À medida que se aproxima o dia 29 de março de 2019, data a partir da qual o Reino Unido deixará talvez de fazer parte da União Europeia, é natural que não deixem de recordar-se as reticências de De Gaulle quanto à relação da Inglaterra com a Europa do seu tempo, não obstante o que a França lhe devia para a libertação da invasão nazi. Passadas estas dezenas de anos, o teor das negociações sobre o Brexit tormentoso parecem merecer como referência o momento em que Margaret Thatcher, que tinha aparentemente como prioritária a manutenção da supremacia anglo-saxónica, notificou a União de que a Inglaterra "wanted her money back", e agora o seu parceiro da querida supremacia anglo-saxónica, o presidente Trump, exige que a segurança ocidental contribua com mais recursos para a defesa e segurança que a NATO tem a seu cargo. O traço relevante das difíceis negociações, mostra um Parlamento inglês que, sem o assumir, parece embaraçado com a ordem de saída que o plebiscito mal lembrado decidiu, mas sem definir as consequências sobre as relações globais futuras, sendo as económicas a exceção que mais ocupa as diligências tornadas públicas..Como foi resumido por Vivien Pertusot, cada capítulo do processo desencadeia em Londres uma série de inconvenientes: "Internas batalhas entre os partidos e uma característica indecisão. Enfim, as negociações são tanto mais complexas quanto o campo britânico está dividido: entre conservadores, entre governo e Parlamento, entre Câmara dos Comuns e Câmara dos Lordes, entre várias regiões. A tal ponto que é impossível identificar, para lá da Mancha, uma linha coerente de longo termo.".Acontece que do lado da União a linha está para os responsáveis definida pela governança estabelecida nos tratados, que foram acordados para uma prospetiva de evolução de que o próprio Brexit implica reavaliação. Tornou-se frequente sublinhar a falta de atenção, não à lei, mas à mudança das circunstâncias, atitude que foi apelidada de "muddling through", isto é, ir andando (Innerarity) e neste caso concretizando o preço, nesta hipótese sendo a União que exige "her money back", um tema intitulado "a fatura da saída"..Londres desde logo seria evidente que desejaria não ter de o fazer, enquanto a União, partindo da exigência considerada exorbitante pela Inglaterra, acabou numa verba entre 40 e 45 mil milhões. Depois a questão Irlandesa que faz relembrar o sombrio passado, e a necessidade de um acordo sobre o período de transição em que terá de vigorar o respeito e a consideração, quanto ao Reino Unido, das suas "razões vitais e justificáveis da política nacional". A discussão sobre o Brexit e o futuro vai sendo acompanhada por uma mudança da circunstância mundial, atlântica, europeia e britânica, que inclui na Inglaterra a diferença de tendências entre a Câmara dos Lordes e o Parlamento, a estrutura económica e a composição das migrações históricas, em que a portuguesa é importantíssima, problemas com confiança abalada no futuro, crescendo na União os populismos, a inquietação dos eleitorados, as reações dos sistemas da sociedade civil a mostrar o crescimento da falta de confiança e a busca de redefinições das forças partidárias: entretanto, na circunstância externa do Ocidente, crescem os emergentes, e na resposta interna avulta a instabilidade do atlantismo em vista da "eurocracia" presidencial americana semeada de ocasionais "lembranças". Não parece que seja pessimista a conclusão de que o outono ocidental se agrava, e que a longa discussão sobre o futuro depois do Brexit contínua obscura enquanto o futuro vai acontecendo..Um dos pontos descurados, em face da mudança da circunstância, é que o Reino Unido leve consigo a maior esquadra e o maior exército da União, quando a Comissão alerta para a necessidade de repensar a defesa e a sua política externa, a NATO acusa a variável do estado de espírito do governante americano, e o Reino Unido vai tomando consciência de que não é um "Estado nacional". Repensar o Brexit, este apoiado num mal lembrado plebiscito que desiludiu a perspetiva do governo que o propôs, parece a mais prudente das opiniões que vão emergindo na complexa evolução do debate parlamentar. O globalismo, ainda mal sabido, definitivamente afastou o método da soberania absoluta com definição territorial, nem sempre com Nação, como acontece com o Reino Unido. Mas a mudança da circunstância mundial deu relevo aos valores europeísmo, Ocidente, atlantismo e, enquanto crescem os emergentes, não é inevitável que estes valores entrem no seu outono. No fim da guerra de 1939-1945 tivemos lideranças que assumiram a responsabilidade. São necessários descendentes.