Elisa Ferreira: “Temos um nome que é considerado inquestionável para a presidência do Conselho Europeu e esse nome é António Costa”
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Elisa Ferreira: “Temos um nome que é considerado inquestionável para a presidência do Conselho Europeu e esse nome é António Costa”

Comissária para a Coesão e Reformas falou com o DN via Zoom, de Bruxelas, sobre o pós-europeias. Diz-se convicta de que as principais famílias políticas se irão entender para Ursula von der Leyen continuar na Comissão e há forte probabilidade de escolherem o ex-primeiro-ministro português para o outro cargo de topo.
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Em relação aos resultados das eleições, há quem sinta um grande alívio por os blocos tradicionalmente europeístas terem mantido a maioria. Quando vê estes resultados ao nível dos 27 países, sente-se otimista quanto ao espírito europeísta?
Sim e não. Sim no sentido em que aqueles partidos que são pró-europeus têm globalmente um desempenho e um reconhecimento por parte dos eleitores muito importante, interessante e positivo. Por outro lado, está gerada uma certa instabilidade em países como a França ou a Alemanha, embora ache que a situação em  França é mais complicada. Atribuo essa instabilidade muito mais a questões de política interna do que de política europeia, mas, no entanto, podem criar uma instabilidade relativamente ao momento que estamos a viver na Europa. Nesse sentido, preocupa-me que os dois grandes países estejam hoje, sobretudo França, numa situação de alguma instabilidade. Espero que rapidamente se volte a uma normalização, mas, mais uma vez, acho que as pessoas confundiram eleições europeias com um juízo dos governos em exercício e espero que, cada vez mais, se volte para a Europa com o foco nos assuntos efetivamente europeus, que acabam depois por ter um grande reflexo nas decisões e nos instrumentos de política nacionais.

É curioso que tenha referido França e a Alemanha, porque o Le Monde sublinhava, num artigo há dias, que tinham sido os países fundadores, com exceção do Luxemburgo, aqueles que mais tinham contribuído para o aumento de eurodeputados nos grupos mais à direita.
A Bélgica também, os Países Baixos de alguma forma, embora nos Países Baixos tenha sido um resultado bastante menos agressivo do que o que a determinada altura tinha sido equacionado. Na verdade, esses países fundadores, a meu ver por razões mais internas do que europeias, acabam por ser os que mais contribuíram para esse aumento, e isso é importante, é grave para a Europa.

Não há o perigo de as populações destes países se terem esquecido de dar valor à União Europeia porque, na verdade, a maior parte das pessoas nasceu já depois da fundação da CEE, em 1957, e portanto, ao contrário dos portugueses, dos espanhóis ou dos romenos, não tem um ponto de comparação para avaliar o que a União Europeia trouxe de positivo?
