A força de quem se recusa a só olhar para o passado
Michel dança sapateado em tronco nu, num solo improvisado, no centro do palco. Michel tem 67 anos. O seu corpo já não é o corpo de um jovem e isso vê-se. Mas Michel não pára de sorrir e de dançar. "Não me preocupo com o envelhecimento. Não tenho nenhum trauma. Há coisas que não consigo fazer como fazia, mas também há outras coisas que faço agora e que antes não fazia. Envelhecer é uma descoberta", diz este artista de origem francesa que vive há mais de 30 anos em Portugal e que nos habituámos a ver a dançar sapateado e a tocar acordeão. "Tenho mais energia agora do que tinha aos 40 anos. Já controlo o cansaço, conheço melhor o meu corpo."
Força, o novo espetáculo da Companhia Maior é sobre isto mesmo - sobre a força que todos nós temos, aquilo que nos dá energia para seguirmos em frente, apesar de todas as contrariedades. Na sua sexta produção, depois de ter trabalhado com Tiago Rodrigues (2010), Clara Andermatt (2011), Mónica Calle (2012), Ana Borralho e João Galante (2013) e Mala Voadora (2014), a Companhia Maior convidou a coreógrafa Filipa Francisco para criar o espetáculo deste ano. A escolha parece evidente. Filipa Francisco tem desenvolvido um trabalho de investigação e criação com não-artistas, como os reclusos do Estabelecimento Prisional de Castelo Branco, as raparigas da Cova Moura ou ranchos folclóricos. "Muitas pessoas já me tinham perguntado porque é que nunca tinha trabalhado com a Companhia Maior", conta.
A oportunidade surgiu agora. A Companhia Maior é uma companhia profissional constituída por pessoas com mais de 60 anos - alguns têm um passado artístico, outros não, mas todos se entregam totalmente ao trabalho com os vários criadores que por ali passam. No primeiro encontro entre Filipa Francisco e os elementos da companhia, em julho passado, a coreógrafa trabalhou muito a partir da memória e do que cada um tinha para dar. Mas, quando se reencontraram em setembro, os atores vinham decididos: "Todos os encenadores querem trabalhar a partir da memória porque nós somos velhos, mas nós não somos só passado, vivemos no presente", disseram-lhe. Filipa Francisco percebeu que estava perante um grupo de pessoas mais velhas mas com muita força e foi assim que começou esta criação.
"Falámos da força, eles trouxeram as suas preocupações, aquilo que os move. Esta é uma peça reivindicativa, nesse sentido. E, ao mesmo tempo, eu tentei trazê-los para o meu mundo da dança, queria que este fosse um espetáculo mais físico". Tudo partiu das improvisações", explica a coreógrafa.
No palco vão estar os 18 elementos da Companhia Maior, seis dos quais compõem a orquestra (dirigida por António Pedro) que utiliza instrumentos mais convencionais e outros nem por isso, como pentes, um secador de cabelo ou um molho de chaves. Mas todos dançam. Tal como faz Michel , que habitualmente já canta, dança e representa e que neste espetáculo assume um papel de destaque no palco e fora dele pois assina também a codireção musical.
Michel está na Companhia Maior desde o início e concilia estas criações anuais com o resto da sua carreira, dando aulas e trabalhando em espetáculos, e ainda tendo sempre tempo para os seus momentos de yoga e os passeios matinais junto à praia: "Sempre odiei a força, que associo à violência. A não ser a da natureza. Essa é a única que me fascina e é à natureza que vou buscar a minha energia."
O espetáculo Força estreia amanhã e está até domingo no CCB.