No dia 22 de maio de 1911, a localidade de Nisa, no Alentejo, recebeu um comício do Partido Republicano. As eleições - as primeiras eleições legislativas da República - realizar-se-iam daí a menos de uma semana e Balthazar Teixeira, o deputado proclamado por aquele círculo, foi falar com a população sobre a importância do ato eleitoral. As personalidades locais esperavam-no à entrada da povoação e seguiram todos juntos em cortejo, pela rua, acompanhados pela filarmónica que tocava o hino da Maria da Fonte, como contava o Diário de Notícias do dia seguinte. "Chegados ao município, cujas janelas ostentavam riquíssimas colchas e em uma das quais estava arvorada a bandeira nacional, foram levantadas muitas vivas à República." Seguiram-se os discursos..A intervenção de Balthazar Teixeira foi "a mais prolongada de todas as orações e, não obstante o calor do sol, o povo permaneceu ali prestando ao orador a mais interessante atenção e acolhendo as suas palavras com o mais acentuado apreço", relata o jornal. "Começou o orador por dizer que a República estava proclamada mas não feita, que era necessário fazer a República e que para isso tanto podia contribuir aquele que de manhã à noite rega o solo com o suor do seu rosto como o ministro que no seu ministério decreta leis. Que o troar dos canhões nas praças de Lisboa não foi mais proveitoso para a obra da regeneração pátria do que o podem ser os diferentes cidadãos trabalhando cada um na medida das suas aptidões para os progredimentos do país e que a obra do Governo Provisório tem sido admirável.".A República estava proclamada mas não feita - nesta frase resume-se a importância daquele ato eleitoral. As eleições legislativas foram marcadas a 28 de abril de 1911 para daí a um mês. O governo queria que as eleições acontecessem o mais rapidamente possível, "por forma a normalizar quanto antes a vida da nação portuguesa". Por forma a, digamos assim, efetivar a República..Ao longo desse mês de campanha, os candidatos dos vários partidos e pelos vários círculos multiplicaram-se em contactos com a população. Às vezes, eram só conferências, encontros em que os deputados pretendiam esclarecer a população sobre a atuação do governo, outras vezes eram comícios muito semelhantes aos que existem hoje. Realizavam-se em praças, coretos, nos Paços do Concelho ou em teatros e reuniam todas as individualidades da terra mais os candidatos a deputados e, às vezes, membros do governo que vinham dar o seu apoio a determinado candidato - e por vezes também inaugurar alguma obra mais relevante. Foi o que aconteceu a 14 de maio, na Trafaria, quando o "ministro dos Estrangeiros, sr. dr. Bernardino Machado", se juntou aos candidatos às constituintes para inaugurar o Centro Escolar Republicano: "Eram duas horas precisas quando suas Exas. deram entrada na povoação, sendo recebidas por muito povo", conta o DN. "Ao avistar-se o automóvel subiram ao ar girândolas de foguetes e a fanfarra da terra rompeu com A Portuguesa, acompanhada em coro pelas criancinhas do centro escolar que ali se achavam postadas, empunhando a bandeira da República.".As semelhanças com as atuais campanhas eleitorais não terminam aqui. Muitos dos comícios terminavam à mesa. No Sabugal, a 9 de maio, a receção aos candidatos foi imponente, havendo música e foguetes: "Depois do comício teve lugar nos Paços do Concelho um grande banquete oferecido por uma comissão organizada para esse efeito, o qual terminou às 12 e meia da noite, decorrendo com extraordinária animação levantando-se calorosos brindes aos diferentes membros do governo, governador civil do distrito, professorado primário, classe comercial, etc.".Entre brindes e foguetes, os assuntos que marcaram a campanha foram, como é óbvio, as vantagens do regime republicano e a atuação do Governo Provisório, mas também a educação (a instrução, como então se dizia) e a separação entre a Igreja e o Estado (nomeadamente no que toca ao registo civil e ao divórcio, que diziam diretamente respeito à vida das pessoas)..A 10 de maio, uma notícia curta dava conta de que "em cumprimento da já conhecida sentença judicial foi incluída no respetivo recenseamento como chefe de família a sra. dra. Carolina Beatriz Ângelo" - que viria a ser nessas eleições de 1991 a primeira mulher a votar em Portugal - mas o voto das mulheres não era ainda um tema na sociedade portuguesa. A capacidade eleitoral era reconhecida aos portugueses maiores de 21 anos e que soubessem ler e escrever ou fossem chefes de família. A campanha ficou ainda marcada por algumas ameaças de terrorismo por parte dos monárquicos que, depois, não se efetivaram..Antes do ato eleitoral, o governo decidiu aplicar um princípio inédito: o da proclamação automática como deputados dos candidatos republicanos nos locais onde não houvesse candidato da oposição. Aí, dispensou-se a ida às urnas. Assim, realizaram-se eleições em apenas 30 círculos (sobre um total de 51, no continente e ilhas), em Lisboa, Porto e Coimbra - foi a primeira vez em Portugal que foi usado método de Hondt para converter votos em mandatos. O Partido Socialista apresentou-se em 11 círculos e os monárquicos não concorreram..Nesta primeira "eleição geral da República" votaram 250 mil pessoas (o que representaria aproximadamente 57% do eleitorado, composto por mais de 846 mil inscritos). O Partido Republicano elegeu 229 deputados (91 deles foram nomeados), o Partido Socialista dois e foram ainda eleitos três deputados independentes - foram estes os deputados que formaram a Assembleia Nacional Constituinte e que viriam a produzir a Constituição Portuguesa de 1911.