Acho que muitas vezes o voto europeu é como se fosse um voto para a política nacional, não é um voto que ponha efetivamente em causa as políticas europeias. Embora a Agenda Verde, por exemplo, quando é depois refletida em instrumentos de política nacional, seja muitas vezes interpretada como sendo uma agenda puramente europeia. No entanto, é uma agenda global, em que algumas das indústrias que estão a fazer a transição a começaram, e eu cito muitas das regiões que estão a fazê-la, por exemplo, em indústrias muito geradoras de carbono e gases de efeito de estufa, por motivos que se começaram a exprimir desde os anos 90. As minas, por exemplo, estão a fechar naturalmente. A política de coesão, a política europeia, aparece aqui como um fator de minimização dos impactos territoriais, sociais e económicos dessas transições, e nós conhecemos a transição têxtil, da construção naval, do aço. São transições que existem. E a verdade é que muitas vezes há falhas ao nível da comunicação e isso falta na política de coesão e também a nível europeu. Há muita tendência por parte de todos os políticos locais e nacionais para dizer que quando corre mal a culpa é da Europa e quando corre bem é devido à sua própria ação. Isto é algo que temos de combater se queremos que os cidadãos saibam tomar posições relativamente ao que é da responsabilidade europeia ou da responsabilidade nacional. É, de facto, difícil fazer passar isso, até porque a política ancora-se em agendas que são de nível nacional e só em alguns casos específicos, do tipo Erasmus ou Horizon, é que se percebe que são mesmo a nível europeu. Um último comentário: tudo aquilo que é adquirido vai perdendo valor. As pessoas dão muito valor àquilo por que têm de lutar e nós temos de pensar como é que podemos mudar as perceções. De facto, mesmo a nova geração não lhe passava pela cabeça durante muito tempo que a paz não fosse algo inerente. Nunca viveram em guerra, por isso não sabem valorizar muitas vezes o que é a paz. Nesse aspeto acho que a invasão da Ucrânia pela Rússia veio tocar algumas consciências e algumas campainhas, porque mostrou que, embora a Europa seja um projeto de paz, esses princípios e esses conceitos de substituir a legitimidade da invasão por uma legitimidade de princípios, jurídica e constitucional, que foi a base da construção da Europa, não são partilhados por todo o mundo e, em particular, por alguns vizinhos. Penso que essa consciência foi alertada e que é importante revisitar a História.

Com base nestes resultados adivinha-se uma continuidade da presidência da Comissão Europeia e, o que é habitual também, o acordo entre o PPE e os Socialistas Europeus para divisão de altos cargos. Pensa que o apoio do governo português a António Costa reforça a posição do candidato nacional? Há possibilidade de um português ter agora um cargo tão importante, há condições para isso?
Em Portugal nós não temos consciência da maneira como os outros nos veem. Eu visitei todos os países da União e muitas regiões - fora de Portugal cerca de 90 regiões diferentes. Portugal é um país muito conceituado, é considerado um país médio, um país maduro, um país de gente sensata, e com muito prestígio. Eu costumo citar um antigo colega polaco que tinha sido ministro dos Negócios Estrangeiros e que convidei, isto já há uns anos, a falar para uns estudantes que eu tinha trazido a Bruxelas. Convidei-o a dizer abertamente, num espaço que não era mediático, o que é que ele pensava sobre Portugal, e ele disse que Portugal tinha a melhor diplomacia do mundo e que, sendo um país que não é uma das grandes economias, acabou por conseguir que o maior banco privado a operar na Polónia seja português, que a maior companhia de distribuição seja portuguesa e que a maior empresa de construção civil seja também portuguesa. Portugal tirou um benefício enorme dos fundos estruturais e é um país para o qual temos de olhar com cuidado. A verdade é que Portugal tem bastante influência, mas até podia ter mais, porque toda a agenda de estímulo e pressão para que os funcionários portugueses sejam mais reconhecidos requer algum profissionalismo na defesa dos interesses que também são portugueses. Aí, penso que o governo que cessou começou um trajeto que não está acabado, pois tem de ser feito com muita persistência. É importante reativar o interesse por cargos europeus, que são cargos de carreira, a nível dos funcionários, num momento em que muitos dos que entraram, quando Portugal aderiu e ainda antes da adesão, se reformaram. Houve uma onda que neste momento já se esgotou e é preciso fazer um trabalho de persistência, de valorização, de lóbi e de apoio a esses candidatos, isso é um facto. Na atualidade, para além de termos um secretário-geral das Nações Unidas, de termos tido um presidente da Comissão Europeia, temos agora, de facto, um nome que é considerado inquestionável para a presidência do Conselho e esse nome é António Costa. É evidente que houve aqui certas perturbações causadas pela sua demissão e pelas alegadas questões judiciais, mas acho que já perderam completamente o impacto. Acho que foi importante o apoio do primeiro-ministro português de uma forma tão explícita, mas seria uma pena que Portugal não aproveitasse um nome que é consensual, ou que pelo menos o era e penso que ainda continua a ser, mesmo em famílias políticas muito distantes da família socialista, exatamente pelas características pessoais de António Costa.

