Miguel Oliveira teve de ser operado depois de sofrer múltiplas fraturas do rádio do braço direito, na sequência de uma queda nos treinos livres do Grande Prémio da Indonésia, em setembro. Apesar de ter falhado três provas, ocupa o 15.º lugar do Mundial de pilotos. No MotoGP desde 2019, o ‘Falcão’, como é conhecido, vai manter-se na elite do motociclismo de velocidade e correr pela Pramac Yahama até 2026..Como está a correr a recuperação? A queda doeu só de ver...Está a correr bem, é uma lesão complicada, mas bastante mais simpática do que aparentava. Felizmente foi só uma, entre aspas, cirurgia reconstrutiva com uma placa e 11 parafusos para fixar o osso, mas ao nível articular não houve lesão, nem ao nível dos ossos da mão, que era aquilo que mais preocupava no início. Por isso, à partida, não vou ficar com nenhuma restrição de mobilidade. Em pouco tempo voltei a ter algum movimento e a ter alguma atividade, como tal, não estive muito tempo parado..Já dá para treinar em cima da moto?Ainda não. Para já só dei umas pequenas voltas no simulador, simplesmente para perceber o quão longe ainda estou de poder voltar. Mas nesta fase é bastante provável que vou conseguir fazer pelo menos a última corrida. E isso já me deixa muito contente. .Ia mesmo perguntar sobre o nível de frustração que sentiu, agora que estamos a cerca de 15 dias do final da época...A primeira fase da lesão foi difícil porque havia a esperança de poder voltar em alguma das corridas da ronda asiática. Duas semanas e meia após a cirurgia percebemos que ia ser muito complicado, por isso colocámos logo o objetivo do regresso na última prova. Agora que já temos uma data fixa para voltar, as coisas tornam-se bastante mais animadoras e um bocadinho mais leves. .Será a última corrida do Miguel Oliveira na Aprilia/Trackhouse. Vai ser uma corrida de sentimentos mistos. Por um lado vou estar a despedir-me e por outro estarei a apresentar-me à minha nova equipa e a entregar-me a um novo desafio. Olho para ambas com muito entusiasmo. Obviamente que as coisas com a Aprilia acabaram por não ter o desenvolvimento que eu gostava e ambicionava, de parte a parte, posso dizer. Sobretudo por ter este impedimento causado por uma questão técnica na moto. Isso dói a ambas as partes, obviamente. Mas estou super entusiasmado, sempre quis representar a Yamaha e isso naturalmente deixa-me muito motivado para poder abraçar esse projeto e poder experimentar a nova moto. .Mas volta a estar na posição de fazer tudo de novo. Nova equipa nova moto. Ao fim de cinco anos entre a elite do motociclismo ainda procura estabilidade? O que tem faltado?Podia agrupar estas duas épocas numa só. Caminhámos sempre em solo muito instável. E apesar de termos sempre muita ambição e muito esforço de parte a parte, o certo é que não chegou para o nível dos adversários. Quer seja a nível da equipa, quer seja a nível da própria Aprilia, aquilo que apresentámos este ano não foi suficiente. Sofremos com isso. Problemas técnicos, condicionantes naturais como não ter a moto suficientemente competitiva para qualificar bem, lesões, acidentes com outros pilotos... Foi uma época marcada pelos “ses” e também por este caminhar em solo instável. Acredito que estas duas épocas me possam ter dado algumas ferramentas para poder lidar melhor com o que esteja para vir. Acredito que serviu para me fortalecer. .Assinou pela Yamaha, mas também se falou de outras equipas. Ou seja, a continuidade no MotoGP nunca esteve em causa?Sim. A minha continuidade no MotoGP nunca foi coisa que me tirasse o sono. Acredito que sou um dos pilotos mais completos da grelha do MotoGP e também acredito que faltaram muitas coisas externas a mim para poder ter os resultados que sei poder alcançar. Acredito muito no futuro com a Yamaha e acredito que vamos colidir em trajetórias ascendentes. Gostamos sempre de ser super positivos e otimistas quando começamos um projeto novo, mas poderemos ver coisas fantásticas, tendo em conta os dados que a Yamaha tem apresentado, com toda a restruturação do projeto e o investimento que estão dispostos a fazer no MotoGP a curto prazo..O Miguel Oliveira que fez história ao ser o primeiro, e único até agora, a entrar no MotoGP está habituado a desafios difíceis ou quase impossíveis...Sempre fui confrontado com essa realidade desde que comecei a andar de moto, desde que comecei a sair de Portugal para poder evoluir como piloto e para poder estar em campeonatos com mais miúdos para ser mais competitivo. Sempre me confrontei com grelhas cheias de espanhóis e italianos. E eu era o único português que, teimosamente, insistia em tentar destruir os sonhos dos miúdos espanhóis e italianos. Convivi com essa realidade durante toda a minha trajetória. Não tendo outro português a competir, torna difícil para o público em geral comparar o que eu faço e dar-me o devido valor por ser o único no MotoGP. É realmente muito difícil fazer o que fiz. Venci em Moto3, venci em Moto2 e venci no MotoGP. E não foi apenas uma vez, foram várias vezes. É um patamar muito, muito difícil. Quando me retirar das pistas, seria bom Portugal ter mais cultura motociclista e que houvesse um português na mira para poder ascender a estes campeonatos tão competitivos..O MotoGP vai continuar em Portugal, em