Stephen Smith, especialista norte-americano em estudos africanos, é professor na Universidade Duke na Carolina do Norte e professor assistente na Johns Hopkins School of Advanced International Studies em Washington DC..Ex-editor adjunto na secção de Internacional do Le Monde e editor a secção África no Libération, trabalhou como correspondente da agência Reuters e da Radio France International na África Central e Ocidental..Consultor das Nações Unidas e de ONG como o International Crisis Group, doutorado pela Universidade Livre de Berlim, o académico, natural do Connecticut, é autor e coautor de 16 livros. Entre eles está La Ruée vers L'Europe: La Jeune Afrique en Route pour le Vieux Continent ou The Rush to Europe: Young Africa on the Way to the Old Continent, a propósito do qual deu esta entrevista ao DN, por e-mail, numa altura em que se encontrava em trabalho no Chade..Considera que as migrações do continente africano para o europeu são uma coisa inevitável e que sempre vai existir. Como pode a Europa cooperar com África enquanto sua vizinha? O que tento é chamar a atenção para um desafio maior que ambos os continentes enfrentam e estão perante nós. A crise de 2015 disse respeito, sobretudo, a refugiados de outras partes do mundo e, desde então, o problema não tem sido tanto os fluxos oriundos de África. Mas África irá praticamente duplicar a sua população nos próximos 30 anos - aumentando de 1,3 mil milhões de pessoas para 2,5 mil milhões em 2050. Na Europa, por seu lado, a população vai estagnar em cerca de 500 milhões de pessoas. A população de África é a mais jovem de todo o mundo - com 40% com idade inferior a 15 anos! Na Europa a população está a envelhecer rapidamente..Os jovens africanos migram sobretudo para escapar ao domínio do patriarcado - gerontocracias que excluem as mulheres e os jovens do poder - enquanto o Velho Continente está assustado com a falência dos sistemas de pensões e, de forma mais geral, da segurança social. Neste contexto, o que desencadeará uma migração em massa será a emergência de uma classe média em África. Ao contrário do que diz a perceção, não são "os mais pobres dos pobres" que migram, mas sim aqueles que têm meios para se porem a caminho da Europa..Hoje em dia, dependendo obviamente do ponto de partida a sul do Sara, são necessários três mil dólares (2700 euros). Isso é pelo menos o dobro do rendimento per capita anual em muitos países subsarianos. Atualmente há 150 milhões de africanos que ganham entre cinco e 20 dólares por dia. Em 2050, essa classe média fluorescente terá quadruplicado..Diz que, dentro de três décadas, um em cada quatro europeus terá raízes africanas. Que impacto terá isso nas sociedades europeias? Depende de se os migrantes africanos vêm para a Europa viver como europeus ou como membros das comunidades da diáspora, mantendo os seus estilos de vida familiares, mas também depende da atitude dos europeus em relação aos seus vizinhos ou, eventualmente, concidadãos. Apenas conhecemos o passado. Em 1950, até nas grandes metrópoles colonialistas, como a Grã-Bretanha ou a França, havia apenas algumas dezenas de milhares de africanos, enquanto hoje há milhões de pessoas de ascendência africana..Em meu entender, é xenofobia, até mesmo propaganda racista, apresentar esta realidade como a colonização da Europa por África ou qualquer coisa do género. Mas também considero que é uma aberração negar os problemas que resultam da migração dos africanos, incluindo, se não destacando, no que toca às segundas e terceiras gerações..A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, foi criticada por permitir que mais de um milhão de migrantes e refugiados entrassem no seu país em 2015. A sua carreira política praticamente acabou por causa disso. Mas, a longo prazo, dados os tremendos problemas demográficos, a sua decisão política não vai revelar-se inteligente? Se o cálculo de Merkel foi, de facto, deixar entrar refugiados como garantia para um sistema de segurança social em risco, então terá cometido um erro. Em primeiro lugar, por causa da dependência do rácio da população ativa, porque os jovens e os idosos que dependem das suas contribuições não vão desaparecer. Por cada trabalhador migrante também haverá - em média - mais crianças migrantes que