Atentado no Irão faz cem mortos e aumenta tensão no Médio Oriente
Horas depois de um ataque com drone ter liquidado seis elementos do Hamas, incluindo o seu vice-chefe, no sul de Beirute, território controlado por outro movimento islamista, o Hezbollah, uma dupla explosão não longe do mausoléu de Qassem Soleimani, o general iraniano morto há quatro anos (também num ataque com drone), matou pelo menos 95 pessoas e sacudiu de novo o frágil statu quo na região.
Enquanto o líder do Hezbollah prometeu que Israel deve esperar “uma resposta e uma punição” pela morte do seu número dois, o atentado no cemitério da cidade iraniana de Kerman recebeu, para já, uma reação mais contida por parte de Teerão.
As duas explosões ocorreram com 20 minutos de intervalo na estrada a caminho do cemitério, em Kerman, no sul do Irão, onde Soleimani está enterrado. Uma multidão dirigia-se para o local em comemoração do aniversário da morte de Soleimani num ataque executado pelos Estados Unidos, no aeroporto de Bagdade, em 2020.
Segundo a agência noticiosa Tasnim, as bombas estavam em duas malas, a 700 metros e a um quilómetro da tumba de Soleimani, e terão sido detonadas por controlo remoto. Num primeiro momento foi noticiado que o ataque terrorista teria sido executado por dois suicidas. O ministro do Interior iraniano, Ahmad Vahidi, disse que a maioria das vítimas morreu na segunda explosão e prometeu uma reação “rápida e vigorosamente” aos atentados.
Em menos de 24 horas, o Irão e seus aliados foram surpreendidos com dois ataques mortíferos. Se no caso do ataque com dois mísseis que matou Saleh al-Harouri, vice-líder do Hamas, o movimento islamista palestiniano aponta o dedo a Israel (que não confirma nem desmente), os ataques aos seguidores de Soleimani são motivo de especulação, entre grupos terroristas locais a atores estatais.
“O Estado Islâmico demonstrou que está disposto a fazê-lo. Israel pode ter querido intensificar a escalada contra o Irão para o forçar a fazer algo que arrastasse os Estados Unidos contra o Irão. Tudo isto são possibilidades”, disse Hassan Ahmadian, professor de Estudos do Médio Oriente na Universidade de Teerão à Al Jazeera.
O presidente iraniano Ebrahim Raisi disse que os autores do “ato hediondo” vão ser identificados e punidos, no entanto, para o sucessor de Soleimani na liderança da força Quds não há dúvidas: “Apresentamos as nossas condolências ao povo de Kerman, que foi atacado por gente sanguinária patrocinada pela América e pelo regime sionista”, disse Esmail Qaani.
Os Estados Unidos foram lestos a negar qualquer envolvimento no duplo ataque e declararam que nenhum país tem “interesse numa escalada” na região. “Os EUA não estiveram envolvidos de forma alguma. Qualquer afirmação em contrário é absurda”, afirmou o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, que também isentou Telavive: “Não temos razões para acreditar que Israel esteve envolvido nesta explosão.”
Analistas como Ali Vaez, do Crisis Group, este em declarações ao New York Times, lembram que o modus operandi de Israel em operações no solo iraniano não envolveu o ataque indiscriminado à população, mas a cientistas nucleares, altos quadros do aparelho de segurança ou instalações nucleares.
O ataque em Beirute deixou também o Hezbollah, movimento patrocinado pelo Irão, numa posição incómoda. O seu líder prometeu responder ao ato “perigoso” que resultou na morte dos seis dirigentes do Hamas e que, se Israel atacar, o Hezbollah irá para a guerra. Num discurso, Hassan Nasrallah afirmou que as “organizações da resistência estão a agir independentemente umas das outras”, cada uma no seu próprio país. “Durante três meses até à data, tivemos mártires, sacrifícios, pessoas deslocadas, danos, destruição, perigos e preços a pagar. Mas também temos resistência, coragem, luta, desafio, perdas nas fileiras do inimigo e recusa de rendição”. Para Nasrallah, os ataques de 7 de outubro fizeram com que a questão palestiniana tenha sido “relançada e Israel não conseguiu acabar com os palestinianos”.
O ministro dos Negócios Estrangeiros do frágil governo do Líbano, Abdallah Bou Habib, declarou à BBC 4 que estão em conversações com o movimento xiita para os “convencer” de que “não devem responder” à morte do número dois do grupo Hamas.
“Se o inimigo pensar em fazer guerra contra o Líbano, então a nossa luta será sem fronteiras, sem limites, sem regras. E eles sabem o que quero dizer. Não temos medo da guerra. Não estamos hesitantes.”
Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah
85% da população de Gaza deslocada
No final de 2023, 1,9 milhões de palestinianos, quase 85% da população total da Faixa de Gaza, estavam deslocados internamente, incluindo quem foi deslocado várias vezes, estima a agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos (UNRWA). O mais recente relatório aponta ainda para que, entre os deslocados, 1,4 milhões estão alojados em 155 instalações da UNRWA, embora a maioria se concentre em Rafah, que recebe mais de um milhão de pessoas (dez vezes mais do que a sua população já de si amontoada).
É neste quadro que dois ministros da extrema-direita do governo israelita, Ben Gvir e Bezalel Smotrich, propuseram colonizar Gaza e “encorajar” a população palestiniana a emigrar. “Estes comentários são inflamatórios e irresponsáveis”, reagiu o Departamento de Estado norte-americano através do porta-voz, Matthew Miller. Também o Ministério dos Negócios Estrangeiros francês qualificou as declarações de “provocadoras”.
cesar.avo@dn.pt