O mantra de Carlos Moedas

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Quando não está ocupado a fazer o 15.º balanço da Jornada Mundial da Juventude - que escolheu como coroa de glória - Carlos Moedas ocupa-se a culpar a oposição por tudo o que não consegue fazer. Em particular o PS, de quem herdou obra, políticas e ideias.

Desde o dia 1 que o seu principal trabalho à frente da Câmara de Lisboa é inaugurar obra do antecessor: entregar chaves de casas deixadas prontas, ou quase prontas, e benzer a máquina das obras contratadas no anterior mandato para o Plano de Drenagem. Entende-se que tudo isto ocupe muito tempo e que o impeça de se dedicar ao que verdadeiramente interessa.

Apesar disso, os vereadores socialistas na CML criaram condições para que governasse, fazendo um esforço para acompanhar as suas propostas, exceção feita às que põem em causa o interesse público. Não é por isso verdade que o PS seja uma “força de bloqueio” à governação de Lisboa, por mais alto que grite o Presidente.

Nas últimas semanas, Moedas destacou dois desses “bloqueios”: a concessão do ténis em Monsanto e o licenciamento de um quarteirão na Fontes Pereira de Melo. O que se esqueceu de dizer é que, no primeiro caso, e com o sonho de ter lisboetas a jogar em Roland-Garros, queria entregar 12 campos de ténis e 35 mil metros quadrados de infraestruturas, por 30 anos, a troco de 5 mil euros mensais, o preço de uma pequena loja no centro da cidade. O segundo caso é ainda mais revelador sobre a despreocupação com que defende o interesse público. O voto contra do PS impediu que a Câmara licenciasse um quarteirão para habitação de luxo - investimento muito acima dos 100 milhões de euros - a troco de uma creche sem recreio. Uma creche não é um armazém e o bem estar das crianças não pode ser sacrificado, mais ainda quando existia um compromisso prévio assinado com o promotor nesse sentido. A um presidente da Câmara pede-se firmeza na defesa dos interesses de todos os lisboetas, e não apenas dos que fazem negócio e investem na cidade.

Governar em minoria é muito difícil, queixa-se aos jornais, apesar de ter sido essa a decisão dos lisboetas nas urnas. Mas complicado é não querer negociar com as outras forças políticas ou com as juntas da oposição. O presidente que publicamente se afirma acima da luta partidária, trava essa guerra continuamente nos bastidores. E sempre que perde no jogo democrático, usa o mantra da “força de bloqueio”. Que é, apenas, a desculpa mais recente de quem nunca tenta encontrar consensos. Aumento do número dos Sem-Abrigo? Responsabilidade do governo e da Santa Casa da Misericórdia. Lixo na cidade? Culpa das juntas de freguesia, a quem paga para que varram as ruas em torno dos contentores (o que, convenhamos, se torna difícil quando os contentores não são despejados).

É importante distinguir entre a propaganda de Moedas e a realidade. O presidente que se orgulha de já ter entregue 2.000 casas, nunca refere que mais de metade destas inaugurações foram deixadas em estado avançado de obra pelo executivo anterior. E também não diz que meteu na gaveta 1.605 frações em projeto para renda acessível, que foram assim suspensas ou mesmo canceladas.

Falemos também da promessa eleitoral de um seguro de saúde para os lisboetas com mais de 65 anos. No seu primeiro ano de funcionamento, 2023, este plano permitiu apenas 6 teleconsultas por dia e uma consulta presencial, e dos 118 mil euros investidos, quase 40% foram gastos em publicidade.

Há ainda assuntos que nenhum mantra consegue explicar. Por que razão não candidatou uma única escola ao programa de requalificação/reconstrução, desbaratando verbas do PRR, quando o concelho tem 30 escolas que transitaram do Estado consideradas de intervenção prioritária? Pior. Em três anos, nem um projeto de arquitetura foi iniciado para recuperar estas escolas. Também não explica por que é que, em vez de aproveitar financiamento europeu, optou por endividar Lisboa com empréstimos e dezenas de milhões de euros em juros para, entre outras coisas, pagar os projetos que não fez, apesar de ter o maior orçamento de sempre na autarquia e centenas de arquitetos nos quadros da Câmara? Como conseguiram municípios bem mais pequenos e com orçamentos muitíssimo inferiores aproveitar estas verbas? 

De acordo com o mantra de Moedas, o seu mandato só não é de glória e realização porque as “forças de bloqueio” e, já agora, todas as outras, o impedem. É por isso que faz render a visita papal de há um ano e uma pala no árido Parque Tejo, que equipara à Torre Eiffel: Carlos Moedas não é capaz de explicar a sua própria ineficácia.

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