A “frente republicana” funcionou melhor do que o previsto nas sondagens, com as projeções à boca das urnas a darem este domingo a vitória nas legislativas à aliança de esquerda Nova Frente Popular (NFP), diante do campo do presidente Emmanuel Macron. A extrema-direita do Reunião Nacional (RN), que tinha ganho a primeira volta com um resultado que a deixava próximo de uma possível maioria absoluta, ficou em terceiro lugar. Jean-Luc Mélenchon reivindicou a vitória e exige a Macron que deixe governar a NFP, enquanto Jordan Bardella, do RN, denunciou uma “aliança de desonra” da esquerda com o centro que “lança a França nos braços da extrema-esquerda”..Após a contagem final do sufrágio, a NFP, que inclui a esquerda radical da França Insubmissa (LFI) de Mélenchon, elegeu 182 deputados, ficando longe da maioria absoluta de 289 na Assembleia Nacional. Em segundo lugar surgiu o Ensemble, o campo de Macron, com 168 representantes. O RN e os aliados não foram além dos 143 deputados, enquanto Os Republicanos se ficaram pelos 45 assentos parlamentares, também afastados dos 63 a 67 deputados que as sondagens à boca das urnas lhes atribuíam. Há ainda mais 39 lugares para distribuir por outros partidos..O primeiro a reagir às projeções foi o ex-líder e candidato presidencial da LFI. “Tivemos um resultado que nos diziam ser impossível”, congratulou-se Mélenchon, lembrando que o RN “ficou longe de ter a maioria absoluta que se previa” e que isso é “um alívio para a esmagadora maioria das pessoas” que se sentiram “terrivelmente ameaçadas”. Mélenchon defendeu que “a vitória do povo deve ser estritamente respeitada”, rejeitando qualquer “subterfúgio” e exigindo que a NFP forme governo..“A derrota do presidente e da sua coligação confirma-se. O presidente deve admitir essa derrota sem a tentar contornar de qualquer forma. O primeiro-ministro deve sair”, insistiu Mélenchon, falando num “voto de desconfiança popular” em Gabriel Attal e insistindo que o próximo chefe do governo deve vir da NFP. “As urnas decidiram entre dois projetos diametralmente opostos. A NFP está pronta para governar”, defendeu..Dentro da aliança, a LFI será o partido mais votado, com as estimativas a darem-lhe 73 a 80 deputados, à frente dos socialistas que deviam ter 60 a 64, os ecologistas com 33 a 36 e os comunistas com 11 e 12. A aliança de esquerda foi formada há pouco mais de um mês, quando Macron surpreendeu com a decisão de antecipar as eleições após o desaire nas europeias..O líder socialista, Olivier Faure, “respirou de alívio” com o resultado eleitoral. “Esta noite, a França disse não à chegada do RN ao poder!”, lançou à multidão de apoiantes, defendendo também ele um governo da NFP e rejeitando qualquer “coligação de contrários” com o bloco de Macron. “A NFP deve assumir o comando desta nova página da nossa história”, insistiu..Attal demite-se.Mais de uma hora depois, Attal reagia diante do Matignon, confirmando que vai pedir esta segunda-feira a demissão, mas que ficará em funções “o tempo que for preciso” - o país prepara-se para receber milhares de pessoas para os Jogos Olímpicos de Paris. O Eliseu disse este domingo que Macron quer esperar por saber a composição final da Assembleia Nacional, apelando à “prudência”, antes de nomear um novo chefe de governo - a escolha depende apenas do presidente, que por enquanto se quer focar na cimeira da NATO que começa na terça-feira em Washington..Para parte da direita e do campo presidencial, um governo que inclua a esquerda radical é um cenário ainda pior do que um da extrema-direita. Éric Ciotti, cuja liderança d’Os Republicanos é contestada pela maioria do partido por ter feito um pacto com o RN, criticou o que apelidou de “aliança da vergonha” que juntou o centro e a esquerda, considerando que Macron “deu o poder à