Portanto, acha que António Costa tem possibilidades de vir a ter esse cargo?
Acho que tem muitas possibilidades. Penso que é o nome, neste momento, mais consensual para o Conselho, assim como Ursula von der Leyen para a Comissão, embora ainda haja muitas barreiras a ultrapassar, em particular ao nível do Parlamento Europeu, porque ela tem de ser confirmada pelo Parlamento Europeu. Aí, as diferentes famílias políticas têm, por várias razões, posições não uniformes, digamos assim. Cada deputado vota de acordo com a sua consciência ou com os seus objetivos, não há uma disciplina de voto. Penso que ela tem grandes hipóteses, mas que António Costa, se é que posso dizer isto assim, tem um caminho mais fácil, porque basta que haja consenso ao nível do Conselho dos primeiros-ministros e é normal que as duas primeiras famílias políticas ocupem os dois lugares mais reconhecidos.

Foi António Costa quem escolheu Elisa Ferreira para comissária portuguesa e agora é a vez do ex-primeiro-ministro procurar um alto cargo europeu.
Álvaro Isidoro / Global Imagens

Em relação à sua experiência como comissária, teve de lidar com a pandemia, com a guerra na Ucrânia e todos os efeitos que esta teve na economia e até na crise energética. Há quem diga que a União Europeia lidou muito melhor com essas duas crises do que lidou, por exemplo, com a crise do euro, uma década antes. É essa a sua perspetiva?
É, é essa a  minha perspetiva. Eu não posso dizer taxativamente que a Comissão aprendeu, mas acho que o facto de haver aqui um conjunto de comissários que eram muito sensíveis aos erros anteriores e à necessidade de fazer diferente ajudou. Posso dizer que a família de centro-esquerda, alargada aos liberais, com gente destes dois espaços, teve um papel importante, assim como a própria presidente da Comissão, que também foi muito sensível a esta agenda. Nós fizemos esta análise no 9.º relatório que eu tive ocasião de apresentar. Enquanto em relação à crise de 2008, que se estendeu depois, como se sabe, até 2011, a crise da dívida soberana que começou com a crise financeira e depois alastrou, algumas regiões e países ainda estavam a tentar recuperar o nível do PIB per capita de antes de 2008 em 2020, aquando da covid, o que é penoso. Isso significa que essa crise teve, de facto, impactos absolutamente assimétricos nas diferentes regiões e nos diferentes países. A tendência de convergência a nível europeu parou a partir de 2008 exatamente porque as contenções de correção a seguir, quebras de investimento público, quebras de renovação da Administração Pública, geraram nos países que mais dependiam dessas dinâmicas um processo de rutura da convergência e da ascensão. Portanto, nós deparámo-nos com uma recuperação do passado que demorou 10 anos e ainda não estava completa. No caso da crise de 2020, organizámos um conjunto de instrumentos de caráter excecional. Eu fui ao Parlamento, que reuniu e votou pela primeira vez por via digital, sete vezes com alterações aos regulamentos da coesão, precisamente porque percebi que se os países não tivessem uma oportunidade de pegar nos envelopes que já tinham da política de coesão e utilizar uma parte desses fundos para políticas de emergência, a crise na coesão seria muito maior. Isto é, iríamos romper a sociedade, as empresas iriam fechar, os restaurantes, as pequenas empresas, etc., não iriam aguentar. Iria haver uma crise económica que faria retroceder todas aquelas regiões e países e seria um retrocesso imparável, porque depois isto é muito contagioso. As pessoas não teriam os salários, as empresas fechavam, e, portanto, havia uma bomba que estava ali latente. Se nós não fizéssemos uma intervenção de emergência, o problema de coesão para essas regiões e para esses países seria muito maior. Posso fazer notar que em