A exposição do Império que juntou três milhões de portugueses

Nunca se tinha visto nada assim no Portugal pobre e confuso politicamente até Salazar tomar conta do Governo, quando uma dúzia de anos depois é inaugurada a Exposição do Mundo Português - exatamente há 80 anos.
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Após a inauguração oficial da Exposição do Mundo português pelo chefe de Estado, Marechal Carmona, o presidente do Conselho, Oliveira Salazar, e o ministro das Obras Públicas, Duarte Pacheco, três milhões de visitantes secundaram as autoridades até ao dia 2 de dezembro de 1940. Correu tudo bem e a imponência da exposição deixou espantado o povo português com o que o país possuía e fizera no mundo que conquistara nos últimos quinhentos anos.

A única coisa que correu mal foi a réplica do galeão da carreira da Índia do século XVII ter-se afundado poucos minutos após largar do estaleiro de Aveiro, mas voltou ao seu estado natural e fez as maravilhas dos visitantes que nele entraram. Uma embarcação que rivalizava com os grandes eventos públicos nas ruas de Lisboa, como o de um elefante que desfilou pelas ruas da capital.

No entanto, nada ultrapassou o sucesso que o modo de vida das populações africanas provocou nos visitantes. Tudo contado e mostrado de um modo que hoje causaria uma polémica nacional que impediria a sua inauguração: era as cubatas onde viviam, como transformavam os cereais, os utensílios para trabalhar e as roupas com que se vestiam... ou despiam, pois o maior impacto - e sucesso da Exposição do Mundo Português - esteve no Guia Oficial da Secção Colonial, onde duas mulheres naturais das colónias faziam parte do cenário idílico com que se imaginavam aqueles povos e só cobriam parte do corpo. Os seios africanos correram o país, quanto mais não fosse nos postais que reproduziam este pormenor de um setor da exposição.

À entrada do edifício principal estava a frase que antecipava o espetáculo que estes milhões de portugueses foram ver: "Nós demos ao velho mundo novos mundos". Ao lado da porta principal por onde a 23 de junho de 1940 entraram as individualidades do regime num desfile das melhores vestes, uniformes e medalhas, bem como dos melhores automóveis que existiam nessa Lisboa de então, estava uma janela manuelina, entre colunatas pré-fabricadas para durarem até ao início de dezembro, que condizia com esse dizer pró-descobertas e afirmação dos valores de então.

Era um tempo em que o mapa da Europa servia para distribuir as colónias - ainda não eram províncias ultramarinas - num design geográfico em que se sobrepunha o imenso Portugal desde o Minho até Timor, uma imagem que se conhecia de ver desde os bancos da escola nos mapas que decoravam as salas de aula, mas que ao penetrar por essa porta se compreendia o que era o império português.

Esse era o grande objetivo da Exposição do Mundo Português, que coincidia com dois importantes momentos da História nacional e a própria afirmação do regime do Estado Novo, que se pretendia consolidar em tempos críticos do pós-Guerra Civil aqui mesmo ao lado e do medo que o segundo grande conflito mundial que já tinha começado gerava em todos os europeus: os 800 anos da fundação de Portugal e os 300 da Restauração da Independência.

Passada a porta principal esquecia-se a II Guerra Mundial, a pobreza social e o fraco desenvolvimento económico do país, e surgiam as glórias do passado que começaram a afirmar-se com a aventura do Infante D. Henrique pelos "mundos novos", inteligentemente espalhados por uma vastidão de galerias, stands, praças e avenidas, onde se mostrava o Portugal até 1940.

Só 58 anos depois os portugueses veriam uma coisa assim, quando em 1998 foi inaugurada a Expo"98, uma segunda mundivisão do país. Que, tal como a Exposição do Mundo Português, lavou a alma aos portugueses e lhes permitiu o novo fôlego civilizacional que ainda impulsiona o país. Mas em 1940, a gigantesca mostra do império na região de Belém era a confirmação popular da primeira globalização que os navegadores portugueses tinham realizado e que o regime valorizava a nível histórico de forma a estruturar uma mentalidade nova e positiva após o desastre da Primeira República ao fixar os protagonistas-heróis que deveriam marcar presença no dia a dia do longo consulado de Salazar.

Antes de entrarem na exposição, as excursões vindas de todos os confins de Portugal deparavam-se com uma envolvente arquitetónica e de estatuária inimaginável para o país em que viviam. Em frente ao Mosteiro dos Jerónimos abriram-se jardins, destruíram-se casarios e barracões - o mesmo voltaria a acontecer décadas depois na construção nesse mesmo lugar do Centro Cultural de Belém - e edificou-se uma cidade que contava os feitos dos portugueses. Ainda lá está a segunda versão do Padrão dos Descobrimentos, esta construída em 1960 para durar e não apenas para a exposição, mas pouco mais. E no Padrão, em lugar de destaque, o Infante D. Henrique.