precisam de educação e de formação. Em segundo, uma pessoa não se torna alemão apenas porque pôs os pés em território alemão. O trabalho coletivo que precisa de ser feito, dos dois lados, mas que vai levar muito tempo, é no sentido de sermos concidadãos que partilham regras e valores..Em Portugal, que é um país com longa tradição de emigração, não vemos surgir movimentos e partidos xenófobos da mesma forma que vemos acontecer noutros países da União Europeia. Os portugueses estão abertos a receber refugiados. Em Lisboa, por exemplo, existe já atualmente uma grande mistura entre gente mais jovem, sobretudo a nível cultural (música, dança etc.). Porque acha que as coisas aqui são um pouco diferentes? Não conheço suficientemente bem o vosso país. Mas, tal como Espanha, Portugal é um país que tem fresco na memória a sua própria experiência de emigração e demonstra, por isso, mais tolerância. Em Espanha isso tinha, até agora, atrasado o populismo de extrema-direita. No entanto, a integração de estrangeiros não pode ser uma experiência de trocas culturais entre jovens. O seu sucesso requer, em última análise, mais do que cantar e dançar juntos. A zona de teste é o mercado de trabalho, o casamento entre pessoas de culturas e religiões diferentes, a tolerância religiosa, os direitos das mulheres, entre outros..É um crítico da ajuda ao desenvolvimento que, tantas vezes, é desviada por governos corruptos. Qual é a alternativa? Muita gente fala hoje num Plano Marshall para África. Como deveria funcionar? A ajuda ao desenvolvimento é um meio para chegar a um fim. Se o fim é mais desenvolvimento em África, então a corrupção é o grande problema. Mas não é o único, tendo em conta que, apesar de nem todos os fundos da ajuda serem roubados, pouco há para mostrar. É possível desenvolver um continente atirando-lhe apenas dinheiro para cima? Duvido. Aquilo de que estou seguro é que a ajuda ao desenvolvimento como forma de reter os africanos em África não funciona. Pelo contrário..Como já disse, apenas os mais pobres dos pobres e os muito ricos de África ficam no seu continente. A classe média tem meios para escapar à armadilha da pobreza e muitos dos que a ela pertencem vão tentar vir para a Europa. Portanto, se a ajuda externa ajudar, ela vai apenas aumentar o número de migrantes - isto também se aplica às remessas enviadas para os seus países pelos africanos que vivem no estrangeiro. Os políticos europeus estão a fazer uma falsa promessa quando fingem que ajudar África é resolver o problema da migração..Alguns especialistas falam em criar bolsas de emprego para jovens africanos dentro de alguns países de África. É possível? Se a criação de emprego em África fosse feita de forma correta, coisa que não é, isso contribuiria para aliviar a pressão migratória mas não seria suficiente. É uma questão de escala. Nas próximas duas gerações, haverá muita gente nova a chegar ao mercado de trabalho, ano após ano. Em 2018, havia 22 milhões de candidatos a menos de três milhões de empregos que foram criados pela economia formal..Algumas pessoas chamaram ao que aconteceu recentemente na Argélia e no Sudão a Primavera Árabe 2.0. Os jovens africanos estão fartos dos seus velhos líderes e da corrupção? Abdelaziz Bouteflika e Omar al-Bashir caíram sem que tenha havido qualquer intervenção estrangeira, O que é que isso significa? Desde a Primavera Árabe, em 2011, devíamos ter aprendido que os slogans apelativos - na altura era jovens + redes sociais = a democracia) - são apenas isso: slogans apelativos mas vazios. Sim, os jovens africanos estão fartos dos seus velhos líderes e não precisam de intervenções externas para os derrubar. Porém, num continente como África, falar em jovem africano é quase um pleonasmo. A maioria das pessoas é jovem e, qualquer que seja a categoria pela qual as dividirem, aquilo que procuram não existe em quantidades suficientes, como por exemplo empregos remunerados..Uma coisa é expulsar do poder Bouteflika e al-Bashir, outra coisa é substituí-los com sistemas políticos que funcionem para a maioria da população. Dito isto, os argelinos e os sudaneses mostraram que existe uma força local e que o futuro de África não é um assunto arrumado. Eles regeneraram aquilo que tem sido um ativo raro no continente: a esperança.