"Recusamos modelos de crescimento que conduzem ao agravamento dos desequilíbrios, excluindo do desenvolvimento e de um maior bem-estar milhões de portugueses, camadas sociais, populações e regiões inteiras." - Excerto do manifesto eleitoral da CDU às europeias de 1989 que tiveram Carlos Carvalhas como cabeça-de-lista.."As eleições para o Parlamento Europeu constituem um importante momento para afirmar a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores, do povo e do país, para combater retrocessos, assegurar novos avanços e romper com o rumo de desigualdade, dependência e abdicação nacional que tem sido imposto ao povo português e a Portugal." - Declaração programática da CDU às europeias de 26 de maio de 2019, com uma lista encabeçada por João Ferreira..Passados 30 anos, o discurso do PCP pouco mudou em relação à Europa, depois da assunção rápida de que a integração europeia, contra a qual lutaram no início, é uma evidência. E os comunistas orgulham-se de manter as suas posições - a defesa da soberania nacional ameaçada pela união monetária, pelos grandes grupos económicos e os países mais ricos, o capitalismo, a luta pela igualdade social e a defesa dos trabalhadores, a luta pela manutenção da estrutura produtiva..As principais linhas do discurso coletivo mantêm-se com uma ou outranuanceditada pelos acontecimentos. "O tempo e a vida deram-nos razão. Por isso, algumas questões continuam a fazer parte dos nossos documentos programáticos", afirma João Ferreira..E dá alguns exemplos que nestes 33 anos, desde a adesão de Portugal à então CEE, mostram que o PCP estava certo nos alertas que fez desde o início: "Continuamos a divergir face à zona euro, não há convergência, o desemprego aumentou, assistimos à destruição do setor produtivo. Disseram que íamos deixar de produzir para dez milhões para passarmos a produzir para 300 milhões (agora são 500 milhões) sem prever o choque competitivo numa economia débil e desprotegida."."As posições do PCP não são novas, não há uma mudança radical, mas há maior saliência em posições antieuropeístas por vários motivos, um dos quais é o resgate a Portugal e o momento em que a atitude dos portugueses se tornaram mais críticas", explica, por seu turno, o politólogo Carlos Jalali..Carlos Carvalhas aponta no mesmo sentido, ele que encabeçou a lista às eleições europeias em 1989 e regressou em 1990 para se candidatar à Presidência da República em 1991 e depois suceder a Cunhal à frente do partido de 1992 a 2004: "O pensamento coletivo do PCP sobre a União Europeia, sobre a integração e sobre a zona euro não tem sofrido grandes alterações. O discurso naturalmente depende da época das eleições, se está mais em causa o financiamento ou a dívida pública dos países, ou se está em causa as questões da democracia ou as questões do orçamento comunitário, os acentos tónicos são diferentes."."A posição global do PCP não mudou em relação à UE, foi sempre visão contrária à integração europeia por uma questão que se prende com a perceção que a UE encerra em si um projeto de liberalização económica e que põe em causa a soberania nacional dos Estados membros, mas uma posição de fundo que se mantém consistente", ilustra Carlos Jalali..Vejamos o que dizia o manifesto eleitoral de há 30 anos, o mesmo que levou Carvalhas para o Parlamento Europeu. "A questão fundamental que desde logo se coloca é a de saber com que estratégia, com que projeto de desenvolvimento se vai enfrentar 1992 e com que objetivos, critérios e condições os fundos estruturais irão ser aplicados: se ao serviço do povo, se ao serviço das multinacionais, do grande capital e das clientelas governamentais.".A linha de pensamento não é muito diferente da declaração programática da lista que este ano volta a ser liderada por João Ferreira. "As políticas da União Europeia ampliaram os problemas da economia nacional, acentuaram as desigualdades sociais e as assimetrias regionais, restringiram direitos laborais, aumentaram défices estruturais - como o alimentar, o produtivo, o energético ou o tecnológico - e conduziram a uma crescente dependência. As consequências de décadas de política de direita e de integração capitalista na CEE/UE estão presentes na realidade social, económica e política do país.".Ilda Figueiredo, que foi três vezes eleita eurodeputada pela CDU (1999, 2004 e 2009), lembra que o PCP e a CDU (coligação do partido com Os Verdes) sempre alertaram para os perigos da integração europeia que aconteceu em 1986 - recorda, aliás, que o Partido Comunista realizou nessa altura uma conferência nacional para debater o assunto. "O PCP sempre debateu muito o problema antes da adesão, sempre teve uma grande preocupação com o que poderia daí advir." E lembra que o Tratado de Maastricht, que os comunistas quiseram referendar, "trouxe transformações na UE que são sérios atropelos à soberania de cada país". Porque, frisa, agravou as condições de desigualdade e dificultaram o desenvolvimento das economias mais débeis..Os comunistas continuam a advogar a saída do euro, mas não como um ato isolado. Ilda Figueiredo considera que isso deve ser feito em paralelo com países em idênticas circunstâncias - "com negociações difíceis e profundas" - mas sempre tendo como norte o princípio da defesa da soberania e que deve ser cada estado a escolher o seu caminho..João Ferreira vai mais longe e entende que a pergunta deve ser outra: queremos que a realidade trazida pela moeda única se repita nos próximos 20 anos? "Somos dos países que menos cresceu no mundo. Vivemos 20 anos de estagnação em que o endividamento explodiu, houve retrocesso de salários. O que temos de questionar é se tem futuro.".Mas também faz questão de frisar que a união monetária, sendo "um problema enorme, que se destaca dos demais", não é o único problema que a UE traz a Portugal. E fala da "novela" das ameaças da aplicação de sanções em 2016 decorrentes da reforma da zona euro, dos vistos prévios aos orçamentos nacionais e do Pacto de Estabilidade..António Costa Pinto, politólogo, considera que é na questão da união monetária que se enquadra a evolução do PCP para o o europeísmo crítico, depois de se ter oposto à integração e de ter defendido a saída da UE. "O discurso da destruição do mercado de trabalho transfere-se para a moeda única, como fator que estrangula o desenvolvimento da economia e do capitalismo português.".cdu_europeias Infogram.Também Carlos Jalali entende que o PCP teve a oportunidade de intensificar o seu discurso contra o euro com a intervenção da troika em Portugal. "Até porque o debate sobre a moeda única tornou-se relevante em Portugal, começámos a pensar sobre estas questões que até aqui eram de um consenso quase total em termos de opinião pública.".O discurso tem sido coerente, disso não há dúvida. Os anos passam e as batalhas mantêm-se. "Mas a coerência nem sempre é um fator positivo", diz Costa Pinto. E isso pode ter reflexos já nas eleições de 26 de maio, em que considera que dificilmente a CDU conseguirá chegar aos 12,68% dos votos alcançados em 2014 - o segundo melhor resultado de sempre da Coligação Democrática Unitária, depois dos 14,40% de 1989.