"A construção de uma Europa resiliente às catástrofes é uma necessidade que não podemos adiar"
Quais as lições que a COVID-19 ensinou à Europa em termos de preparação face a emergências sanitárias?
De uma forma ou de outra, a pandemia mundial de COVID-19 apanhou-nos a todos de surpresa. Nenhum Estado no mundo, independentemente do seu nível de desenvolvimento, estava preparado para enfrentar uma emergência sanitária desta complexidade. Mas, principalmente, uma pandemia mundial desta natureza aumentou significativamente a sensibilização para o facto de poderem ocorrer acontecimentos e catástrofes com vastos impactos transfronteiras, afetando, simultaneamente, várias populações e zonas. Uma das principais lições foi também o facto de precisarmos de estar mais bem preparados no domínio das grandes e complexas ameaças sanitárias, reforçando não só os nossos sistemas nacionais de saúde, mas também a nível da União Europeia, apoiando uma melhor coordenação em toda a União e colmatando as lacunas identificadas em matéria de prospetiva, incluindo as dimensões da oferta e da procura e os instrumentos de preparação e resposta.
Neste contexto, propusemos a criação da Autoridade Europeia de Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias, a HERA, como elemento fulcral para reforçar a União Europeia da Saúde, a fim de melhorar a preparação e a capacidade de resposta da UE a ameaças sanitárias transfronteiras graves e permitindo a rápida disponibilidade, acesso e distribuição das contramedidas necessárias.
Quais são os principais riscos que a Europa enfrenta atualmente?
Em toda a Europa, estamos a assistir a um cenário de risco de catástrofes cada vez mais complexo e em constante evolução: desde acontecimentos naturais, nomeadamente terramotos, inundações, incêndios florestais e epidemias, até aos incidentes de origem humana, como os ataques terroristas ou os apagões generalizados. A pandemia apenas colocou em evidência esta realidade, tornando-a dolorosamente óbvia. Infelizmente, os esforços envidados revelam-se, com demasiada frequência, pouco lestos, insuficientes ou simplesmente ultrapassados pelos acontecimentos.
Os países da União Europeia e a União, enquanto tal, ainda não estão suficientemente preparados para enfrentar este tipo de desafios. É por esta razão que a construção de uma Europa resiliente às catástrofes constitui uma necessidade que já não nos podemos dar ao luxo de adiar. Para o efeito, é necessário, em primeiro lugar, desenvolver o nosso planeamento dos riscos de catástrofes e reforçar o nosso processo de gestão dos riscos. Temos também de assegurar a criação das adequadas estruturas resilientes e a disponibilização dos instrumentos apropriados.
Anualmente, quanto custam as catástrofes naturais à economia europeia? Os danos são mensuráveis?
A avaliação sistemática das perdas resultantes de desastres e do impacto económico das catástrofes naturais faz parte do nosso trabalho, no âmbito do chamado Quadro de Sendai para a Redução dos Riscos de Catástrofe, um quadro global já enraizado que sustenta os objetivos deste Fórum.
Se olharmos apenas para o nosso continente, constatamos que, entre 1980 e 2020, as catástrofes naturais afetaram quase 50 milhões de pessoas na Europa e causaram prejuízos económicos de cerca de 12 mil milhões de euros por ano, em média. Este valor é, no entanto, uma estimativa prudente da Agência Europeia do Ambiente, uma vez que apenas tem em conta as catástrofes hidrometeorológicas e climáticas. Um novo estudo conjunto da Comissão Europeia e do Banco Mundial revela que o impacto potencial de uma inundação ou de um sismo pode, por si só (sem ter em conta outros perigos), atingir 17 % do PIB em alguns países da União Europeia.
