P onham-se na minha pele, sim na pele de um Porco. Soa mal, não é? Mesmo escrito com maiúscula. A não ser que alguns de vocês sejam luso-chineses, como a família com quem almocei no outro dia e me tentou animar. Até têm uma filha Porco também e não se cansaram de salientar a felicidade. Venham mais, são sinal de fortuna, foi só o que faltou dizerem! . Bem, já perceberam que toda esta conversa vem a propósito do Ano Novo Chinês, que desta vez calha a 5 de fevereiro e que é celebrado em toda a Ásia Oriental e ainda mundo fora graças à diáspora chinesa. Este é o Ano do Porco. Sim, o meu, que nasci em 1971, e também de quem nasceu em 1959, 1947, 1935, 1923 ou em 1983, 1995 e 2007, mas cuidado se forem de janeiro, o mais provável é pertencerem ao signo do ano anterior. Reparem que o ano do Porco começará só daqui a dez dias. Até lá, quem nascer em 2019 continua Cão. . São 12 os signos chineses, como no zodíaco, mas em vez de uma lógica mensal repetem-se a cada dúzia de anos. E cada signo tem cinco elementos, que se repetem por sua vez a cada 60 anos: Madeira, Terra, Água, Metal e Fogo. Este ano o Porco é de Terra. . Mas esperem! Muitos de vocês que me estão a ler também são Porco. Claro. Se pensarmos que são 11 milhões os que vivem em Portugal, e que há 12 signos, então teremos uns 900 mil Porco por cá. E não me parece que esta estatística não se reflita nos leitores do DN. Sem ofensa. . Contudo, há distorções. Disse-me a professora Wang Suoying, há 40 anos a viver em Portugal, que «muitos pais esperam que os filhos nasçam no ano do Porco porque significa que serão prósperos e felizes». Também há quem prefira que os filhos sejam Dragão porque é sinal de que serão poderosos. Mas por muita programação que os casais chineses fizessem, no tempo em que se tinha muitos filhos, calhava como calhava. Hoje, porém, com as pessoas a terem uma só criança e com os anticoncecionais, há, de facto, calendarização. Na China continental não se sabe bem o que acontece, mas noutras parcelas do mundo sínico, como Taiwan, Hong Kong, Macau ou Singapura, já deu para perceber que há quem queira fintar a natureza. Da última vez que foi ano do Dragão, ou seja 2012, houve um miniboom de bebés em Taiwan. . Bem , demo-nos então felizes por ser Porco. Custa um pouco por questões culturais. Por exemplo, segundo o Zodíaco sou Leão. Agora façam a comparação: toda a gente diz forte como um leão, ninguém diz forte como um porco. Aliás, parece que basta comparar com um leão para qualquer ação soar bem: comer como um leão, lutar como um leão. Experimentem agora pôr nas frases a palavra porco. Pois! . Continuo a olhar para a questão de um ponto de vista eurocêntrico. Pensem quantos países são simbolizados por leões e quantos brasões familiares o ostentam. A competir só a águia, que não é signo em lado nenhum. Brasões com um porco? Só se for com um javali, isso sim. . Esta má fama do porco não é exclusiva do Ocidente. O mundo judaico não o aprecia, o islâmico também não. Comer porco não é nem kosher nem halal. E se pensarmos que os hindus também o evitam, então um terço da humanidade desconhece quão saborosas são umas costeletas do cachaço, já para não falar dos 1001 enchidos. Mas esperem. Se no Ocidente apreciamos a carne de porco, talvez comecemos a perceber porque dão tanto valor a este animal os chine ses. São os que mais porcos criam (uns 400 milhões por ano) e estão no topo dos que mais o consomem. Ter um porco nas aldeias portuguesas de há umas décadas era garantir alguma abundância a seguir à matança, festa merecida. Na China não anda longe disso a tradição. E disse-me um especialista em caligrafia chinesa que o caráter casa tem incluindo os traços do caráter porco: «Uma casa próspera tem de ter porco.» Porco é sinónimo de riqueza, no Ocidente como no Oriente. O mealheiro em forma de porco continua popular. Porquê? . Bem, isto de ser Porco pode então ser visto de outra forma. Com um pouco de exercício mental chegamos à conclusão de que o porco é um animal inteligente e até tão próximo de nós humanos do ponto de vista biológico que os seus órgãos um dia poderão ser usados em transplantes. A concretizar-se, uma evolução curiosa daquela ideia de que do porco tudo se aproveita. . E o porco também pode ser associado a simpatia. Pensemos nos Três Porquinhos, em Babe ou no Leitão, o melhor amigo de Winnie the Pooh. Só para contrariar, o meu filho (e já falarei mais do signo chinês dele) lembrou-me dos porcos malvados de George Orwell, do à letra A Quinta dos Animais , mas mais traduzido como O Triunfo dos Porcos . Na verdade, o escritor britânico deu protagonismo aos porcos não por serem maus, mas por serem inteligentes. E na sua metáfora da Revolução comunista na Rússia havia porcos bons também. . Nascido em 2000, o meu filho Daniel é Dragão. E sim, tem razões para estar feliz com o signo chinês. Um livro até diz que o melhor para um Dragão é ser filho de Porco. No caso dele é-o duplamente. Também a mãe é de 1971. . Para acabar, admito que já lido melhor com a ideia de ser Porco. Até porque a China está aí cada vez mais nas nossas vidas e podemos ter a humildade de aprender com uma das mais antigas civilizações. E estou na companhia de Hillary Clinton ou Woody Allen. Ou do fadista Paulo Bragança. . Mas não sejamos ingénuos: quando no pico da crise alguém na imprensa anglo-saxónica se lembrou de chamar PIGS a Portugal, Itália, Grécia e Espanha não estava propriamente a elogiar o presunto de Barrancos ou de Parma.