todas as regiões que dependiam do turismo tudo fecharia, porque o turismo parou. As regiões industriais que precisam de peças que tinham de ter transportes e que não eram só digitais teriam entrado completamente em rutura. Isto significa uma cadeia de perdas: empresas a fechar, pessoas a irem para o desemprego, as finanças públicas a serem pressionadas pelos subsídios de desemprego, seria um drama muito semelhante a alguns dramas a que assistimos em 2008 e que não queríamos repetir. Por isso a autorização que me deu o Parlamento e que me deram os Estados-membros para alterar a legislação de coesão foi fundamental. Primeiro, por causa da covid, fomos lá duas vezes e fizemos aquele instrumento a que chamamos CRII (Coronavirus Response Investment Initiative) e de que houve um CRII 1 e um CRII + precisamente porque inicialmente pensávamos que a pandemia era uma coisa para meses, e não foi. Depois, logo a seguir, houve a invasão da Ucrânia pela Rússia. Certos países não tinham maneira de acolher milhões de refugiados, sobretudo mulheres, idosos, crianças, que estavam com a roupa do corpo, por isso tivemos de reprogramar e isso beneficiou imenso a Roménia, a Bulgária, a Polónia, algumas regiões alemãs e também Portugal, porque, como sabemos, temos uma forte comunidade ucraniana. Foram duas vezes que fomos ao Parlamento para fazer isso. Depois fomos outras duas porque a Rússia utilizou o preço da energia como arma de guerra e tivemos de criar um instrumento para facilitar a continuidade de algumas empresas quando o preço da energia subiu extraordinariamente e a vida de algumas famílias mais frágeis durante o período do inverno. Depois o apoio a novas tecnologias com o STEP, para que as regiões pudessem também apoiar e captar investimento. Isto foi aquele pacote de emergência que, passado três semanas, estava operacional, porque o dinheiro estava disponível. Eu acho que isso funcionou. Fizemos o teste e a média de rendimento das regiões mais frágeis em 2021/2022 tinha voltado ao nível de antes da covid, em 2019. As estatísticas mostram que recuperaram. Recuperaram as regiões mais ricas, as regiões mais pobres e as regiões intermédias também quase o conseguiram, falta um bocadinho. A seguir, estes apoios de emergência foram continuados com uma ida aos mercados, que demorou algum tempo a materializar-se e que acabou por permitir o que é conhecido como os PRR, mas também um reforço da política de coesão a que chamamos REACT e que veio desse endividamento internacional. Esse foi outro dos passos que esta Comissão deu e que foram históricos, porque nunca se tinha ido ao mercado financeiro pedir emprestados 800 mil milhões de euros para fazer, pela primeira vez, uma política anticíclica, e quase que se duplicou o Orçamento plurianual da União. Foi, de facto, histórico. O Orçamento para sete anos é da ordem de 1,1 biliões de euros e nós tivemos autorização para ir buscar aos mercados 800 mil milhões, o que quase o duplica. Isto já deu à Europa uma possibilidade de relançamento importante.

Em relação à questão da coesão, há um mapa muito interessante, que mostrou numa apresentação recente, das regiões europeias, aliás, como disse, já visitou 90 delas, e que mostra que muitos países, não só dos alargamentos mais recentes mas também alguns dos mais antigos da União, têm as suas regiões da capital com um rendimento muito acima da média europeia, mas depois as outras regiões não o acompanham. Isso é muito evidente em países como a Polónia, a Eslováquia, a Roménia, mas, curiosamente, isso também acontece em França, em Espanha e em Portugal. Na sua experiência, sobretudo na Europa de Leste, nos antigos países comunistas, torna-se evidente para si quando visita essas regiões que a prosperidade da União Europeia está a chegar lá e não é só à capital?
