A empresa suíça que a CIA e a secreta alemã usaram para espiar o mundo
Durante décadas, a CIA e os serviços secretos alemães espiaram as comunicações secretas de governos um pouco por todo o mundo. O seu cavalo de Troia? A empresa suíça de encriptação Crypto AG que desde os tempos da Guerra Fria até aos anos 2000 forneceu a mais de 120 países, entre eles Portugal, aparelhos para encriptarem as comunicações mais delicadas.
Através do chamado "golpe do século", durante "mais de meio século, governos de todo o mundo confiaram numa única empresa para manter em segredo as comunicações dos seus espiões, militares e diplomatas", escreveu o The Washington Post, que revelou o escândalo com base numa investigação conduzida também pela televisão alemã ZDF e a estação suíça SRF.
Entre os clientes Crypto AG constavam "o Irão, juntas militares na América Latina, os rivais nucleares Índia e Paquistão e até o Vaticano". Rússia e China nunca confiaram nas máquinas que convertem dados em códigos e por isso nunca as usaram.
Segundo os três media em causa, a Crypto AG foi comprada secretamente em 1970 pela CIA, a agência secreta norte-americana, no âmbito de uma "parceria altamente confidencial" com a sua congénere alemã BND.
O serviço alemão foi desativado no início da década de 1990 e a CIA vendeu a Crypto AG em 2018. A hoje sueca Crypto International garantiu não ter qualquer ligação nem com a CIA nem com a BND e mostrou-se bastante preocupada com as notícias do escândalo.
Foi nos anos 1940 que Boris Hagelin, um sueco nascido na Rússia inventou uma máquina de encriptação portátil quando estava a fugir da Noruega sob ocupação nazi para os Estados Unidos. Investidor na empresa sueca AB Cryptoteknik desde os anos 20, conseguiu um contrato com as forças armadas americanas para que a sua invenção, pequena o suficiente para ser usada no terreno, fosse fornecida a 140 mil tropas americanas durante a II Guerra Mundial.
Terminado o conflito e já dono da empresa agora chamada Crypto AG, Hagelin mudou-se para a Suíça mas não deixou de trabalhar na sua invenção. A sua tecnologia tornou-se tão avançada que o Governo dos EUA começou a ficar preocupado que pudesse impedi-lo de espiar outros governos. Para evitar que tal acontecesse, o criptoanalista americano William Friedman conseguiu convencer Hagelin a vender as suas máquinas mais avançadas apenas a países aprovados pelos EUA. As mais antigas, cujos códigos os americanos sabiam decifrar, foram vendidas a outros países.
Nos anos 70, os EUA e a Alemanha compararam em segredo a Crypto AG, passando a controlar todas as suas operações.
Hagelin morreria em 1983.
A revelação deste escândalo veio gerar desconforto na Suíça. "A nossa reputação está em estilhaços", afirmou à BBC um jornalista político que não quis ser identificado. "A nossa neutralidade é uma hipocrisia", admitiu.
Orgulhosa de uma tradição de neutralidade que a levou a só aderir à ONU em 2002, a Suíça há muito convivia com os rumores em torno da Crypto AG. E o facto de o governo helvético ser um dos poucos que recebeu uma das máquinas cujo código os EUA e a Alemanha não conseguiam decifrar parace provar que este tinha conhecimento da espionagem em curso.
Entretanto o Parlamento suíço já anunciou a abertura de um inquérito a este caso, cujo objetivo principal é saber até que ponto as autoridades helvéticas foram coniventes.