Ivo M. Ferreira caiu bem no feitiço do festival de Pingyao

Termina este sábado a segunda edição do Festival de Pingyao. A coprodução entre Portugal e a China, <em>Hotel Império</em>, de Ivo M. Ferreira, ficou fora do palmarés. O cineasta Jia Zhangke contou ao DN como é montar o festival.
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Faz muito, todo o sentido que no meio da China profunda, numa cidade ancestral como Pingyao, Hotel Império, de Ivo M. Ferreira, tenha tido a sua estreia mundial. Para já, é uma coprodução com a China e, além do mais, encena uma história sobre o fim de um sonho macaense.

Inteiramente rodado em Macau, Hotel Império, digno sucessor de Cartas da Guerra, é a história de um velho hotel no centro de Macau que vive dias de decadência. Maria, a jovem mulher que o gere, tenta resistir às propostas de compra. O seu pai idoso pede-lhe para nunca vender e ela vai resistindo, mesmo quando as dívidas aumentam. Até que subitamente chega um comprador com um segredo muito especial. Os tempos estão a mudar e Macau já não é a Macau de uma velha utopia.

Filmado com uma sensualidade desconcertante, Hotel Império insere-se na tradição dos velhos filmes noir série B e convoca uma serenidade muito old school, tendo ainda uma Margarida Vilanova preciosa no papel principal, criando uma mulher com um charme tão fatal como trágico.

É seguramente o filme da confirmação de um cineasta que não para de evoluir e que prepara já um explosivo projeto sobre as FP-25 de Abril. Só de estranhar que tenha passado na secção Crouching Tigers, destinada a primeiras e segundas obras...Esta é a quarta longa de Ivo, que começou a carreira com Em Volta, em 2002. Para já, o que se sabe é que o filme apenas chegará aos ecrãs portugueses em 2019.

"Esta segunda edição do nosso festival foi um sucesso. Na China não há mais nenhum festival como o nosso", conta-nos Marco Muller, o diretor do festival, num português perfeito (a sua mãe era brasileira) e prossegue: "Quisemos fazer um festival para um público jovem com o intuito de revelar novos cineastas e fazer com que os distribuidores chineses olhem para eles. Aliás, os distribuidores chineses até compram muitos filmes mas, depois, não sabem o que fazer com eles. Talvez um festival como Pingyao os ajude". Um festival que se autointitula: "festival boutique para o povo". E o "povo" é uma mistura de gente da terra com jovens estudantes vindos de toda a China.

Apesar de casas cheias e de uma balanço positivo, este italiano poliglota afirma que não quer que o seu festival cresça mais: "a ideia é manter este modelo, um festival com cerca de 50 filmes, onde se dá a atenção devida a cada um deles. É um modelo para manter, embora estejamos a refletir sobre a questão do mercado, ou seja, termos um mercado maior e que possa servir como lugar de encontro para haver negócio e intercâmbio". Quanto ao cinema português, já se percebeu que em Pingyao as portas estarão sempre abertas, em especial devido à boa impressão que no ano passado A Fábrica de Nada, de Pedro Pinho criou.

Mas se Marco é o diretor, o dono do festival é Jia Zhangke, o nome maior do cinema de autor chinês, senhor de obras como Plataforma ou Se as Montanhas se Afastam, cineasta que conseguiu erguer aqui em Pingyao este evento. Numa conferência de imprensa para fazer o balanço do festival, confessou a sua felicidade: "Decidi criar este festival porque fui a tantos festivais por esse mundo fora e sentia que na China faltava algo como isto: um certame que conseguisse mostrar aos jovens cinema que não fosse só as grandes produções chinesas ou os blockbusters americanos. Senti que era importante exibir cinema de qualidade de todo mundo. Além do mais, queria trazer para a minha terra aquele ambiente de experiência de partilha multicultural que encontro lá fora".

E pelos corredores desta antiga fábrica gigante transformada em centro de festivais, Jia anda de um lado para o outro sempre acompanhado de seguranças e da sua entourage de assistentes. Ajuda nas conferências de imprensa, dança nas festas e apresenta os filmes nas sessões de gala. Para tornar tudo ainda mais surreal, pegou na imprensa estrangeira e levou-nos para Fenyang, a sua terra natal, a uma hora de carro de Pingyao. Foi lá, no seu restaurante Mountains May Depart, que nos confessou: "Foi aqui que escrevi o argumento de Ash is Purest White. Gosto muito de vir para aqui no inverno escrever". Talvez seja bom avisar que nesse restaurante moderno a comida é toda tradicional e inspirada em receitas da China imperial. Ash is Purest White tem já distribuição assegurada para Portugal.

E a imprensa estrangeira convidada é tocada pelo feitiço do festival. "O que achei incrível neste festival foi poder ver uma variedade nova de cinema chinês independente. E é um cinema que os festivais internacionais nunca levam...", conta Elaine Guerini, repórter da Valor Económico, publicação do Brasil. "Este festival nasce de uma ideia genial! Um festival pequeno numa cidade histórica da China! E surpreende-me a quantidade de público nas salas de uma antiga fábrica de motores. Um público que vai ver um tipo de cinema mais alternativo! Depois, há um interessante cruzamento entre arte e negócio", exclama Diego Brodersen, crítico argentino da Página 12.

À segunda edição, o Festival de Pingyao parece já ter uma marca consolidada. Ajuda ter um "dream team"com Marco Muller e Jia Zhangke no leme.

Palmarés:

Melhor filme: Soni, de Iva Ayr (Índia)
Melhor realização: The Load, de Ognjen Glavonic (Sérvia)
Prémio do Júri: A Land Imagined, de Yeo Siew Hua (Singapura)


Fei Mu Award (filmes chineses)
Melhor Filme: The Crossing, de Bai Xue
Melhor Realização: Crossing the Border, de Huo Meng

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