extrema-esquerda numa bandeja de prata”..E já se ouviam no domingo vozes que pediam uma aliança que afaste os extremos, seja de direita ou de esquerda. “As forças políticas centrais têm uma responsabilidade que não podem descartar”, disse o ex-primeiro-ministro Édouard Philippe, apelando a um “acordo que estabilize a situação política”, mas que “não pode ser construído nem com o RN nem com a LFI”. Também o secretário-geral do partido de Macron, Stéphane Séjourné, defendeu ser óbvio que a NFP “não pode governar a França”, já que “o bloco central republicano moderado continua de pé”..Attal congratulou-se que “nenhuma maioria absoluta pode ser liderada pelos extremos”, felicitando-se pelo facto de o campo de Macron ter obtido “três vezes mais deputados” do que o previsto nas estimativas iniciais. O resultado dá um novo fôlego ao “macronismo”, que muitos já davam como morto. Mas admitiu que o cenário será complicado. “Sei que, à luz dos resultados desta noite, muitos franceses sentem uma espécie de incerteza quanto ao futuro, uma vez que não surgiu nenhuma maioria absoluta. O nosso país vive uma situação política sem precedentes”, afirmou. “Esta noite começa uma nova era”, insistiu. Serão necessárias negociações complicadas para garantir uma maioria que não deixe a Assembleia Nacional bloqueada. Macron não pode marcar novas eleições antes de passar um ano..“Avanço histórico”.O líder do RN, Jordan Bardella, lembrou que o partido registou o seu “maior avanço na história”, duplicando o número de deputados, e criticou “os arranjos eleitorais” que “atiraram a França para os braços da extrema-esquerda”. Após a primeira volta, na qual o partido obteve 33% das intenções de voto e ficou à frente em quase 300 círculos eleitorais, entrou em ação a chamada “frente republicana”, com mais de 200 candidatos a desistirem nas corridas a três para não dividir o voto anti-RN e assim favorecer a extrema-direita..“Apesar de uma campanha de segunda volta marcada por alianças contranatura, que procuraram de todas as maneiras impedir os franceses de escolher livremente uma política diferente, o RN teve hoje o avanço mais importante de toda a sua história”, reagiu. Para Bardella, “a aliança da desonra e os arranjos eleitorais perigosos negociados por Macron e Attal com as formações de extrema-esquerda impedem os franceses de uma política de recuperação nacional”. E coloca o RN como “a única alternativa perante o partido único”..A antiga líder do partido Marine Le Pen, que espera ser candidata às presidenciais em 2027 (após três candidaturas e duas derrotas para Macron), não se mostrou derrotada após serem conhecidas as projeções. Mesmo se, na campanha para a segunda volta, disse acreditar que uma maioria absoluta era possível. “Tenho demasiada experiência para ficar desiludida com um resultado em que duplicamos o número de deputados. A maré continua a subir. A vitória só foi adiada”, afirmou à TFI..Participação recorde.Segundo as estimativas das empresas de sondagem, a participação deverá ser superior a 67% (pode mesmo ser 67,5%), acima da primeira volta (66,7%). São mais de 20 pontos percentuais do que nas legislativas de 2022 e quase 25 pontos a mais do que nas de 2017. É a participação mais elevada desde as eleições antecipadas de 1997..As sondagens à boca das urnas foram recebidas em festa pelos apoiantes da esquerda, com milhares de pessoas a encherem a Praça da República, em Paris. Ao final da noite, já havia confrontos com a polícia. Noutras cidades, como Rennes, Nantes ou Lyon, a tensão também chegou às ruas. Após uma campanha marcada por meia centena de agressões contra candidatos e as suas equipas, o governo francês destacou 30 mil polícias para garantir a segurança no dia das eleições, dos quais cinco mil só em Paris..susana.f.salvador@dn.pt