Note-se ainda que, todos os anos, a nível da UE, existe uma probabilidade de 10 % de que um terramoto e uma inundação sejam suficientemente graves para esgotar todos os fundos de contingência nacionais e da União Europeia, incluindo o nosso Fundo de Solidariedade. Neste contexto, para termos uma Europa mais resiliente, precisamos de intensificar a prevenção e os investimentos de adaptação às alterações climáticas, desenvolver instrumentos de resiliência financeira e continuar a incrementar a capacidade técnica das nossas autoridades de proteção civil.
DestaquedestaqueEntre 1980 e 2020, as catástrofes naturais afetaram quase 50 milhões de pessoas na Europa e causaram prejuízos económicos de cerca de 12 mil milhões de euros por ano, em média
As alterações climáticas são talvez a principal ameaça neste momento. Teremos de nos habituar a uma Europa com mais incêndios, secas e inundações após chuvas fortes, como se viu na Europa Central no ano passado?
Atualmente, as perturbações climáticas já estão a ocorrer em todo o mundo, com fenómenos meteorológicos cada vez mais graves e extremos. As inundações e incêndios florestais que, este verão, afetaram o nosso continente deveriam ser suficientes para que todos compreendessem, inequivocamente, que o impacto das alterações climáticas é tangível, está próximo das nossas casas e é devastadoramente perturbador. Com efeito, se não atuarmos todos rapidamente e com os mesmos objetivos ambiciosos, a crise climática tornar-se-á completamente incontrolável, também na Europa.
É claro que não há uma «panaceia universal» contra estas crises, mas podemos - e devemos - promover a prevenção, a preparação e a redução do risco de catástrofes. A nível da União Europeia, continuaremos a reforçar o Mecanismo de Proteção Civil da UE para torná-lo orientado para o futuro, melhorando, por exemplo, o planeamento de cenários e os sistemas de alerta precoce, reforçando as capacidades de resposta, entre outros. Em conjunto com os Estados-Membros, estamos também a preparar os objetivos de resiliência a nível da União Europeia. Deste modo, estamos a criar uma bússola europeia para orientar os nossos esforços em matéria de prevenção e preparação, especialmente no que diz respeito às ameaças transfronteiras em grande escala.
Fundamentalmente, a União Europeia continuará, orientada pelo Pacto Ecológico Europeu, a preparar o caminho para um futuro resiliente e com impacto neutro no clima, para todos. É por esta razão que a nossa agenda climática ambiciosa permanecerá no centro dos nossos esforços no sentido de reduzir o aquecimento global e, consequentemente, evitar, na medida do possível, futuros impactos climáticos indesejados. Paralelamente, teremos de continuar a reforçar a adaptação e a redução do risco de catástrofes, promover soluções baseadas na natureza e, em geral, proteger o nosso ambiente.
DestaquedestaqueAs inundações e incêndios florestais que, este verão, afetaram o nosso continente deveriam ser suficientes para que todos compreendessem, inequivocamente, que o impacto das alterações climáticas é tangível, está próximo das nossas casas e é devastadoramente perturbador
A este respeito (ameaça das alterações climáticas), as conclusões da Cimeira do Clima COP26 foram dececionantes?
Como é do vosso conhecimento, a Comissão Europeia apoiou o consenso alcançado por mais de 190 países após duas semanas de intensas negociações. Permitam-me que repita, mais de 190 países! Os acordos com tantas partes refletem, natural e inevitavelmente, um equilíbrio entre os interesses de todos. Não obstante, não deve ser ignorado, nem mesmo subestimado, o facto de a COP26 ter mantido vivos os objetivos de Paris, conferindo à comunidade mundial a possibilidade de limitar significativamente o aquecimento global. Também conseguimos alcançar uma meta importante de 100 mil milhões de dólares por ano de financiamento para o combate às alterações climáticas nos países em desenvolvimento e nos países vulneráveis. No entanto, a COP26 deve ter deixado claro que o tempo está a esgotar-se e que há um trabalho árduo pela frente para todos.
A crescente crise dos migrantes é, mais uma vez, um fator de tensão na Europa. Como pode o continente lidar com a enorme pressão migratória e que recomendações espera ver aprovadas a este respeito durante este Fórum?
