O drama dos centros de estudo, colégios e ATL. Nem todos podem ir para lay-off
Entre os muitos setores de atividade que por estes dias vivem "com a corda na garganta" estão os centros de ATL (atividades de tempos livres), que funcionavam muitas vezes como apoio ao estudo. Entre os que são de iniciativa privada, os que se integram em IPSS (instituições particulares de solidariedade social) e os que são geridos pelas juntas de freguesia ou pelas associações de pais, há milhares de funcionários que poderão entrar em lay-off já neste mês.
"Neste momento, a maioria ainda não sabe o que vai fazer", disse ao DN Jorge Assunção, presidente da Confap (Confederação das Associações de Pais), que diariamente está a ser confrontado com pedidos de apoio e esclarecimento. Este responsável não sabe ao certo quantos centros de ATL são geridos por associações de pais, mas estima que por todo o país "serão algumas centenas", com especial incidência na margem sul de Lisboa e Médio Tejo.
"O que temos sugerido a cada uma delas é que usem de muito bom senso e que analisem caso a caso. Porque a natureza das associações de pais não é essa, mas na verdade muitas acabaram por organizar-se e prestar esse serviço aos pais. E agora estão com um sério problema em mãos", acrescenta Jorge Assunção, no dia em que acaba de falar com a Federação das Associações de Pais de Setúbal e Almada, onde os casos se sucedem. No Seixal, o presidente de uma associação de pais que prefere o anonimato sublinha que "não vai haver outra alternativa que não seja ir para o lay-off".
Naquela escola básica, o ATL apoiava diariamente algumas dezenas de crianças, cujos pais pagavam mensalidades na ordem dos cem euros; as funcionárias estão em casa desde meados de março e, não havendo uma perspetiva de quando regressará a normalidade, "é difícil fazermos sequer uma previsão do que vai ser o futuro, se vamos continuar ou não a desempenhar este serviço".
"Neste momento, estamos a tentar chegar a um acordo com os pais, de modo a que paguem uma pequena percentagem, para podermos, pelo menos, pagar às funcionárias durante o lay-off. Senão como é que lhes vamos pagar?", questiona o presidente desta associação de pais.
Na região centro não é expressivo o número de centros de ATL geridos por associações de pais. Sendo o primeiro ciclo da responsabilidade das autarquias, muitas vezes são as próprias juntas de freguesia que acabam por gerir almoços, AEC (atividades de enriquecimento curricular) e o próprio ATL. Ou então adjudicam esse serviço a IPSS ou associações locais. De resto, foi precisamente a alteração no sistema de ensino, que passou a incluir as AEC (ainda assim de frequência facultativa), que acabaria por ditar o fim de muitos centros de ATL privados.
Luís Pinto, presidente da Associação de Solidariedade Académico de Leiria, sabe bem dessa realidade. Quando o Académico se transformou em IPSS, uma das valências era o ATL. Mas com o aparecimento das AEC "esse foi um serviço que se ressentiu muito". "Acabámos por fechar o nosso centro porque não se justificava", conta ao DN, enquanto explica como a associação se voltou entretanto para uma área em que continua a haver grandes lacunas a nível nacional: creches. Até meados de março eram 30 crianças que todos os dias frequentavam a creche Crescer, cuidadas por sete funcionárias, a que juntam mais 20 noutras valências.
"Neste momento equacionamos pedir aos pais um donativo. Não vamos pedir a mensalidade, até porque já temos muitos pais a avisar que vão perder o emprego", acrescenta Luís Pinto, inconformado com a disparidade de informações que lhe chega todos os dias: "O grande problema é que andamos há três semanas a receber informação contraditória. Por exemplo, informaram-nos de que se formos para lay-off (como esperávamos) deixamos de receber a comparticipação da Segurança Social. Se for assim, com que dinheiro vamos pagar aos funcionários?", questiona.
Numa cidade que fervilhava de atividade económica até chegar a pandemia do novo coronavírus, há ainda vários centros de ATL privados. Funcionam à medida das necessidades dos pais (vão buscar as crianças às escolas, dão almoço e apoio ao estudo, além de gerirem ainda a frequência de atividades diversas) e por estes dias tentam adaptar-se como podem. É o caso da Expectativa - que também integra um infantário -, onde as férias da Páscoa representavam um dos períodos com mais inscrições.
