10% a 20% dos créditos a fornecedores não estão a ser pagos

Corretora Marsh admite que até um quinto das cobranças já estejam em incumprimento no crédito segurado entre empresas, que abrange os maiores negócios do país.
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Não só faltam encomendas como também pagamentos. A corretora Marsh estima que até um quinto dos contratos de crédito segurado com fornecedores portugueses estejam a sofrer incumprimentos, com a previsão de que os primeiros impactos destas falhas estejam já a reproduzir-se na tesouraria de muitas empresas do país.

Com as confederações empresariais a alertarem para a situação crítica de tesouraria que as empresas já estão a enfrentar hoje num quadro global de enormes quebras na faturação, mas ainda sem dados de acessos às linhas de crédito de emergência que estão a ser criadas, as falhas de pagamento entre empresas mostram um cenário que já é preocupante.

"Pela partilha que os nosso clientes têm vindo a fazer connosco, acreditamos que 10% a 20% da carteira tenha vindo a sofrer algumas restrições de cobertura", estima Leonardo Palminha, analista da Marsh.

São comunicações de incumprimento que permitem às seguradoras decidir quais os créditos que podem ou não ser cobertos nas transações entre empresas e que, segundo o especialista, se fazem agora sentir de forma mais forte nos transportes e no turismo, repercutindo-se em outras atividades.

São, sobretudo, empresas de menor dimensão as que começam já a ter restrições em termos do plafond máximo a ser concedido pelas seguradoras, mas os dados das apólices nacionais espelham a grande economia. Há, segundo Leonardo Palminha, 2500 contratos de seguro no país, e quem os toma são as grandes empresas do PSI 20, distribuidores alimentares, multinacionais com operações em Portugal e pequenas e médias empresas com vendas para a China, que assim se socorrem deste apoio à cobrança para recuperar valores.

Despedimentos aceleram

Não é este o único indicador do número de empresas em apuros. Antes mesmo que fossem disponibilizadas as novas linhas de crédito no valor de três mil milhões de euros para pagamento de salários e a fornecedores, muitos negócios estão a precipitar-se para o Ministério do Trabalho, comunicando a intenção de despedir coletivamente.

O primeiro-ministro avançou ontem no Parlamento que só as primeiras semanas de março já produziram 28 casos de despedimento coletivo, abrangendo 304 trabalhadores. É o triplo de processos face ao mesmo período do ano passado e cinco vezes mais o número de trabalhadores abrangidos. Somam-se aos 61 processos iniciados neste ano até fevereiro, com 567 trabalhadores despedidos, de acordo com os dados da Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho.

O governo tem insistido com as empresas para que o afastamento de trabalhadores seja o último recurso. Mas, para isso, é preciso aguardar que as principais medidas de apoio à manutenção dos postos de trabalho se tornem efetivas.

Empresas à espera

O recurso ao lay-off facilitado, por exemplo, está ainda a ser alvo de nova revisão para alargamento ao setor de comércio e serviços e com as empresas, tal como os sindicatos, a exigirem maior clarificação das condições. Segundo indicou o governo, os formulários para pedir o apoio só ficarão disponíveis nesta semana, e espera-se que os reembolsos por adiantamento de remunerações pelas empresas sejam pagos pela Segurança Social apenas durante o mês de abril.

A informação sobre as condições das novas linhas de crédito de três mil milhões de euros anunciadas para os diferentes setores da economia, sobretudo turismo, também só nos próximos dias começarão a chegar aos bancos. Com autorização de Bruxelas, permitem já garantias públicas que poderão chegar aos 90% e spreads entre 1% e 1,5%, além de um período de carência de um ano e prazos de amortização até quatro anos.

Estas novas linhas terão já condições muito diferentes de uma linha inicial de 200 milhões de euros, efetiva desde o dia 12, que limitam as garantias a 80%, em que o custo do financiamento à tesouraria das PME anda entre os 1,943% e os 3,178%.

Entretanto, o governo diz ter já na calha para análise no gabinete da Concorrência Europeia um novo pedido de auxílios estatais. Segundo o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, a ideia é "o Estado português passar a estar autorizado a fazer o lançamento de todas as linhas de crédito que forem justificadas em função de setores e do montante, nas condições que a Comissão aprovar". O mais urgente, segundo o governo, é obter agora o OK para apoios ao comércio e serviços, que desde logo se mostrou preparado para despedir.

Mas, mesmo após o crédito, nada garante que a atividade de empresas e trabalhadores não sofra ainda um forte impacto. A Fitch, que ontem antecipou uma recessão nos 2,2% para Portugal e de 1,2% para a zona euro em 2020, avisou também para os riscos de falência elevados para os 90% de empresas europeias que são PME, dado um esperado colapso da procura com a perda de rendimento das famílias quando os países se iniciarem na recuperação, por enquanto esperada no verão. "Permanece por ver em que medida os empréstimos estatais e as garantias de crédito, assim como a ação empenhada dos bancos centrais, ajudarão a minorar as restrições de liquidez."

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