Um ano depois de ter sido uma de oito mulheres que acusaram Joe Biden de comportamento inapropriado, dizendo que ele lhe tinha massajado os ombros e brincado com o seu cabelo de forma indesejada, Tara Reade foi agora mais longe: acusou o ex-vice-presidente norte-americano de abuso sexual. Os alegados factos remontam à primavera de 1993, quando ela trabalhava no gabinete do então senador do Delaware..A campanha de Biden, que após a desistência de Bernie Sanders é o único na corrida à nomeação democrata à Casa Branca, nega tudo. "Esta acusação é falsa. Isto não aconteceu", indicou num comunicado a diretora de comunicações, Kate Bedingfield, lembrando que, ao longo da sua carreira, Biden, de 77 anos, tem procurado "mudar a cultura e as leis em torno da violência contra as mulheres"..As denúncias de Tara Reade foram feitas em várias entrevistas, incluindo ao The New York Times , ao The Washington Post e à agência AP. Mas surgiram primeiro há cerca de três semanas num podcast de Katie Halper, uma apoiante de Sanders, numa altura em que este estava a perder terreno para Biden..A denúncia.Reade, atualmente com 56 anos, alegou nas várias entrevistas que o abuso ocorreu quando um assessor de Biden lhe pediu que fosse entregar o saco do ginásio ao senador, quando este estava a caminho do ginásio do Senado..Biden terá então empurrado Reade contra uma parede na cave do edifício no Capitólio, começou a beijá-la e a apalpá-la, acabando por meter a mão debaixo da sua saia e penetrá-la com os dedos..De acordo com o relato, Biden perguntou se Reade queria ir a algum lado, mas ela afastou-o. Isso terá apanhado o senador de surpresa, que alegou que pensava que ela gostava dele. "Tu não és nada para mim, nada", terá Biden dito depois, apertando-lhe os ombros e acrescentando. "Estás OK, está tudo bem.".Reade falou a vários membros da equipa de Biden sobre o assédio de que era alvo, mas não especificamente sobre o ataque. Quando estes ignoraram, apresentou queixa no Senado contra Biden - a queixa não foi encontrada pelos jornalistas que investigaram a história..Depois do alegado ataque, certas funções foram sendo retiradas a Reade (incluindo supervisionar os estagiários), ela foi colocada num gabinete sem janelas e, mais tarde, um dos assessores de Biden disse que ela não era a pessoa certa para aquele emprego e deu-lhe um mês para procurar outro trabalho..Ao The New York Times, Reade contou que foi Ted Kaufmann, o chefe de gabinete de Biden, a ter essa conversa, enquanto à AP alegou que foi Dennis Toner, o vice de Kaufmann a afastá-la. Nenhum deles diz lembrar-se da acusação. "Eu iria lembrar-me de uma coisa destas se alguma vez tivesse acontecido", contou Toner, que trabalhou durante mais de três décadas com Biden, ao The Washington Post..Na quinta-feira, Reade apresentou queixa na polícia em Washington, alegando ter sido vítima de abuso sexual em 1993, mas sem dar o nome de Biden..Testemunhas.Reade foi uma de oito mulheres que, no ano passado, antes de Biden anunciar a candidatura à presidência, revelaram que o ex-vice-presidente as tinha feito sentir desconfortáveis com mostras de afeto físicas inapropriadas..Na altura, Biden admitiu que "as normas sociais estão a mudar" e que ele precisava "ouvir o que as mulheres estão a dizer" e "ser mais respeitoso do espaço pessoal no futuro". Foi um admitir da culpa, sem contudo pedir desculpas..Diante das novas denúncias de Reade, os jornalistas questionaram o porquê de Reade não ter feito a revelação logo no ano passado. Ela contou que não teve coragem para falar do ataque na altura, não tinha palavras para o descrever, mas que com o passar do tempo soube que tinha de revelar tudo..Os jornalistas procuraram entrar em contacto com as pessoas a quem ela terá contado na altura os factos - a sua mãe, que morreu em 2016, ao irmão e a pelo menos uma amiga. Esta confirmou ao The New York Times a história, mas recusou ser identificada..Segundo o The Washington Post, o irmão disse que ela lhe tinha contado de Biden lhe ter tocado no pescoço e, dias depois, confirmou que ela também lhe tinha contado que o então senador tinha posto a mão por debaixo