O presidente do PSD, Rui Rio, defende que os votos brancos devem contar na hora de distribuir os deputados. A proposta é polémica mas o líder laranja não abre mão de a discutir. O DN sabe que só após ouvir o conselho de estratégia nacional sobre a matéria, os prós e os contras, é que o líder decidirá se a inclui no programa eleitoral, no capítulo da reforma do sistema político..A ideia do líder social-democrata é que esta medida poderá contrariar as altas taxas de abstenção, já que os eleitores descontentes com os partidos saberiam que o facto de se expressarem pelo voto nulo contaria para a composição da Assembleia da República e para um número mínimo e máximo de deputados, entre os 200 e os 230..Mas a ideia de Rui Rio não seria exequível no atual modelo de eleição para a Assembleia da República, em que os círculos eleitorais são muito diferentes uns dos outros. O presidente do PSD, que não gosta muito do modelo de círculos uninominais - círculos que elegem só um deputado -, entende que seria possível uniformizar os círculos e assim contabilizar os votos brancos. Para isso, os maiores como Lisboa e Porto, por exemplo, teriam de se partir em três. E a ideia é que haja 12 ou 15 deputados por cada círculo, com algumas exceções..Segundo a proposta de Rio, a percentagem de votos em branco em cada círculo contaria para ir reduzindo o número de eleitos, até a um mínimo garantido. Por exemplo, de 0% a 5% de votos em branco os hipotéticos 12 deputados eleitos estariam garantidos; de 5% a 15% de votos brancos os deputados passariam a 11 e por aí em diante.."Todos os votos tenham o mesmo valor".O DN sabe que Rui Rio defende que, desta forma, em cada um dos círculos os eleitores poderiam expressar ou não o seu apoio aos candidatos, sem ser necessário recorrer aos círculos uninominais. O tema vai ser debatido nesta reta final de elaboração do programa eleitoral e mesmo perante as críticas que foram feitas à proposta, o líder social-democrata só recuará se lhe forem apresentados argumentos técnicos de que prejudica mais o sistema do que ajuda..A ideia nem é original: em Espanha, há mesmo um partido que tem ido a votos para representar esses votos brancos, enquanto a lei não for alterada para que "todos os votos tenham o mesmo valor"..Depois da derrota das eleições europeias, o líder social-democrata insistiu muito na "crise do regime", defendendo propostas para "aproximar os eleitores dos eleitos". Em 4 de junho, numa conferência, defendeu-o depois de questionado se vai insistir na redução do número de deputados.."Na minha opinião sim, na minha opinião estaria a redução de deputados pelo lado da contagem de votos brancos e nulos. Ou seja, a Assembleia da República teria uma composição variável: tinha um máximo e um mínimo. Se elege mais ou menos deputados, teria que ver com o número de votos brancos e nulos", afirmou o presidente do PSD, sublinhando que esta proposta é pessoal..Para Rio, só a abstenção não contaria para a sua proposta e o limite mínimo andaria pelos 180 deputados, número definido atualmente pela Constituição da República Portuguesa..O presidente do PSD não teme uma implosão do sistema, respondendo à pergunta com outra pergunta. "O sistema já não está hoje a vir abaixo?" Mas do lado socialista - para mexer na lei eleitoral os sociais-democratas precisariam sempre do acordo do PS - não há nenhuma abertura para o fazer..Proposta "caiu num vazio".O líder parlamentar socialista, Carlos César, limitou-se a ironizar ao DN: "Caiu num vazio." Outras fontes socialistas notaram que dificilmente a reforma eleitoral se fará por esta via e que a proposta de Rio toca perigosamente um discurso antissistema. Neste momento, qualquer mexida na legislação laboral obrigará a revisitar tudo desde o início..O voto em branco é visto como de protesto: alguém que se desloca propositadamente às urnas para deixar o boletim em branco, sem escolher qualquer partido. Já dos nulos, mesmo que em muitos boletins surjam inscrições zangadas de eleitores contra os partidos e os políticos, não se pode fazer uma leitura tão direta: podem tratar-se de erros dos eleitores, mais do que um voto de protesto..O politólogo André Freire escrevia, já em 2000, que nos "países com voto obrigatório, o nível médio de abstenção é cerca de metade dos outros" países e sublinhava "ainda o nível mais elevado de brancos e nulos, muito provavelmente induzido pela norma da obrigatoriedade do voto" ("Participação e abstenção nas eleições legislativas portuguesas, 1975-1995", inAnálise Social, vol. XXXV [154-155], 2000, 115-145)..Em 2011, os partidos mais votados sem representação parlamentar tiveram menos votos do que aqueles em branco e quem anulou o seu boletim. Na democracia portuguesa, os brancos bateram o recorde de 148 378 (2,66%) - teriam "eleito" um deputado