parte, porque há um Miguel Oliveira no circuito mundial? Tenho plena consciência de que ter um português no campeonato mundial influencia bastante estas decisões. Sobretudo este ano, tivemos, finalmente, o Governo a assumir as rédeas financeiras para manter o MotoGP em Portugal por mais dois anos. Demonstra muita vontade do Governo e, sobretudo, reconhecimento pelo impacto económico do MotoGP. A continuidade é muito positiva para o país. É preciso destacar o trabalho da administração liderada pelo engenheiro Paulo Pinheiro [falecido em julho] nestes últimos anos para haver MotoGP em Portugal. Paulo Pinheiro foi uma figura central, pois dinamizava, trazia ideias, parceiros, mas não posso deixar de agradecer ao meus patrocinadores que, juntamente comigo, abraçaram o sonho do MotoGP, com visitas ao paddock e fazer com que colaboradores e adeptos vivessem a experiência do MotoGP, algo que não se consegue a partir do sofá e da televisão. .Lida bem com a situação de ter pessoas no paddock, quanto está a tentar concentrar-se para a corrida?É uma situação sempre difícil de gerir, porque não podemos receber ou dar atenção com a simpatia, tempo e disponibilidade que, por vezes, gostaríamos, porque estamos inteiramente envolvidos nos nossos pensamentos, concentrados em ultrapassar o desafio que o treino anterior nos colocou ou a preparar o próximo treino. Por vezes é difícil ter a abordagem carinhosa que os fãs mereceriam naquele momento. Mas o paddock é o ambiente do meu trabalho. Todos os fãs que ali vão querem ter a experiência da dinâmica e da emoção de cada Grande Prémio, mas para mim é o ambiente de trabalho. Podem ficar chateados, uma vez ou outra, com a falta de disponibilidade, mas faz parte... Quando era pequenino o meu maior sonho era tirar uma foto ou pedir um autógrafo ao Valentino Rossi, mas ele era tão inacessível, havia tanta gente a querer chegar a ele, que não dava. Isso também cria uma certa magia. .A magia de agora é o Miguel Oliveira ser o Rossi de alguém?Exato. .Custa assistir aos Grande Prémios pela televisão?Tudo o que seja estar em casa e ver corridas pela televisão faz-me muita confusão porque estou a ver os outros a fazer aquilo que eu amo fazer. É frustrante e um bocadinho doloroso para qualquer pessoa que se identifique ou seja apaixonado pelo que faz. Mas agora o importante mesmo é ter uma data fixa para voltar e ganhar um bocadinho de ânimo e motivação no dia a dia para que o tempo passe um bocadinho mais rápido. .O campeonato vai ser decidido na última corrida. Como antecipa esta reta final de MotoGP? O campeonato tem sido super interessante. O ‘Pecco’ Bagnaia e o Jorge Martín estão a fazer as suas melhores épocas. Quem ficar em segundo lugar não será por não melhorar os próprios números face ao ano anterior, por isso acho que vai mesmo ganhar o melhor. São pilotos muito diferentes e acho que o psicológico poderá ditar o melhor ou o pior resultado. Qualquer que seja o desfecho, ambos são vencedores do título..As corridas sprint vieram para ficar. Gosta das corridas sprint?Gosto muito das corridas sprint. Acho que dão uma dinâmica ao fim de semana muito mais gira, muito mais entusiasmante porque temos a oportunidade de pontuar duas vezes. Também acabam por ser um teste de alma para a corrida de domingo, apesar de ser feita em condições completamente distintas. Já deu para perceber que a escolha dos pneus é quase sempre diferente. Temos as motos sempre muito mais leves pela distância da corrida. Por isso, a nível de performance, as coisas são sempre um bocado mais velozes ao sábado do que ao domingo. Ao mesmo tempo, é um ensaio excelente para a corrida de domingo. Temos visto as provas cada vez mais rápidas e o ritmo de corrida está super elevado. .A velocidade é o mais entusiasmante? O que o motiva a continuar? Tudo. Cada corrida tem a sua história, a sua particularidade, a sua dificuldade. Quer seja pelo circuito, pelo adversário, o ambiente ou a altura da época. Apesar de ser um desporto onde andamos às voltas num circuito, partimos e chegamos no mesmo sítio, é giro porque é sempre tudo muito diferente. O entusiasmo de competir é aquilo que mais me motiva. .Apesar das lesões, frustrações e instabilidade, continua a ser um piloto apaixonado pela modalidade?Sim, basta um momento feliz em cima da moto para esquecer tudo o que me deixa frustrado. Essa é a beleza de andar de moto. Quando as coisas saem bem, sentimo-nos no topo do mundo e esquecemos tudo o que de mal aconteceu. Continua a ser super gratificante. O MotoGP tem as motos mais rápidas e mais bem desenvolvidas a nível de tecnologia do mundo. É um espetáculo correr, mesmo que na maior parte das vezes seja frustrante não alcançar o que queremos..O pior é mesmo o contacto com a gravilha?Tanto a gravilha como o asfalto são pouco confortáveis (risos). .A 300 quilómetros por hora, pensa-se em alguma coisa? Não. Todo o processo de andar de moto é muito intrínseco aos nossos movimentos. Tudo o resto é um jogo de sensações, procurar sempre o limite do pneu, da aderência, da inclinação, da velocidade, da trajetória... sem cair. É um desporto relativamente complexo, as motos são complexas de conduzir. Não há nenhuma outra moto ou outro desporto que se possa equiparar ao MotoGP..isaura.almeida@dn.pt