Estado Islâmico-Khorasan, a ameaça terrorista que vem da Ásia Central
As autoridades russas mantiveram a narrativa de que o atentado terrorista executado na sexta-feira passada na sala de concertos Crocus City Hall e reivindicado pelo Estado Islâmico tem dedo ucraniano, apesar das declarações do líder bielorrusso deitarem por terra o que o seu aliado Vladimir Putin insinuara. As atenções viram-se para a filial centro-asiática do grupo terrorista Estado Islâmico, EI-Khorasan. Dois dos quatro suspeitos do ataque estiveram até ao início do mês na Turquia, país que nos últimos meses apertou a malha ao EI e que foi alvo de um ataque a uma igreja católica no final de janeiro.
Um dia depois de Putin ter admitido que o ataque que causou 139 mortos ter sido perpetrado por “islamistas radicais”, mas insistido na tese da ligação a Kiev, o chefe dos serviços de segurança (FSB) reiterou-a e adicionou o Ocidente à equação. “Pensamos que a ação foi preparada por islamistas radicais e que, claro, foi facilitada pelos serviços especiais ocidentais, e que os serviços especiais ucranianos estão diretamente envolvidos”, disse Alexander Bortnikov. Este disse que os terroristas planeavam fugir para a Ucrânia e uma vez lá seriam “recebidos como heróis”.
Desta vez nem foi necessário Kiev voltar a negar qualquer envolvimento. Alexander Lukashenko, líder da Bielorrússia, disse que os suspeitos - que terão sido detidos na região de Briansk, cerca de 150 quilómetros quer da fronteira com a Bielorrússia quer da fronteira com a Ucrânia, tentaram primeiro fugir para o seu país, mas não conseguiram porque foram detetados. “É por isso que não puderam entrar, eles foram vistos. Foi por isso que deram meia volta e foram para a área russo-ucraniana da fronteira”, disse o autocrata, que informou ainda que iria conversar com Putin sobre as suspeitas relacionadas com os mediadores dos quatro fugitivos.
Na terça-feira, um alto funcionário turco reconheceu que dois dos suspeitos - Shamsidin Fariduni e Saidakrami Rachabalizoda, de nacionalidade tajique - estiveram na Turquia este ano, mas crê que foram radicalizados na Rússia. Apesar de terem passado períodos diferentes (Fariduni menos de duas semanas, Rachabalizoda quase dois meses), ambos regressaram no mesmo voo a Moscovo. Ao longo de anos a Turquia de Erdogan foi acusada de fechar os olhos ao Estado Islâmico e até de comprar petróleo. O facto é que nos últimos meses, com um ataque a uma igreja em Istambul de permeio, as autoridades turcas dizem ter identificado 2919 suspeitos, 692 dos quais foram detidos. O ministro do Interior Ali Yerlikaya disse que na mais recente operação foram presos 147 suspeitos em 30 províncias.
Apesar de o Estado Islâmico ter sofrido uma derrota em todos os níveis - destruído o “califado”em território sírio e iraquiano e assassinado o seu líder - na sequência da da aliança liderada pelos Estados Unidos intervenção militar da Rússia na Síria, o grupo extremista sunita não desapareceu, muito menos as suas filiais, como é o caso do EI-Khorasan, que surgiu no Afeganistão em finais de 2014.
O nome advém de um antigo termo para designar a região que incluía partes do Irão, Turcomenistão, Tajiquistão, Usbequistão e Afeganistão. O EI-Khorasan foi fundado por talibãs paquistaneses, por militantes do Movimento Islâmico do Usbequistão e por afegãos que juraram fidelidade ao EI. O EI-K é uma força ainda mais fundamentalista do que os talibãs: os grupos são inimigos declarados. “O EI-Khorasan não quer apenas fazer explodir maternidades e escolas e matar mulheres e crianças”, disse Ian McCary, enviado do Departamento de Estado dos EUA para a Coligação Global para Derrotar o Estado Islâmico. “O EI-K está a tentar criar o caos também fora do Afeganistão. Eles têm uma visão muito niilista”, disse McCary, citado pela Voice of America.
Segundo o investigador Didier Chaudet, do Instituto Francês de Estudos da Ásia Central, o “sonho do EI-K é desestabilizar os países da Ásia Central”, tendo o grupo “feito nos últimos dois anos um grande trabalho de propaganda nas línguas tajique e usbeque”, comentou à FranceInfo. Mas não só: já no verão passado, um relatório da ONU alertava para o perigo crescente do EI-K em “projetar uma ameaça para a região e, mais além, para a Europa”.
Alguns atentados do EI-K
Jalalabad, Afeganistão Bombista fez-se explodir junto a um banco no primeiro atentado do EI-K, em abril de 2015. Morreram 33 pessoas.
Sehwan, Paquistão O mesmo método mata 90 pessoas e fere mais de 300 durante um ritual sufista num santuário, em fevereiro de 2017.
Cabul, Afeganistão Em maio de 2021, explosões numa escola frequentada por raparigas da minoria hazara fazem 90 mortos.
Cabul Uma explosão no aeroporto, em agosto de 2021, mata 170 afegãos e 13 militares dos EUA.
Kerman, Irão Homenagem ao comandante Soleimani, junto do seu mausoléu, é alvo de bombas, em janeiro de 2024: 94 mortos.
Krasnogorsk, Rússia Na 6ª-feira, quatro atiradores alvejam público e pegam fogo a sala de concertos. Morrem 139 pessoas.
Abate de mísseis sob análise da NATO
O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia afirmou que a NATO está a considerar a possibilidade de abater mísseis russos que se aproximem demasiado das fronteiras da aliança. “Estão a ser analisados vários conceitos no seio da NATO” para responder a este tipo de incidentes, “incluindo o abate destes mísseis quando estão muito próximos da fronteira da NATO”, disse Andrzej Szejna. No domingo, Varsóvia comunicou uma violação do espaço aéreo por parte de um míssil de cruzeiro russo, disparado contra alvos no oeste da Ucrânia, e que atravessou o espaço aéreo polaco durante 39 segundos.
O MNE polaco disse na segunda-feira que o embaixador da Rússia em Varsóvia não compareceu a uma convocatória diplomática emitida em relação ao incidente.
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