Quem aterrasse subitamente no Congresso do PS do passado fim de semana, e nada soubesse da realidade portuguesa e do partido que governou o país ao longo dos últimos oito anos, ficaria certamente convencido de que o homem que proferia o discurso de encerramento era o líder da oposição..Na realidade, Pedro Nuno Santos fez um bom trabalho a descrever os problemas que os Governos que integrou, não só não conseguiram resolver, como, em vários casos, agravaram substancialmente. Desde a Saúde à crise na habitação, passando pelos salários baixos e por uma economia anémica, onde as empresas não conseguem ser inovadoras, nem aproveitar o conhecimento produzido nas universidades e nos centros de investigação..Mas quando se esperava que o secretário-geral do PS fizesse um mea culpa e, em nome do seu partido, pedisse desculpa aos portugueses, este retomou o papel de líder da oposição, anunciando como, caso vença as eleições, fará tudo de forma diferente. E é aqui que as coisas se complicam, porque o seu guião para o desenvolvimento do país não augura nada de bom..Nem as extremas políticas se lembrariam de defender a ingerência do Estado na independência cientifica e académica, ou que se afunilassem os apoios às empresas num conjunto predefinido de setores e tecnologias eleitos pelo Governo. Mas Pedro Nuno Santos propôs-se, e cito, “selecionar um número mais limitado de áreas estratégicas. Concentrar a maior parte dos apoios nestas áreas, na investigação nestas áreas, na transferência de conhecimento nestas áreas, no desenvolvimento de produtos e tecnologias destas áreas e, nas empresas, em projetos que se insiram nestas áreas estratégicas”. Numa palavra: dirigismo total..Perante isto, e com grande surpresa minha, as reações dos comentadores oscilaram entre a indiferença e, nalguns casos, até a defesa militante da visão de Pedro Nuno Santos. Cheguei a ouvir um comentador afirmar que o que sugere o líder do PS não é diferente do que fazem outros países, como a Irlanda e a França, ou a própria União Europeia..Para que fique claro, é muito diferente!.O que faz a União Europeia na ciência, através de diferentes iniciativas e programas, como o Horizonte 2020, do qual fui relatora, ou o Horizonte Europa, no qual fui relatora da Agenda Estratégica do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia e da nova geração de parcerias europeias, é identificar objetivos estratégicos, proporcionando os meios e enquadramento legal para os concretizar. Não é dizer às instituições de ensino e investigação o que devem estudar, ensinar, investigar e desenvolver, e como o devem fazer. Mesmo quando são feitas apostas em setores específicos, estas são ancoradas numa forte componente horizontal de formação e investigação fundamental..A neutralidade tecnológica e a independência académica são pilares básicos da política científica da União. E são pilares na maioria dos países democráticos. Aliás, na próxima semana, no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, iremos votar uma resolução, apoiada pela maioria das famílias políticas europeias - incluindo aquela à qual o PS pertence - em defesa da liberdade da investigação científica..A União Europeia tem uma estratégia industrial, da qual também fui relatora na Comissão do Mercado Interno, na qual são identificados diferentes setores verticais. Mas esta não advoga o favorecimento de uns em relação a outros. E reconhece a importância da existência de um ecossistema horizontal que favorece as empresas e a economia no seu todo. Países como a Irlanda e a França identificam setores prioritários e incentivam-nos, não lhes impõem agendas..Não deveria ser necessário explicar como isto é diferente de pura e simplesmente, dar ao Estado, através do financiamento seletivo, o controlo total sobre a investigação científica que é conduzida nas universidades e centros de investigação. Ou de fazer do Estado o decisor absoluto sobre as tecnologias em que as empresas investem e aquelas que descartam, em função, não das necessidades e estratégias que estas próprias identificam, mas da visão iluminada de um “grande líder” da nação. Eurodeputada