Carina Nunes, uma das três sócias daquele centro educativo, disse ao DN que, para já, antes de avançar para lay-off, só os funcionários que faziam o transporte estão em casa. Os restantes continuam "em contacto com os miúdos, mandam-lhes propostas de trabalho, embora mais lúdicas. Também os professores continuam online, disponíveis para tirar dúvidas". Entretanto, a mensalidade foi reduzida para metade. Até agora, os pais pagavam um valor entre os 50 e os 175 euros (excluindo o almoço), consoante o tempo que requisitassem. Já no infantário do grupo a mensalidade mantém-se, embora tenha sido excluído o valor da alimentação e das atividades extra.
"Não é justo para ninguém. Ninguém teve culpa disto acontecer e, por isso, não pode ser imputada responsabilidade a ninguém, pelo que todos devem fazer um esforço partilhado para ultrapassar em conjunto os efeitos desta crise", afirmou ao DN Susana Batista, presidente da ACPEEP - Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular.
Por estes dias a associação tem dado resposta a muito mais do que os 90 associados que a integram, uma vez que os centros de ATL, por exemplo, não têm uma associação que os represente.
"Ninguém estava preparado para uma situação destas, mas a grande maioria dos estabelecimentos fez um esforço para se adaptar a esta nova realidade, de forma a poder prestar o serviço nos termos em que o regulador determinou. Mas sabemos que nem todas as famílias estão na mesma situação. E nem todas as creches conseguem corresponder da mesma maneira nem reduzir custos nas mesmas proporções, de forma a poder baixar as mensalidades. Ambas merecem ser apoiadas e compreendidas nas suas dificuldades", sublinha Susana Batista, lembrando que há pais que viram os seus vencimentos reduzidos, "alguns até perderam o emprego", e as creches debatem-se agora com o problema de redução de alunos e de receitas que põem em risco a sustentabilidade dos equipamentos e o pagamento de salários e de fornecedores.
"Tirando cortes nas despesas da água, da luz e do gás, que não representam mais do que cerca de 5% dos custos totais, estes equipamentos têm um conjunto de custos fixos que não desapareceram nem reduziram com o encerramento temporário das instalações", lembra a presidente da associação, que representa pequenos estabelecimentos até 250 alunos, no máximo.
Susana Batista fala dos custos com telecomunicações, serviço de contabilidade e recursos humanos, seguros das instalações, de funcionários, de alunos, de viaturas, rendas do espaço, leasing de equipamentos ou viaturas, contratos anuais de manutenção com empresas de informática, de alarmes e controlo de acessos, de sistema de deteção de incêndio, sistema do HACCP e controlos analíticos, Dietista e nutrição, sistemas de aquecimento e ar condicionado, entre outros, um rol de custos que se mantém com ou sem alunos.
"Uma quebra de receitas numa pequena estrutura como são, normalmente, as creches, os jardins-de-infância, os ATL e os centros de estudo, tem necessariamente um impacto completamente diferente do que em equipamentos de média ou grande dimensão, podendo mais facilmente levar à falência os pequenos estabelecimentos", admite a presidente da ACPEEP.
Por outro lado, considera que o lay-off "também não resolve a situação dos colégios", que pagam uma parte dos salários nos meses que o estabelecimento está encerrado, mas todos os custos de estrutura e inclusive os subsídios de férias e de Natal se mantêm. "Ora, se houver uma redução drástica das mensalidades e não houver capacidade para manter a estrutura, os estabelecimentos ficam impedidos de despedir os funcionários por imposição das regras do lay-off. Qual será depois a solução?", questiona.
Na opinião desta associação, cada equipamento "deve fazer um esforço para reduzir custos, mas os pais devem fazer um esforço para pagar as mensalidades, porque o esforço deve ser partilhado por todos. Precisamos todos uns dos outros", conclui, enquanto alerta: "Os mais pequenos estão numa situação dramática."