Este Fórum reúne vários Estados, não só da Europa, mas também de alguns países vizinhos, bem como partes interessadas e parceiros públicos e privados a todos os níveis de governação, no âmbito do tema «A Prevenção Salva Vidas». Neste contexto, incluindo o rescaldo da COP26, procuramos dar destaque aos impactos das alterações climáticas e apelamos a que todos envidem mais esforços a todos os níveis na redução do risco de catástrofes e na adaptação às alterações climáticas.
No entanto, gostaria de salientar que a crise climática é já uma realidade e que, de facto, já afeta algumas partes do globo, na medida em que um número crescente de pessoas não consegue viver nessas zonas devido à grave degradação ambiental e às condições climáticas inadequadas para a sobrevivência dos seres humanos. A este respeito, até à data, as regiões afetadas estão, na sua maioria, entre as menos desenvolvidas do mundo, e as pessoas veem-se obrigadas a abandonar as suas casas para tentar ganhar a vida noutros locais. Tendo em conta as descobertas científicas, com cada grau de aquecimento, o mundo enfrenta riscos de catástrofes mais complexos. Os esforços de combate insuficientes ou demasiado lentos em todo o mundo irão provavelmente agravar ainda mais as dificuldades já sentidas pelos mais vulneráveis. É razoável esperar que esta realidade também venha a aumentar a pressão migratória sobre a Europa num futuro próximo e longínquo.
Por um lado, a Comissão Europeia considera que os governos dos países da União, no Conselho da União Europeia, devem, finalmente, chegar a acordo sobre um Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo, a fim de gerir melhor a migração na Europa de forma coletiva e com um espírito de solidariedade. Por outro lado, e a par de uma cooperação para o desenvolvimento sensível aos aspetos climáticos, existem certamente esforços adicionais que nós, como UE, podemos desde logo envidar para ajudar a reduzir a necessidade existencial de deslocação e migração das pessoas. O clima não conhece fronteiras.
Destaquedestaquea Comissão Europeia considera que os governos dos países da União, no Conselho da União Europeia, devem, finalmente, chegar a acordo sobre um Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo, a fim de gerir melhor a migração na Europa de forma coletiva e com um espírito de solidariedade
Neste sentido, com a Europa a fazer a sua quota-parte e a reduzir a sua pegada de carbono, sob a égide do Pacto Ecológico Europeu, podemos fazer muito, especialmente através da promoção de uma gestão dos riscos de catástrofes proativa, fora da Europa. O investimento na preparação para catástrofes e na sua prevenção permite não só salvar vidas, como também meios de subsistência, preservando as infraestruturas e as condições de vida, sobretudo para as populações menos favorecidas. Neste contexto, a promoção da preparação para catástrofes e a sua prevenção pelos mais vulneráveis não devem ser subestimadas, antes pelo contrário.
De um modo geral, quais os resultados esperados deste Fórum?
Espero que o Fórum se baseie nos resultados da Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, que teve lugar em Glasgow. Tal implica, concretamente, a elaboração de um plano realista, mas ainda assim ambicioso, para cumprir os objetivos globais já acordados do Quadro de Sendai para a Redução dos Riscos de Catástrofe até 2030, colocando a adaptação às alterações climáticas, a prevenção de catástrofes e a solidariedade como prioridade.
Em Glasgow, o mundo reconheceu a urgência do desafio colocado pela crise climática. Com a tinta ainda fresca no Pacto de Glasgow sobre o Clima, gostaria de ver o Fórum como um espaço para galvanizar a ação internacional, partilhar as melhores práticas e as lições aprendidas e, sobretudo, chegar a acordo quanto às próximas etapas e compromissos concretos para reforçar a resiliência do nosso planeta e «reconstruir melhor».
rui.frias@dn.pt
Esta entrevista é publicada, em formato mais reduzido, na edição impressa do Diário de Notícias de 25 de novembro de 2021