foram longos meses de desenvolvimento, com o argumento e as filmagens a andarem para trás e para diante. Foram realizados dois episódios-piloto. O primeiro não foi avante, entre erros de casting e de argumento. Por exemplo, a primeira Daenerys foi interpretada por Tamzin Merchant, a rainha Catarina na série Os Tudors. Para o seu lugar, recém-saída da escola de atores, entrou Emilia Clarke..Ou seja, mais do que dinheiro, a produção investiu em tempo para desenvolver um produto total, com as doses certeiras de intriga, diálogos, violência, erotismo, efeitos especiais - e até de humor..A isso junta-se a capacidade da ligação do texto original do épico de fantasia com o trabalho realizado pelos argumentistas e produtores David Benioff e D.B. Weiss para criar personagens marcantes. Compreenderam a impossibilidade de reproduzir todo o universo de Westeros e a necessidade de fazer diferente do que está impresso. "Nós pensámos simplesmente que é o melhor para a série. A verdade é que não é possível ter todas as personagens dos livros. Iria começar a afundar-se no seu próprio peso", disse Benioff numa entrevista à Variety. Ainda assim juntaram um número inédito de dezenas de personagens..Outra novidade, e que tocou fundo nos espectadores: os heróis morrem. "Num certo sentido, sim, nós percebemos que as pessoas provavelmente iriam passar-se quando Sean Bean (Ned Stark) ficasse com a cabeça cortada", justificou Weiss..Além do bem e do mal.A dupla, que chegou a acordo com Martin para a adaptação da saga após este ter perguntado quem é a mãe de Jon Snow, viu o sucesso de O Senhor dos Anéis e de Harry Potter e compreendeu que havia um mundo da fantasia por explorar. "Os livros de George R.R. Martin são muito adultos, não só em termos de sexualidade e de violência mas também em temas: a ideia de que não se resume ao conflito entre o bem e o mal." As personagens são imperfeitas, cometem erros - e um casal mantém uma relação incestuosa..Por outro lado, pisca o olho a audiências que se reveem em personagens que por norma não teriam peso numa série de heróis e espadas: um anão, Tyrion Lannister (Peter Dinklage), não tem rival a urdir vinganças, entre mulheres e copos de vinho; várias mulheres como Cersei Lannister (Lena Headey) têm poder ou lutam por ele; outras como Arya Stark (Maisie Williams) ou Brienne de Tarth (Gwendoline Christie) são exímias a empunhar espadas e de identidade sexual pouco clara; e outras de sexualidade não hetero, como Renly Baratheon (Gethin Anthony) e Loras Tyrell (Finn Jones) ou Yara Greyjoy (Gemma Whelan), por exemplo..Com o argumento em terra desconhecida em relação aos livros, as hordas de fãs que seguem notícias e alimentam rumores multiplicaram-se. Quem vai sentar-se no trono de ferro? Para manter o secretismo ao máximo, a produção usa todos os truques que tem ao seu alcance..Durante as filmagens da última temporada os atores recebiam o guião para o dia seguinte numa app, o qual desaparecia horas depois. "É mais rigoroso do que a segurança da Casa Branca", comentou Sophie Turner (Sansa Stark). Outra medida - esta já tomada anteriormente - passa por levar para o set atores cujas personagens já morreram para baralhar as contas. Outra medida, que foi anunciada pelo presidente da HBO, Casey Bloys, antes das filmagens, desmentida por atores e confirmada por outros, como Emilia Clarke, é a filmagem de vários finais..À procura do próximo sucesso.Perante este tremendo sucesso, todas as produtoras querem ter a sua A Guerra dos Tronos: aos canais tradicionais junte-se os de streaming como a Netflix e a Hulu, mas também a Amazon, que já investiu 4,5 mil milhões de dólares em ficção em 2018..Benioff e Weiss despediram-se dos sete reinos de Westeros: para a HBO têm em mãos a série Confederate, uma distopia na qual os estados confederados venceram a guerra civil norte-americana e a escravatura perdura. Para o cinema estão a desenvolver uma nova série Star Wars, independente da novela Skywalker..De Martin estreou-se Nightflyers, nos EUA, em dezembro, baseado numa novela de ficção científica sobre uma nave espacial em busca de vida alienígena. Chegará a Portugal via Netflix..Mas para os fãs de A Guerra dos Tronos interessará mais saber que a sua sucessora está em pré-produção. Tem o título provisório de The Long Night, e é uma prequela que está a ser escrita por Jane Goodman. A ação passa-se 10 000 anos antes, pelo que as personagens da série que vai terminar em 2019 não vão existir. A atriz Naomi Watts vai fazer parte do elenco..Os spin-offs de A Guerra dos Tronos podem não ficar por aí. Segundo informações do próprio autor, "mais três prequelas, situadas em períodos distintos e com personagens e enredos diferentes, mantêm-se em desenvolvimento ativo", escreveu George R.R. Martin no seu blogue, Not a Blog.