Associação Zoófila vai a eleições em clima de guerra

Há uma "campanha vergonhosa contra a associação" por parte de "pessoas sem caráter", diz a atual presidente da AZP, que decidiu não se recandidatar depois de ser alvo de uma queixa-crime por abuso de confiança. Várias associações da causa animal fizeram um comunicado a apoiar Ana Fernandes, que foi candidata pelo PAN à Câmara de Odivelas.
Publicado a
Atualizado a

"Perante o nível a que chegou esta campanha vergonhosa, com pessoas com tão mau caráter a atacar a associação, e para não prejudicar mais a AZP, resolvi não me candidatar." É assim que Ana Fernandes, presidente da Associação Zoófila Portuguesa desde 2009 e acusada pelo conselho fiscal em exercício de "negócios consigo própria", por ser dona de uma empresa que cobrou mais de 25 mil euros de serviços à AZP, justifica o facto de não integrar nenhuma das duas listas que disputarão as eleições marcadas para 29 de julho.

Também num comunicado de solidariedade com Ana Fernandes publicitado a 10 de julho pela Associação Animal, e subscrito por dez outras associações, se faz a identificação da AZP com a sua presidente, considerando que tornar públicas as acusações de que esta é alvo corresponde a "uma detração da imagem da AZP" colocando "em risco a já precária situação dos animais a seu cuidado, bem como de quem deles cuida".

O comunicado afirma mesmo que a publicitação das acusações a Ana Fernandes, que é deputada municipal pelo PAN em Odivelas, prejudica a causa e todas as associações a ela dedicadas: "Consideramos que as mais recentes notícias que colocam em causa a sua idoneidade são altamente prejudiciais àqueles cujos interesses e direitos servimos: os animais. (...) este tipo de procedimento prejudica gravemente todas as associações de proteção animal (...)."

"Ganhar votos e aparecer"

As notícias em causa - que têm origem num trabalho publicado no DN a 28 de junho -- referem diversas irregularidades imputadas a Ana Fernandes pelo conselho fiscal e por membros da anterior direção. Além de uma empresa detida pela presidente ter cobrado serviços à AZP num total de 25 mil euros, também a compra de um telemóvel por 843 euros sem decisão colegial prévia e a aquisição, em fevereiro de 2017, de mais de três mil euros de ração fora de prazo de uma marca de que a sua empresa detinha a representação (de acordo com a direção da AZP, em resposta a pergunta do DN sobre se já fora ressarcida deste gasto, "foi emitida nota de crédito tal como acordado com a empresa distribuidora").

Estas acusações foram reveladas numa assembleia geral extraordinária da AZP, convocada a pedido de um grupo de associados, a 26 de maio, a qual, tendo terminado sem se concluir a ordem de trabalhos, deveria ter sido alvo de continuação, o que não sucedeu. Já em junho, após o DN ter tido conhecimento dos factos e contactado Ana Fernandes e a presidente do conselho fiscal, Luísa Coelho, para obter esclarecimentos, a direção e a assembleia geral demitiram-se, anunciando a convocação de novas eleições e também a demissão do conselho fiscal, apesar de a presidente deste asseverar que o órgão se mantém em funções e tentar publicar no site da AZP e respetivo Facebook um comunicado com essa posição, o que foi negado.

O clima de conflito na AZP, porém, é muito anterior a estas notícias; é a segunda vez neste ano que a associação vai a eleições, e as anteriores, em abril, também se deveram à demissão da maioria dos membros da anterior direção por, alegadamente, não concordarem com a gestão de Ana Fernandes. E já depois disso houve outra demissão, a da vice-presidente da direção eleita em abril, Eulália Rocha da Silveira. Esta saiu a 1 de junho, na sequência da assembleia geral de 26 de maio, por, explicou ao DN, "não achar normal o que se passava".

Muito crítica de Ana Fernandes e dos restantes membros da direção, que considera "não serem as pessoas indicadas para estarem na direção de uma associação" por, alega, não ter visto nelas "nenhuma sincera preocupação com a causa animal, apenas ganhar eleições, ganhar votos e aparecer", Eulália Rocha da Silveira, cuja demissão nunca foi formalmente anunciada aos sócios da AZP (quem controla os canais de comunicação, a direção e a mesa da assembleia geral entendeu não o fazer), é agora candidata a presidente da AZP na lista B, que integra também a presidente do atual conselho fiscal, Luísa Coelho, que apresentou a queixa-crime contra Ana Fernandes e dois elementos da direção que esteve em funções até abril.

Uma dos quais, Raquel Leite, agora candidata a vogal da direção, é a autora do mail dirigido aos corpos sociais e no qual se pedia explicações sobre a empresa Izumix e a sua relação com a AZP - mail esse que levaria à revelação de que essa empresa, que há anos cobra serviços à AZP, é detida por Ana Fernandes.

A criação de um conselho de ética é uma das novidades da lista B, que também propõe acabar com a possibilidade de os membros da direção auferirem um salário - Ana Fernandes está a receber mil euros por mês desde maio e dois membros da direção recebem 580 euros cada - e contratar um gestor para o hospital veterinário da AZP, cujo volume de negócios é de cerca de um milhão de euros/ano.

Por outro lado, na lista A estão duas vogais da direção demissionária, Cristina d'Eça Leal e Bianca Santos. Esta última partilhou no início de julho, por mail que chegou ao conhecimento do DN, a proposta do comunicado referido acima como sendo uma iniciativa da Associação Animal e exortando as outras associações de proteção animal a solidarizarem-se: "Hoje é pela AZP, amanhã pode ser outra associação a precisar."