Essa questão é muito importante, porque, de facto, nós vemos um crescimento brutal em todos os países que agora comemoraram 20 anos de adesão. Obviamente, estou a referir-me ao alargamento de 2004, mas depois houve mais duas fases, em 2007 e 2013. Esses 13 países estão a crescer brutalmente. Se formos buscar o PIB per capita médio à data da adesão, vemos que era de 52%, o que é metade da média da União, e hoje essa média é de 80%. A política de coesão deu origem a um progresso brutal. Não são todos iguais. Há também essa questão da capital. Há países que estão a crescer com esse desequilíbrio de uma forma muito clara, mas alguns já se estão a aperceber de que a dinâmica da capital está a começar a ficar comprometida, porque as regiões que não crescem, que não estão dinâmicas, acabam por expelir as pessoas mais qualificadas. Elas vão para a capital, onde, muitas vezes, ficam desiludidas, e está a acontecer um brain drain (fuga de cérebros) que é completamente contraproducente e que cria uma enorme frustração em algumas dessas regiões. Nas visitas que fiz, por exemplo, à Polónia comecei a perceber o papel muito importante dos governadores regionais, e as regiões são muito poderosas e já começamos a ver dinâmicas de desenvolvimento muito especializadas num país que é muito grande, mas que começa a ter muitos polos de dinâmica. Acho que a própria Roménia já estabeleceu regiões, já estão com oito regiões, e estão a criar capacidade nessas regiões e estamos a ver já polos com alguma dinâmica interessante, por exemplo, em Cluj-Napoca. Portanto, a reflexão começa a ser feita nesse sentido, até porque eles veem a Alemanha, e uma das componentes que dá força à Alemanha é o facto de ter as regiões e quando olhamos para o país vemos que nem  é Berlim a cidade mais produtiva e mais dinâmica. Se olharmos para Berlim, Munique, Frankfurt, Dusseldorf, etc., encontramos uma quantidade de cidades que dão robustez. Por isso o exemplo da Alemanha, neste sentido, é um exemplo que começa a fazer muito caminho. 

Não sentiu, nessas visitas aos países desses novos alargamentos, desilusão com o projeto europeu?
De todo, mesmo nalguns dos votos que depois são interpretados como antieuropeus, porque são votos que vão a favor de linhas políticas antieuropeias. A população em geral não é antieuropeísta. Por exemplo, havia uma maioria de votos no PiS, na Polónia, mas as sondagens sobre se as pessoas eram pró-europeias ou não mostravam que eram completamente pró-europeias. No entanto, por motivos de política interna, votavam num partido que verbalizava uma agenda bastante crítica da União Europeia. Esta contradição existe por vezes. Acho que essa contradição também se sente agora nos partidos que são mais ou menos tolerantes em relação à Rússia, mas muito por motivos históricos. Nós chegamos à Bulgária e há uma leitura da Rússia muito diferente daquela que existe na Polónia. Por isso os polacos são claramente pró-ucranianos e antirrussos, como todos os países bálticos estão extraordinariamente preocupados com a ameaça russa. A Bulgária eu sinto que é ligeiramente diferente, na medida em que para a Bulgária, historicamente, os russos foram importantes na libertação do domínio otomano, e, assim, têm um referencial da Rússia bastante diferente.

Ainda bem que fala na Ucrânia, pois queria falar-lhe sobre os alargamentos. Estive recentemente na Moldova, outro país candidato, e todos os edifícios públicos tinham uma bandeira da UE. O alargamento aos Balcãs Ocidentais e também a países como a Moldova, a Ucrânia e, eventualmente, a Geórgia tem pernas para andar, é algo possível? Já agora, uma pergunta relacionada: vale a pena Portugal ter aquele receio de que ficará prejudicado com esses alargamentos?
