As notícias dos últimos dias têm sido preocupantes, mas a verdadeira catástrofe chegou ao restaurante 1001 Noites com a notícia do avião que caiu em Teerão matando 176 pessoas. Três delas eram a irmã, o cunhado e o sobrinho de uma das cozinheiras. "Foi muito triste. Nem sabemos o que dizer. Ela e o marido, que também trabalha aqui, ficaram devastados", conta Sajjad Nazidizaj, o dono do restaurante iraniano que fica perto da Avenida de Roma, em Lisboa. "Isto passará também" - esta é uma das frases, escritas em persa, que Sajjad Nazidizaj tem penduradas na parede do seu restaurante. "As coisas más vão passar. As boas também. Tudo passa, nada se mantém para sempre, temos de nos lembrar sempre disto", diz, explicando o conhecido adágio persa..Sajjad tem 40 anos e nasceu em Jolfa, no extremo norte do Irão. Aponta o local no mapa, também ele emoldurado. Mais ao centro está a cidade de Teerão, onde estudou Arquitetura, a zona de Bandar Bushehr, na costa do sul, onde trabalhou, a região verdejante de Rasht, no norte, onde deu aulas. "E aqui no meio, o grande deserto. As pessoas pensam que o Irão é só deserto mas é um país muito grande, com regiões muito diferentes", garante. Em 2012, Sajjad Nazidizaj veio para Lisboa para fazer o doutoramento no Instituto Superior Técnico e acabou por ficar por cá. Primeiro, quis trabalhar como arquiteto, mas não correu muito bem. Tornou-se, então, empregado de mesa. E depois decidiu abrir seu próprio negócio. Inaugurado em 2017 e com o nome do mais famoso livro da literatura persa, o 1001 Noites é um dos poucos restaurantes iranianos em Lisboa..Em Portugal, de acordo com os números oficiais do SEF - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, moram apenas 838 iranianos, dos quais 322 estão em Lisboa e 106 no Porto. Aveiro, Braga e Faro têm menos de 90 iranianos cada. "É uma comunidade pequena, logo é difícil encontrar bons cozinheiros iranianos", lamenta-se Sajjad. E também é difícil ter clientes. "Temos sempre alguns iranianos e também pessoas que já foram ao Irão e que vêm à procura de reconhecer algum sabor do Irão." Por exemplo, o sabor do alho, que é um dos ingredientes que os iranianos mais usam, explica Sajjad. A salada de tomate que não pode faltar em nenhuma mesa iraniana. O açafrão, inevitavelmente: "O açafrão persa é a segunda especiaria mais cara do mundo: um quilo custa quatro mil euros." E o chá, claro. "No menu diz chá preto, mas para mim é simplesmente chá. Nós bebemos chá a toda a hora", conta. "Vocês aqui bebem café, mas nós bebemos chá.".Nem todos os sabores do Irão são fáceis de apreciar, admite Sajjad. "No Irão toda a gente come cordeiro, é a nossa carne preferida. Aqui, o cordeiro é difícil de encontrar, é caro e os nossos clientes portugueses não comem. Por isso temos cordeiro, mas também temos vaca e frango", explica o dono do 1001 Noites, falando numa mistura de português e inglês. Ou então o dough, uma bebida feita de iogurte, sal e menta. "Eu adoro. Mas os clientes pedem para provar e poucos gostam. Para vocês é muito estranho porque é azedo e salgado", ri-se Sajjad. Apesar disso, ele não prescinde de ter dough no seu restaurante. "É difícil explicar isto, mas é um sabor a que eu estou habituado desde criança, é uma bebida muito saudável, é muito melhor do que beber refrigerantes porque não tem açúcar." E, ao contrário do que acontece no Irão, no restaurante 1001 Noites pode-se beber álcool, conta, sorrindo, Sajjad Nazidizaj..Além da comida, das frases persas penduradas na parede e da música tradicional que acompanha a refeição, Sajjad tentou trazer vários bocadinhos do Irão para esta sala de jantar: um grande tapete vermelho no chão (um tapete persa, diríamos nós, para ele é só um tapete), as toalhas de mesa de padrões e cores tradicionais, as louças de Mira Kavi, um "samovar" onde tradicionalmente se fazia o chá, pinturas e fotografias das cidades, dos bazares e dos jardins, para ir matando saudades: "Nos últimos 200 anos, a arquitetura iraniana tornou-se muito criativa. Foram encontradas soluções para levar a água, em canais, para as quintas. E também para construir casas que são frescas, apesar de as temperaturas serem muito elevadas", conta. O arquiteto Sajjad não tem saudades da comida iraniana, que come todos os dias, mas tem seguramente saudades das casas..Aqui foi produzida a primeira Declaração dos Direitos Humanos.Se tivesse de eleger as coisas melhores que o Irão tem e que os portugueses deveriam conhecer, Said Jalali também colocaria entre elas a comida: "Somos muitos orgulhosos da nossa cozinha