O príncipe português que 80 anos depois se mantém nas bocas do mundo, devido aos conceitos de Descobrimentos e dos novos mundos que deu ao velho mundo, como tão falado foi durante aqueles meses de 1940. A imagem do Infante não estava na capa do catálogo oficial da exposição desenhada por Eduardo Anahory, mas sim um cavaleiro e a sua montada estilizados e com uma bandeira em que se identificava imediatamente a cruz das caravelas. Uma estética que se estendia a toda a exposição e que foi muito criticada pela Sociedade Nacional de Belas-Artes.

Apesar de se tornar um dos maiores emblemas do Estado Novo, o projeto inicial da Exposição do Mundo Português nasce muito antes deste regime, em 1929 pela mão do embaixador Alberto Oliveira. Salazar adota-o em 1938 e durante os próximos dois anos tudo acontece para que se torne no evento que iria perdurar nos grandes acontecimentos do regime e fixar-se à imagem da anterior representação portuguesa em duas Exposições Internacionais que tiveram lugar em Paris em 1937 e em Nova Iorque e São Francisco em 1939.

A sua realização deve-se também a um exaustivo programa de renascimento nacional que António Ferro executava no Secretariado de Propaganda Nacional, em que a cultura se unia à política de modo a engrandecer o regime. Que estava entre os responsáveis pela execução do evento, ao secretariar a comissão nacional presidida por Alberto Oliveira, a quem reportava a comissão executiva dirigida por Júlio Dantas e a comissão especial que punha em prática a Exposição do Mundo português. Esta comissão foi comissariada por Augusto de Castro, antigo diretor do DN, o seu adjunto Sá e Melo, e nas várias áreas o arquiteto-chefe Cottinelli Telmo, o coordenador histórico Matos Sequeira, nos serviços externos José Leitão de Barros e Gomes de Amorim no ajardinamento circundante.

Quem montou a exposição

A Exposição do Mundo Português, que teve no Brasil o único país convidado, contou com vários eventos em paralelo, sempre com o objetivo de promover a História de Portugal e a afirmação do Estado Novo. Montada em dois anos, o evento reunia toda a história do país e teve centenas de artistas e especialistas de várias áreas na sua base. Segundo informação disponibilizada na Internet, a Exposição ocupou mais de 500 mil metros quadrados. A entrada principal era junto ao Mosteiro dos Jerónimos, existindo mais duas na frente marginal ao Tejo. O enquadramento arquitetónico contava baixos-relevos representando guerreiros medievais com escudos. Do outro lado da linha ferroviária, junto ao rio estava a Secção Histórica, com os pavilhões da Formação e Conquista; da Independência, do Descobrimentos, da Fundação e da Colonização. Em frente à Secção Colonial estava o Pavilhão dos Portugueses no Mundo, a Secção de Etnografia Metropolitana, onde existiam representações das Aldeias Portuguesas e áreas de Arte Popular.

O destaque ia para o Pavilhão da Honra e de Lisboa, com 150 metros de comprimento e 19 de altura, com uma torre de 50 metros, que representava o espírito da arquitetura historicista e revivalista que o Estado Novo tentava impor. Também marcava bastante presença o Pavilhão dos Portugueses no Mundo. Cottinelli Telmo e Leopoldo de Almeida foram os autores do Padrão dos Descobrimentos e do Pavilhão dos Portugueses no Mundo. Contribuíram mais 17 arquitetos, como Cristino da Silva, Porfírio Pardal Monteiro (Pavilhão dos Descobrimentos); Carlos Ramos (Pavilhão da Colonização); Veloso Reis (Pavilhão da Vida Popular); Jorge Segurado (núcleos das Aldeias Portuguesas); Raul Lino (Pavilhão do Brasil); Rodrigues Lima (3 pavilhões históricos: Pavilhão da Fundação, Pavilhão da Formação e Conquista, Pavilhão da Independência).

Na área da pintura e da escultura participaram 43 artistas: Fred Kradolfer, Bernardo Marques, Thomaz de Mello, Carlos Botelho, José Rocha, Emmerico Nunes, Paulo Ferreira. E também: Almada Negreiros, Jorge Barradas, Lino António, Martins Barata, Manuel Lapa, Sarah Afonso, Estrela Faria, Clementina Carneiro de Moura, Mily Possoz, Canto da Maia, Leopoldo de Almeida, António da Costa, Barata Feyo, Ruy Gameiro, António Duarte, Martins Correia, João Fragoso, Raul Xavier, entre outros.

As edificações da exposição foram quase todas demolidas após o fim do evento, ficando apenas o Jardim da Praça do Império, o Monumento aos Descobrimentos e o edifício onde existe atualmente o Museu de Arte Popular

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