Há uma escola antes da escolaridade se ter tornado obrigatória em Portugal e uma outra escola depois deste marco. "Tudo mudou", lembra ao DN Marta Almeida, da direção do Sindicato Nacional de Psicólogos (SNP). Nunca se falou tanto em indisciplina e violência em ambiente escolar, ainda que "os dados cientificamente objetivos não indiquem um aumento" destes casos. Atualmente, há 1200 psicólogos nas escolas, número que aumentou em 50% desde o ano letivo 2015-2016, "atingindo neste ano o valor mais elevado desde que existem psicólogos nas nossas escolas", contabiliza o Ministério da Educação - não especificando quantos destes são efetivos. Contudo, a psicóloga Marta Almeida alerta: "Continua a ser insuficiente.".O ano que agora terminou ficou marcado por vários casos de agressões, como o aluno de 14 anos em Linda-a-Velha que agrediu à cabeçada a professora, a que foi atacada à porta da escola no Porto ou até mesmo o estudante de 12 anos que pontapeou um docente. A discussão estava aberta. O Ministério da Educação diz tratarem-se de "casos pontuais", mas o Sindicato de Todos os Professores (S.T.O.P.) está preocupado com o ambiente que se vive nas escolas. Em outubro, convocou inclusive duas semanas de greve contra a violência nas escolas, levando o governo a admitir tornar as agressões a professores um crime público..Um cenário que tem justificado a necessidade da classe docente em procurar "cada vez mais" um "trabalho multidisciplinar", em parceria com os psicólogos escolares, explica a psicóloga Marta Almeida. Não porque os alunos chegam com mais dificuldades de aprendizagem e com mais problemas mentais, mas sim "porque as exigências da escola atual são diferentes, as metodologias e a diversidade de áreas de atuação dos docentes também", por isso, "os professores recorrem a outros técnicos para ajudarem no seu trabalho". "Mas quando há um psicólogo para um agrupamento de escolas isto torna-se mais complicado de concretizar", alerta..Lei não prevê necessidades.O início da década de 1990 parecia trazer mudanças radicais na forma como se encarava a presença dos psicólogos no contexto escolar e uma era de ouro para esta classe, com a implementação de um decreto-lei que propôs a criação dos serviços de psicologia e orientação nos estabelecimentos de ensino públicos, em 1991. Contudo, em seis anos o ciclo de mudança estagnou: "desde 1997 que nunca mais abriu nenhum lugar para a carreira de psicólogo escolar", conta Marta Almeida. Os que foram sendo preenchidos, acrescenta, eram provenientes de "projetos europeus ou outro tipo de contratação - nomeadamente, mais recentemente, através da bolsa de contratação docente"..Certo é que, aos olhos da lei, as escolas não estão obrigadas a garantir estes técnicos. Em várias escolas do país, aliás, "não há sequer um psicólogo" e "a cada ano letivo avalia-se se os serviços de psicologia são sequer considerados ou não uma necessidade". De acordo com a tutela, para quem o reforço desta equipa técnica nas escolas foi apontado como um dos objetivos da legislatura, o que hoje existe é uma "média de um psicólogo por agrupamento". No entanto, "para se fazer um bom trabalho preventivo em todos os ciclos, o que existe é insuficiente", acrescenta Marta Almeida.."Há falta de psicólogos, não há dúvida nenhuma." Em 2017, aliás, a Ordem dos Psicólogos contabilizava que estariam em falta pelo menos 500. E os que existem não encontram as melhores condições de trabalho", diz o membro da direção do SNP. Entram a contratos de um ano, o que "traz outros problemas": "Não conseguem cumprir o seu trabalho de forma eficaz e ser os melhores profissionais que a comunidade escolar precisa, porque não têm o seu trabalho estabilizado.".Atualmente, "está a decorrer um processo de regulamentação destes contratos, através do PREVPAP [o Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública]" e "que se espera que esteja na fase final". O processo "fará que muitos dos profissionais que já estavam nas escolas fiquem efetivos, deixando de necessitar de concorrer todos os anos, às vezes até para a mesma escola onde já estão", lembra, "mas ainda há muitas situações que ficarão de fora"..Para fazer face às necessidades, o governo lançou concursos para a contratação de psicólogos, através do Programa Operacional Capital Humano (POCH), financiados por fundos comunitários. Numa primeira fase, 200 profissionais, aumentando o rácio de um para 1700 alunos, para um para 1100. Numa segunda, 100, previstos para o ano letivo 2018-2019, mas entretanto adiados por mais um (2019-2020). A medida aumentaria para 300 o número de psicólogos sob contratos financiados com verbas comunitárias, mas nem o Ministério da Educação nem o POCH adiantam se a medida conseguiu avançar neste ano letivo, como previsto..O Sindicato Nacional de Psicólogos não vê a iniciativa com bons olhos. "Esta é uma solução que nós nunca defendemos. A contratação a fundos europeus é uma contratação que tem um fim e nós defendemos a efetivação nas escolas, um verdadeiro concurso nacional, que afinal custaria uma ninharia ao governo", diz Marta Almeida. A psicóloga acrescenta que se trata de "uma solução temporária que agrava o problema da instabilidade" na profissão. O ideal, reforça, seria "haver um psicólogo por cada escola", a tempo inteiro e efetivo..Psicólogos tornam escolas mais inclusivas."Longe vão os tempos em que ir para a escola era só para aprender a escrever e a contar. A escola forma cidadãos e o psicólogo é uma ferramenta fundamental para trabalhar a cidadania dos alunos", remata o membro do Sindicato Nacional de Psicólogos (SNP)..Foi em julho de 2018 que as novas normas sobre a Educação Inclusiva, que vieram substituir a anterior lei da Educação Especial, deram entrada nas escolas do país. Num documento divulgado pela Federação Nacional de Educação (FNE), em dezembro, quase 30% dos estabelecimentos de ensino admitiam não estar a aplicar a lei, em parte devido à falta de preparação para as mudanças legislativas. Perto de 71% dos agrupamentos participantes consideram mesmo não ter recursos humanos necessários para seguir o novo diploma. A consulta nacional feita durante este último ano vem provar que "é preciso uma mudança de paradigma", disse ao DN o secretário-geral da FNE, João Dias da Silva..Marta Almeida não tem dúvidas de que esta missão passa também pela sua classe profissional. Com a implementação da escolaridade obrigatória, a escola passou a ser também de "alunos que de outra forma nunca lá estariam", lembra. O que trouxe "um desafio enorme para a escola", que deve responder a todos, mesmo "as crianças com graves dificuldades de aprendizagem e com várias problemáticas a nível comportamental".."Hoje em dia o mercado de trabalho está tão diversificado que é preciso realmente haver uma aposta na compreensão daquilo que é o objetivo de vida e de carreira dos alunos. É preciso entender quais são as técnicas, além daquelas que se estudam, e que competências pessoais e sociais possuem e devem desenvolver. Hoje, todos têm de estar na escola e é preciso contribuir para uma escola onde todos queiram estar", diz. Neste puzzle, a psicologia pode ser uma peça-chave. "O psicólogo é um técnico que trabalha para o bem-estar individual e coletivo, para a harmonia da comunidade escolar, onde todos se devem sentir incluídos."