Neste seu filme fica a sensação de que o desejo traz a morte… Isso é verdade mas, por outro lado, é o desejo que junta aquela mulher com o personagem principal. E eles ficam juntos para não morrer. Ela está numa relação completamente tóxica, ele é um jovem que está a vir de um lugar de desamparo e de luto. É muito engraçado ser o desejo a proporcionar a união deste casal. Por isso, as cenas de sexo são cenas de explosão e de fusão. Os corpos deles são apenas um só corpo. Têm uma relação para além da química, passa pela visceralidade..Ao filmar um motel está a filmar algo forte na cultura sexual brasileira, mas escolhe filmar o que ninguém conhece. Sim, os corredores, coisa que nem eu conhecia. Os bastidores de um motel são fascinantes! Vocês portugueses não têm essa relação com o motel para o sexo porque são um país menos hipócrita..O realizador Karim Aïnouz.Zoulerah NORDDINE / AFP.Será que este filme surge na ressaca de Firebrand - O Jogo da Rainha (em estreia em Portugal em outubro), o seu filme anterior, que parecia uma encomenda internacional? Foi sobretudo uma vontade de filmar no Brasil. Estava há cinco anos sem ir lá, na verdade devido ao Bolsonaro. Mas Motel Destino vem no seguimento desse projeto que montei de uma escola de argumentistas e já vem de 2016. Chegou a ganhar um subsídio mas depois ficou parado, pois na hora de arrancar apanhámos esse terror de um governo fascista. Ficou tudo parado! Nunca pensei que um dia o conseguisse fazer… Seja como for, foi super bacana fazer O Jogo da Rainha mas estava mesmo louco por filmar no Brasil. Queria filmar num lugar com o qual tivesse uma relação, neste caso numa praia do Ceará muito perto de onde fui criado. Tive muito prazer em filmá-lo, ainda mais porque pegou algo bastante anárquico. Senti-me muito livre em Motel Destino. Se em O Jogo da Rainha filmava num local difícil e cinzento como era aquele castelo, aqui fiz tudo ao contrário. Interessava-me filmar um castelo profano. Na verdade, ambos os filmes têm a mesma estrutura de lugar e tudo se passa em volta do mesmo e, também, de certa forma, simbolizam prisões. A prisão de O Jogo da Rainha é da elite e do controlo, esta é mesmo profana e do prazer..Mas será que depois de O Jogo da Rainha ficou mais livre? Sim, exato! Depois de conseguir fazer um filme sobre a monarquia inglesa no século XVI sinto que posso contar qualquer história. É por isso que foi muito divertido contar uma história de novo no Brasil. A diferença com A Vida Invisível é que era cinema de época e de género e isso não era tão difícil pois, em si, já é um pouco artificial. O meu desafio agora era fazer género contemporâneo sem cair naquela do documental. É por isso que adoro Paris, Texas - olhamos para aquilo e pensamos que aquele lugar é só ficção ou algo meio imaginado. Este meu motel eu queria que não fosse bem real. Como fazer isso? Algumas coisas simples, como por exemplo o figurino abster-se de ter padrões, as cores têm de ter uma solidez e a câmara não estar nunca apontada para qualquer lugar à toa. Quis construir um mundo à parte com o presente..Noites Escaldantes no Ceará.Depois de O Jogo da Rainha, ainda não estreado entre nós, o realizador brasileiro deixa o deboche da corte inglesa medieval e propõe um thriller noir numa praia do Ceará. Um triângulo amoroso potente inteiramente situado nos corredores e traseiras de um motel com sexo e o bafo da morte. Um jovem em fuga é contratado para ajudar nas limpezas. Aos poucos, parece ganhar afinidade com o dono e a sua mulher, envolvendo-se com esta de forma tórrida. À partida e à chegada, pensa-se muito em Noites Escaldantes, de Lawrence Kasdan, seja pelo calor, seja pela fatalidade do toque dos corpos..Trata-se provavelmente da obra maior do realizador de A Vida Invisível e A Praia do Futuro que, aqui, pede ao espectador para fazer parte de um suspense tão realista como sensual. E passa para além do ecrã toda uma animalidade trabalhada de forma transformativa, com cobras, pássaros e um desejo primitivo. Uma fúria inesperada num conto onde todo o desejo acarreta uma revigorante carga fatal.