das suas roupas. Uma segunda amiga terá sabido do caso em 2008, mas também não quis dar o nome ao The New York Times..Reade trabalhou para o senador entre dezembro de 1992 e agosto de 1993, mas dois estagiários contaram ao The Washington Post que se lembram de ela ter deixado de os supervisionar de repente em abril, mas não sabiam em que circunstâncias tal tinha acontecido..Abril é o mês para chamar a atenção para a violência sexual e Tara Reade publicou no seu Twitter uma foto sua de 1993, ano em que alega ter sido atacada por Biden..Críticas aos media.As novas denúncias feitas por Reade não apareceram, durante quase três semanas, nos grandes jornais. O filho do presidente norte-americano chamou a atenção precisamente para esse facto, na véspera de o The New York Times publicar a sua investigação, acusando estes jornais de serem pagos pelo Partido Democrata..Outros críticos lembraram que, em pleno escândalo com o juiz Brett Kavanaugh, quando ele estava a ser ouvido no Senado para assumir uma posição no Supremo Tribunal, esses mesmos jornais não tiveram problemas em publicar as denúncias de várias mulheres contra ele, sem mais investigação, acrescentando a referência que não tinham podido comprovar independentemente as acusações..O The New York Times defendeu-se das acusações num segundo artigo, com o diretor Dean Baquet a alegar que a história de Kavanaugh estava a acontecer naquele momento, enquanto no caso de Biden havia tempo para investigar e dar aos leitores todos os factos para eles poderem decidir se Biden é ou não culpado das acusações..Questionado sobre uma frase que foi editada do artigo online, mas que aparecia na versão em papel, Baquet admitiu que a cortou por a campanha de Biden a ter considerado estranha e porque podia parecer que estavam a dizer uma coisa que não estavam. Em causa a frase "O The Times não encontrou qualquer padrão de má conduta sexual de Biden, além dos abraços, beijos e toques que as mulheres disseram anteriormente que as deixavam desconfortáveis." Na versão online, esta frase termina em Biden..O The Washington Post admitiu logo no artigo inicial que estava a investigar a história há três semanas..As primeiras presidenciais do #MeToo.As presidenciais de novembro nos EUA serão as primeiras do movimento #MeToo, que nasceu depois de o produtor Harvey Weinstein ter sido acusado por várias mulheres de abusos sexuais e de milhares de mulheres terem vindo a público admitir que também elas tinham sido alvo de abusos por parte de homens poderosos, seja do setor das artes, seja da política..No passado, as acusações de teor sexual contra políticos não fizeram mossa: apesar de ter sido alvo de um processo de impeachment por ter mentido na justiça sobre a sua relação com a estagiária da Casa Branca Monica Lewinsky, Bill Clinton tinha então a sua aprovação recorde (73%), saindo da presidência com uma aprovação de 66% - o valor mais elevado de qualquer presidente..Da mesma forma, apesar de todas as denúncias contra Donald Trump, estas não tiveram um impacto na sua campanha presidencial. O presidente já foi acusado de abusos e de tocar em várias mulheres sem o seu consentimento, o que ele nega..Durante a campanha, foi forçado a pedir desculpas depois de ser conhecido um vídeo em que se vangloriava de usar a sua fama para atacar mulheres. Trump também terá alegadamente pago a uma atriz pornográfica para que ficasse calada sobre a relação que ambos teriam tido..Agora, democratas e feministas estão a ser acusadas de hipocrisia por não acreditarem nos relatos de Reade, quando no passado aproveitavam qualquer oportunidade para atacar Trump e outros..As acusações contra Reade surgem num momento-chave para Biden, que está a tentar unir o Partido Democrata em torno da sua candidatura, depois de Sanders ter desistido. Nesta segunda-feira, o senador do Vermont apoiou Biden publicamente e, já na terça-feira, foi a vez do ex-presidente Barack Obama fazer o mesmo..O voto das mulheres é essencial para os democratas e qualquer aspeto que possa pôr esse voto em causa pode ser um desastre para Biden, que já não está numa posição fácil ao candidatar-se contra Trump.