Em relação à primeira pergunta, prefiro transmitir-lhe uma experiência pessoal. Eu tinha aqui, neste gabinete onde estou, uma vice-primeira-ministra ucraniana que me disse assim, no fim da conversa: “Eu quero dizer-lhe, porque acho que é importante, que a adesão à União Europeia é aquilo que nos faz viver, é aquilo que nos dá energia para lutarmos. Porque se nós estivéssemos a lutar contra a Rússia e não tivéssemos uma luz no fim deste combate, no fim deste túnel, nós perdíamos a coragem, porque não estávamos a lutar por nada em concreto. O fim nós não sabíamos como é que seria. Portanto, vocês, União Europeia, têm de ter consciência de que são vitais para a nossa sobrevivência.” Isto foi dito de uma forma muito normal, mas é algo muito importante. Isto é, o projeto europeu visto de fora é a esperança daquelas pessoas. Eles estão a morrer, e isto foi uma coisa, alguém dizia, que nunca tinha visto ninguém morrer pela bandeira da Europa, mas as pessoas estão a morrer pela bandeira da Europa. Se formos ver o que aconteceu em Tbilisi, na Geórgia, e o que acontecia antes na própria Bielorrússia… A democracia, a liberdade, a solidariedade, a interajuda são para nós, quando já há várias gerações que não se lembram de como é que era antes, um dado adquirido, mas não é um adquirido. Nem a  democracia é um adquirido, nem a paz  é um adquirido, nem a União Europeia é um adquirido. Portanto, eu acho que esse alargamento vai ter de acontecer também, porque é muito importante. Tenho aqui a trabalhar comigo duas finlandesas e numa conversa com uma delas ela dizia-me: “Os meus pais e as pessoas que estão na Finlândia têm todos uma pequena mochila em casa com água para três dias, com os medicamentos, têm uma lista para não deixarem expirar os prazos e vão renovando os essenciais, com barras e comida que aguente, sabem onde é que se devem refugiar e têm, inclusivamente, pastilhas de iodo para o caso de haver um ataque nuclear. Os ministros, quando são nomeados, recebem formação sobre onde é que estão os sistemas vitais para o país se aguentar, e isto é a rotina.” Para nós é muito importante este papel que estes países estão a fazer e a coragem que demonstram, nomeadamente, neste momento, a Ucrânia, porque, de facto, nós temos de ter uma proteção e uma defesa. Temos também de pensar noutro enquadramento relativamente à política europeia de defesa, porque a política está ancorada na NATO, que não depende só da Europa, como se sabe. As eleições americanas também têm de ser colocadas na equação e o enquadramento na NATO não significa que não haja uma estratégia europeia de defesa. Agora em relação à segunda parte da pergunta que me fez, creio que nós temos também de ter consciência de que não é a primeira vez que a Europa se alarga. Quando, primeiro, a Grécia e, depois, Portugal e Espanha aderiram à União, o pânico em França e nalguns países era enorme, porque diziam que íamos destruir a agricultura francesa e alguma agricultura italiana; os nossos produtos iam destruir a indústria italiana, enfim… havia esse receio. Não foi nada disso que aconteceu precisamente porque a política de coesão nos ajudou, e ajudou-nos também a atrair empresas, a mudar completamente o nosso sistema, a requalificar totalmente o nosso território, os nossos recursos humanos, etc. O  alargamento de 2004 foi um alargamento que nos alargou os mercados, como se vê no exemplo que já dei dos polacos. Ajudar a reconstruir a Ucrânia é um grande Plano Marshall. Portanto, é um mercado que se abre, são oportunidades que se criam. É preciso que, e daí os meus alertas permanentes relativamente à política de coesão, nós percebamos que na maneira como se faz a indústria portuguesa, variável conforme os setores e as empresas, as empresas têm de utilizar estes apoios excecionais que temos agora exatamente para se reorganizarem e serem capazes de ser players e exemplo de como fazer a produção com respeito pelo meio ambiente. Devem utilizar os apoios para fazerem essa transformação tecnológica e robustecerem todos os setores produtivos, de maneira a podermos tornar o nosso sistema produtivo mais complexo, no sentido de utilizar mais tecnologia, mais valor acrescentado, mais redes de interajuda, e, no fundo, libertá-lo das fragilidades de que ainda as pessoas se queixam. Os fundos existiram e existem, e estamos num período de