ou, neste caso, uma cadeira vazia -, a que se somaram 79 995 nulos (1,43%). O PCTP/MRPP teve então 62 683 votos (1,12%) e o PAN 57 849 (1,04%)..Quatro anos depois, os votos em branco desceram para 112 851 (2,09%), mais 89 544 nulos (1,66%), mas continuaram acima dos partidos que ficaram fora de São Bento: o PDR teve 61 632 votos (1,14%) e o PCTP/MRPP 59 955 votos (1,11%).."Sem salários e sem subvenções".Em Espanha, há um partido que pensa como Rui Rio. O Escaños en Blanco (EB), que não foi a votos neste ano e se pode traduzir por "lugares em branco", tem um só ponto no seu "programa eleitoral": "Deixar vazios os lugares que consigamos renunciando a qualquer tipo de salário ou subvenção." Assim, defendem, "transformam o voto" dos cidadãos "em lugares vagos", "dando visibilidade à sua rejeição de forma oficial e inequívoca dentro das instituições"..O programa de um só ponto apresenta uma fina camada a tocar o populismo. Para o EB, esta sua proposta traduz-se "sem salários nem subvenções": "Ao não tomar posse plena do cargo não teremos direito a receber retribuições de nenhum tipo.".Na província canadiana do Quebeque, o Parti Nul - Partido Nulo - apresentou-se a eleições com a missão de responder ao facto de o eleitor não dispor "de nenhum meio de exprimir o seu voto de maneira a significar sem equívocos a sua insatisfação em relação aos partidos políticos, ao sistema eleitoral ou às instituições políticas em geral"..De pouco serviu: o Parti Nul teve 0,06% nas eleições provinciais de 2012, subindo para os 0,18% em 2014 e voltando a uns insignificantes 0,09% em 2018 (3880 votos). Os "votos rejeitados" (de facto nulos) atingiram os 66 085..Também os espanhóis do EB - que prometem extinguir o partido no dia em que a lei eleitoral consagrar aquilo que Rui Rio deseja para Portugal - tiveram muitos menos votos do que aqueles que se deslocaram às urnas para depositar votos em branco e nulos: 115 595 votaram no partido, em 2014, 358 222 fizeram-no em branco e 290 834 anularam o seu boletim.."O caso espanhol não é único", apontou Chiara Superti, professora de Ciência Política da Universidade de Columbia (EUA), num estudo intitulado The Blank and Null Vote: An Alternative form of Democratic Protest?, ao verificar que este "representa uma tendência mais ampla". E explicou: "Os níveis agregados de votos em branco e nulos mostraram uma impressionante tendência ascendente em todos os países e duplicaram desde a década de 1960, tanto em termos de número de votos quanto do número absoluto de indivíduos protestando.".Votos de protesto "por apatia ou ignorância".Os "exemplos de votação em branco", como o destes partidos, dão "uma resposta direta" a uma possível explicação "sobre a natureza desse comportamento: que não há uma causa comum por trás e que é motivada por apatia ou ignorância". E acrescenta: "Os exemplos de mobilização respondem claramente que, como acontece com muitas outras ferramentas de protesto, a votação em branco pode ser usada para promover uma agenda.".Para além destes exemplos mais institucionalizados, Chiara Superti identifica outros pelo mundo fora do uso dos votos em branco e os nulos, notando que, "por vezes", esses votos "são mobilizados por partidos legalizados de oposição, que pretendem deslegitimar o partido no poder e possivelmente invalidar uma eleição", como aconteceu na Tailândia em 2006.."Os principais partidos da oposição pediram um boicote às eleições parlamentares em resposta ao descontentamento generalizado com o governo de partido único controlado pelo partido Thai Rak Thai (TRT), cujo líder, dono de um império de telecomunicações, havia sido acusado de corrupção. As regras eleitorais tailandesas permitem a opção 'sem voto' na cédula. A grande parte do 'não voto' (33%), juntamente com o voto inválido (13%), tornou impossível preencher todos os lugares no Parlamento, deixando 49 lugares vagos. Esta foi uma das razões que levou à decisão do Supremo Tribunal em invalidar as eleições.".Para o antigo deputado e porta-voz do PCP, Vítor Dias, "esta proposta de Rui Rio representa de facto uma óbvia tentativa oportunista de se encostar à base social que pratica o antiparlamentarismo". No seu blogue O Tempo das Cerejas, Vítor Dias classifica de "turva" a proposta do presidente social-democrata e nota que esta "tem um 'pequeno' problema: é que em qualquer assembleia (e na Assembleia da República por maioria de razão) há sempre a necessidade de saber que número de deputados são precisos para haver uma maioria (na AR atualmente são 116)"..Pergunta-se Vítor Dias, "se no hemiciclo, passar a haver por exemplo 15 lugares desertos correspondentes aos brancos e nulos, diga-nos então Rui Rio se os lugares desocupados também entram para a definição do que é uma maioria". Rui Rio terá de desenvolver a sua proposta.