e dos nossos sabores. É uma comida muito saudável. Gostamos muito de borrego, que fazemos sobretudo no kebab, que é um churrasco, e comemos com arroz. O arroz persa é feito de uma maneira especial, fica solto, uma pessoa quase pode contar os bagos. E depois os vegetais, a curgete, a beringela, as lentilhas, as ervas aromáticas...".Este engenheiro civil iraniano veio para Portugal em 1972, trabalhou nas obras de Troia, deu aulas na Universidade do Minho e vive atualmente em Braga, com a mulher, também ela iraniana. "Quando chegámos a Portugal havia menos de 20 iranianos", recorda. "Mas apesar disso nós sentimo-nos imediatamente em casa, mesmo quando ainda não sabíamos falar português, nunca nos sentimos estrangeiros." A família de Said Jalali pertence à comunidade bahá'i (uma minoria religiosa) e, por esse motivo, desde 1979, quando aconteceu a Revolução, o casal nunca mais voltou ao seu país. "Íamos sempre passar férias lá mas desde então temos medo de ser presos. A comunidade bahá'i tem sido perseguida pelo regime, sem qualquer justificação", lamenta. "Tenho saudades dos nossos familiares e amigos e gostava de ver os lugares onde cresci. Mas o que gostava mesmo era de poder levar lá os meus dois filhos e os meus quatro netos. Tenho muita pena de não o poder fazer.".Apesar dessa tristeza, Said Jalali tem muito orgulho na história do seu país: "O Irão tem uma história muito rica e deu uma grande contribuição para o progresso da humanidade em tempos diversos desde há 2500 anos. Por exemplo, nem toda a gente sabe que foi o rei Ciro o responsável pela primeira Declaração dos Direitos do Homem, que ainda é muito atual e muito parecida com a Carta dos Direitos Humanos da ONU", diz, referindo-se ao Cilindro de Ciro, gravado depois da conquista da Babilónia, em 539 a.C, e atualmente exposto no Museu Britânico, em Londres. "Toda a gente devia conhecer este texto, incluindo os próprios iranianos, uma vez que o regime não está efetivamente a respeitar os direitos de todas as pessoas que vivem no Irão", comenta o professor Jalali.."Não posso deixar de ver estes acontecimentos com muita preocupação", diz Said Jalali, sobre a crise Irão-EUA. "Fico muito triste, principalmente pelo povo, porque as pessoas devem passar por muitas dificuldades."."O conhecimento é a chave para tudo"."História, cultura, amabilidade, hospitalidade." É com estas quatro palavras que Sépideh Radfar descreve o seu país, o Irão. "É um país com uma longa história, uma civilização muito antiga." E é uma pena, diz, que as pessoas que veem as notícias na televisão e que passam tantas horas a ouvir falar de armamento nuclear e de mísseis não conheçam como é, na verdade, o Irão. "Apenas uma pequena percentagem de portugueses, uma elite intelectual, é que sabe isto." Nessa elite incluem-se algumas pessoas mais velhas, que estudaram a história da Pérsia na escola, e talvez um grupo de pessoas mais novas que nos últimos anos têm viajado ao Irão: "Ultimamente há muita procura, as pessoas estão a descobrir que o país não é o que se diz, que essa imagem de agressividade e de intolerância não corresponde à realidade.".Na verdade, diz esta professora de Persa e diretora do Centro de Iranologia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, "o Irão é um país extremamente seguro, as pessoas são muito simpáticas e hospitaleiras, são muito parecidas com os portugueses. Vou lá umas duas vezes por ano e de cada vez sou tocada pela delicadeza, pela franqueza, pela simpatia de todas as pessoas, seja na conversa com o motorista de táxi ou com o dono de uma mercearia. É um país maravilhoso. Se as pessoas conhecerem o Irão, se lerem a nossa poesia, se provarem a gastronomia, se conhecerem a nossa história, vão perceber o país. O conhecimento é a chave para tudo", diz.."É um país muito poético, onde os jovens, para fazerem cortesia a uma mulher, ainda fazem poesia. E todos conhecem os grande poetas, como Hafez ou Khayyam", garante Sépideh Radfar, que mora em Portugal desde o final dos anos 1990, depois de ter sido casada com um português. "Talvez por isso é que as pessoas ficaram tão ofendidas quando Trump ameaçou os locais da cultura iraniana, uma barbaridade dessas só pode vir de uma pessoa que não conhece a história do Irão", declara. "Claro que fiquei a noite toda a ver as notícias. Sou filha de um pai militar e vivi a guerra Irão-Iraque, não desejo a guerra a ninguém. Além disso tenho a minha mãe e muitos amigos em Teerão, é o meu país e só espero que tudo corra bem", deseja Sépideh. "O melhor caminho é sempre o diálogo."