fundos excecionais, juntando o PRR com os fundos normais de 2021/2027, por isso organizemo-nos para não precisarmos de fundos. É esse o objetivo. Quanto à questão do futuro alargamento, o que eu quero dizer é que, por um lado, temos de utilizar bem os fundos que temos neste momento e, por outro, temos de ver o alargamento como uma oportunidade também. Todos estes sucessos dependem de a política de coesão ser reforçada, ser não só mantida mas também reforçada, porque foi a política de coesão que permitiu que estes alargamentos fossem um sucesso e que os próximos alargamentos também sejam um estímulo à economia de todos os outros países. É evidente que a política com os fundos que temos agora tem de ser a de os utilizar bem. A meu ver, isto é um tema que deve enformar todas as negociações que vão agora ter lugar relativamente á agenda da União Europeia para os próximos cinco anos e em que é particularmente importante também o envolvimento dos novos deputados. O envolvimento do governo português e dos outros governos todos, naturalmente. Além dos partidos políticos, porque, efetivamente, este é o momento em que se tem de dizer que a política de coesão tem de se manter e ser reforçada, o que não quer dizer que não se introduzam novos métodos de gestão, novas prioridades, que se acrescentem outras, mas há elementos que têm de estar presentes e um deles é o reforço. Acho que é preciso pensar no aumento do Orçamento da própria União, porque há novos desafios, nomeadamente na área da defesa, no reforço da tecnologia europeia, no clima, no ambiente. Estes desafios são novas necessidades que a União Europeia tem de afrontar, mas não pode fazer isso à custa da política de coesão, porque esta é a cola que mantém a Europa unida em toda a sua diversidade e em todas as suas regiões. É tão essencial quanto o mercado interno, sendo uma política que está nos tratados.

Falou em tempos que a Portugal faltava escala, nomeadamente a algumas candidaturas de municípios, porque não tínhamos as regiões. Acha que o debate da regionalização devia ser pensado ou pelo menos deviam ser pensadas soluções para que os municípios pudessem estar juntos em algumas candidaturas a fundos?
Acho que andamos em círculo em Portugal. Eu participei na discussão sobre o Livro Branco sobre Regionalização. Sabe em que ano isso foi? Foi em 1981/1982. Sabe de quando é a organização territorial portuguesa em municípios? É do tempo do Mouzinho da Silveira. Quando nós estamos a falar de agentes de desenvolvimento, temos o nível central e depois temos um nível que é muito atomizado, são 308 municípios. Eles têm feito milagres, esses municípios. É preciso escala e as comunidades intermunicipais, por exemplo, são agregações dos municípios que se juntam para fazer coisas com um bocadinho mais de escala. O que é que eu quero dizer com isto? As políticas de proximidade, a requalificação do núcleo urbano, são essenciais, mas já estão feitas no seu essencial. Agora é preciso criar espaços, e não podem ser os municípios a concorrer uns com os outros e a fazerem todos, por exemplo, áreas de acolhimento empresarial, que depois competem umas com as outras e algumas ficam vazias. Não podem todos ter uma universidade, mas talvez um centro tecnológico possa servir vários municípios, de acordo com o perfil produtivo dessas zonas. Uma das coisas importantíssimas que se fizeram em Portugal foi a criação das novas universidades. Ao contrário do pensamento que parece ser o dominante hoje, acho que é preciso que outras estruturas de caráter tecnológico tenham uma perspetiva mais prática e menos académica e acho que a lógica dos politécnicos verdadeiros, daqueles de onde sai saber, conhecimento e interação com as empresas é absolutamente fundamental. Isto tem de reconhecer o território e as NUTS II, isto é, Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve e as regiões dos Açores e da Madeira são as unidades certas para se desenvolverem políticas. Eu, enquanto comissária, obviamente que respeito as opções de cada país, incluindo as portuguesas, agora o que eu costumo dizer é que quando os países optam por ser muito centralizados então têm de ser muito mais qualificados para perceberem do que é que cada território precisa, porque cada território tem as suas características.

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