"Necessidade inquestionável". Fiscais das secretas validam acesso a dados das comunicações
"Inquestionável e inequívoca necessidade" - declara o Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP) sobre o acesso das secretas aos dados das comunicações telefónicas e da internet.
No parecer publicado esta sexta-feira, o CFSIRP - entidade que fiscaliza a legalidade da atividade dos serviços de informações nacionais - testemunha que verificou o funcionamento deste instrumento de espionagem e atesta a sua eficácia.
"Este Sistema começou já a funcionar e, perante o que daí pode extrair-se, o CFSIRP testemunha, face às várias situações em que o mesmo foi chamado a fornecer dados aos Serviços de Informações, a positiva conceção, construção e aplicação do mesmo, bem como a sua inquestionável e inequívoca necessidade (sem sucedâneo disponível), permitindo a Portugal sanar uma grave lacuna, verdadeiramente singular a nível internacional", está escrito no relatório.
O CFSIRP é presidido por Abílio Morgado, ex-conselheiro de Cavaco Silva, e tem como vogais Filipe Neto Brandão, vice-presidente da bancada parlamentar do PS, e António Rodrigues, advogado e ex-deputado social-democrata.
O acesso das secretas aos chamados metadados das comunicações - dados de localização, identificação de quem faz e quem recebe as chamadas, números marcados, tempo das chamadas - foi aprovado em julho de 2017 pelo PS, PSD e CDS, com um reforço das exigências de controlo e justificação dos casos em que é permitido aos espiões pedir às operadoras estas informações - que a lei apenas admite para suspeitos de terrorismo, espionagem e criminalidade organizada.
A concretização prática deste sistema passou, contudo, por um moroso processo de regulamentação e só em março deste ano, regista o CFSIRP, foi declarada a "operacionalidade" do "Sistema de Acesso ou Pedido de Dados aos Prestadores de Serviços de Comunicações Eletrónicas (SAPDOC), que é gerido pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos de Justiça.
Esta tomada de posição do CFSIRP surge antes de ser conhecido o acórdão do Tribunal Constitucional (TC) em relação a este sistema, na sequência de um pedido de "fiscalização sucessiva" que foi requerido pelo PCP, BE e Os Verdes, que o consideram inconstitucional.
Em 2015, o TC já tinha chumbado uma proposta semelhante, com base no que determina o artigo 34º da Constituição da República Portuguesa: " é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal" - ou seja, só as polícias de investigação podem ter acesso aos metadados, tal como às escutas.
De acordo com várias fontes do setor, é esperado um novo chumbo dos juízes, uma vez que a questão de fundo - violação do artigo 34º - continua a manter-se, independentemente das garantias de controlo e limitação de acessos que a nova legislação veio acrescentar.
Apesar de ter validado o sistema, o CFSIRP apresenta ainda assim, algumas "intervenções pontuais, de sentido clarificador e aperfeiçoador" do mesmo: "na distinção entre o acesso a dados de base e de localização de equipamento, por um lado, e o acesso a dados de tráfego, por outro; no objeto dos dados a disponibilizar pelas operadoras; na obrigação de conservação dos dados por parte destas; na comunicação para efeitos de procedimento criminal das informações recolhidas; na relação com Serviços de Informações estrangeiros que tenha por objeto o mesmo tipo de dados de telecomunicações e internet".