Ao DN, Bianca Santos, que no mail referido não se identificava como vogal da direção da AZP mas como "Consultoria e investigação em Direito Animal/mestre em Direito Animal e Sociedade", assume o gesto como "uma defesa do princípio da presunção da inocência da AZP e da pessoa que presidia à AZP, independentemente da minha posição como membro da direção". O programa da lista A, disponibilizado hoje, anuncia a abertura de "um novo espaço, com novas valências", a reforma das instalações do hospital e a criação de outros polos veterinários", assim como a obtenção do estatuto de utilidade pública.

"Já disseram que me querem expulsar"

Certificando ao DN que até agora não foi chamada pela justiça, Ana Fernandes, que é técnica dirigente da administração pública, tendo ocupado vários lugares de administração em organismos da dependência do Instituto de Emprego e Formação Profissional, passou, desde maio, a coordenadora do Núcleo Formação e Projetos da Comissão Nacional Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens.

Em junho, quando o DN lhe perguntou se tinha solicitado, nos termos da lei, autorização para acumular as suas funções como servidora pública com a remuneração de mil euros pela presidência da AZP, respondeu: "Na sequência de um convite que me foi formulado no início do ano iniciei funções num serviço novo a 1 de maio deste ano, nesse mesmo dia fiz o requerimento de acumulação de funções que teve resposta favorável no dia seguinte. É de referir que a minha mudança para este novo desafio foi condicionada por dois fatores, um ter jornada contínua de modo a sair às 15.30 e dessa forma ter tempo para o exercício de outra atividade e o outro fator o de poder ter acumulação de funções, em concreto poder acumular com a presidência da direção da AZP."

Questionada pelo DN sobre que tipo de relação tenciona manter com a AZP agora que abandona a direção, é irónica: "A minha manutenção como sócia depende de qual lista ganhe, porque a lista B já disse que iria expulsar-me. Mas mesmo que ganhe a lista A, nos primeiros tempos irei descansar." Acrescenta, porém, que está certa de que se a lista A ganhar a lista B impugnará as eleições.

Uma possibilidade que Luísa Coelho, presidente do conselho fiscal, não põe de lado, precisamente por a direção demissionária ter decretado que o conselho fiscal se demitira quando, mantém, tal não é verdade. Quanto à expulsão de Ana Fernandes, nega que esteja no programa da lista B. "É uma lista a favor da AZP, não contra a Ana Fernandes. Temos ideias muito claras sobre o que deve fazer a AZP para cumprir a sua missão. O que está no programa é a continuação da assembleia geral extraordinária de 26 de maio, que tinha um ponto sobre as consequências legais e estatutárias das ações da presidente da direção, ponto que não chegou a ser discutido."

Luísa Coelho aproveita também para exprimir a sua perplexidade com o facto de da auditoria anunciada pela direção demissionária como tendo como alvo as contas e o funcionamento da AZP - e do respetivo conselho fiscal - ainda nada se saber. Confrontada com o facto de a presidente demissionária acusar os que a criticam de prejudicar a AZP, é cortante: "A Ana Fernandes continua a confundir a AZP com ela própria. E é ela que está a causar danos reputacionais graves à AZP."

Nota: Notícia alterada às 14.05 de 30 de julho. Ao contrário do que se afirmava, Ana Fernandes não é dirigente do PAN. Foi candidata por este partido à presidência da Câmara Municipal de Odivelas nas autárquicas de 2017 e está mandatada para substituir o deputado municipal eleito pelo PAN Nelson Silva. Esclarecimento prestado pelo PAN, ao qual, como aos leitores, se apresentam desculpas pela incorreção.

Em relaç ão a esta notícia o DN recebeu um direito de rectificação, que passa a transcrever:

Lemos com atenção o artigo que publicou e gostaríamos de salientar que relativamente a esta citação "...e acordo com a direção da AZP, em resposta a pergunta do DN sobre se já fora ressarcida deste gasto, "foi emitida nota de crédito tal como acordado com a empresa distribuidora" " a informação não é clara:

A nota de crédito em causa refere-se à fatura apresentada na Assembleia Geral Extraordinária (AGE) da AZP a 26 de maio, EUR 2,941.07 euros de ração fora de prazo. A nota de crédito referida no artigo, emitida pelo distribuidor, foi emitida apenas e só porque o distribuidor foi ressarcido pela IZUMIX, empresa unipessoal da Dra. Ana Fernandes. Isto é, a Dra. Ana Fernandes ressarciu a AZP pela ração fora de prazo que ela própria tinha vendido à AZP.

Posteriormente à dita AGE, o Conselho Fiscal da AZP apurou que havia mais faturas irregulares. O total de ração fora de prazo vendida pela Dra. Ana Fernandes à AZP é de 7,326.37 euros. O valor restante, 4,385.31 euros, não foi devolvido.

O Conselho Fiscal tem provas documentais sobre tudo o que aqui é afirmado. Como existem provas documentais sobre todas as irregularidades apresentadas em sede da AGE interrompida e sobre a qual nunca mais foi dado qualquer esclarecimento aos associados.

Luísa Coelho, Presidente

Teresa David, 2ª Vogal

Conselho Fiscal

Associação Zoófila Portuguesa

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt