É domingo e o culto da Igreja Evangélica Assembleia de Deus Pentecostal de Almada é ministrado por um pastor brasileiro. No público, além de portugueses, estão presentes pessoas de Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Argentina, Cuba e El Salvador e muito mais, vários pertencentes à própria estrutura daquela instituição. “Somos uma Igreja multicultural”, explica o pastor Paulo Branco, Presidente da Convenção das Assembleias de Deus, que naquele dia abria as portas da igreja para um colega brasileiro e que revela acolher também pessoas de 20 países diferentes na Assembleia de Deus (AD). “Começamos recentemente o culto em castelhano”, diz com orgulho..Esta igreja de Almada é só um exemplo dos reflexos da imigração na capital portuguesa e nas instituições religiosas. A relação entre a religião e a imigração, especificamente a vinda do Brasil, no entanto, é algo que anda muito mais próximo e com uma complexidade maior, através de uma história que começou há cerca de quatro décadas. De acordo com o professor universitário Paulo Mendes, existem duas formas de expansão de origens brasileiras para Portugal. A primeira foi a proporcionada pela Igreja Universal Reino de Deus (IURD), entre o final dos anos 80 e início dos anos 90..“Era uma estratégia de internacionalização da igreja e, naturalmente, expandiu-se fundamentalmente para o mundo lusófono. Claro que no caso da expansão para Portugal, a IURD veio junto com a primeira grande leva de imigrantes brasileiros, mas o objetivo desta igreja não era apenas acompanhar os imigrantes brasileiros: a ideia era implementar-se junto dos nativos portugueses”, destaca o investigador. .Para alguns académicos, esta primeira leva de igrejas que migraram do Brasil para Portugal são as chamadas Neo-IURDS, isto é, igrejas semelhantes à IURD, mas muitas delas são dissidências daquela instituição, criadas por pastores e bispos que antigamente estavam ao lado de Edir Macedo - fundador e líder da Igreja Universal do Reino de Deus -, mas optaram por trilhar um outro caminho. Apesar da tentativa de integrar os portugueses nestas igrejas, as mesmas acabaram por ser maioritariamente frequentadas por brasileiros nos últimos anos, tornando-se, como refere Paulo Mendes, em “igrejas de brasileiros”. A estas Neo-IURDS também se enquadram outras tantas igrejas evangélicas que chegaram ao país nos últimos anos através de missões realizadas a partir do Brasil..“É um fenómeno muito comum: se uma igreja qualquer no Recife, por exemplo, percebe que na sua região há muita gente a ir para Lisboa, ela então envia um pastor para criar uma missão desta igreja em Portugal. Ou seja, são igrejas dirigidas por brasileiros, que têm sede ou origem em outra igreja no Brasil e que são, de facto, dirigidas para os brasileiros. E se os portugueses passam a frequentar estes espaços, para eles é uma vitória gloriosa, é sair daquele nicho muito restrito e integrarem-se noutra cultura”, destaca o professor. .Mesmo que haja um espaço quase exclusivo, os brasileiros também têm papel numa segunda expansão que se dá em instituições católicas e evangélicas portuguesas, como é o caso justamente da Assembleia de Deus mencionada no início desta reportagem. “Para mim, é prejudicial a questão dos líderes quererem ter aqui o seu satélite em Portugal. Isso afasta os brasileiros da integração total e de mergulharem na cultura portuguesa. Na nossa igreja, por exemplo, sempre tivemos as portas abertas aos imigrantes”, conta o Pastor Paulo Branco..A entrada de brasileiros nas instituições portuguesas, aliás, tem alterado positivamente a estrutura destas igrejas. À medida que a vinda de crentes brasileiros foi aumentando, as instituições foram-se adequando e passando por mudanças no funcionamento: igrejas que antes tinham lideranças apenas portuguesas, passaram a ter pastores e diretores brasileiros. O presbítero Alessandro Leite, 48, natural de Taubaté, no Estado de São Paulo e que está em Portugal há sete anos, é um deles. Leite é advogado da Convenção das Assembleias de Deus em Portugal e destaca a maneira como os brasileiros dinamizam diferentes igrejas em Portugal..“É uma relação muito positiva, até porque muitas vezes existem igrejas menores, com pouca gente e, com a chegada dos brasileiros, estas igrejas acabam se beneficiando de uma comunidade que é muito ligada ao evangelismo. Tem o caso de quem chega com crianças, a questão da música, de tocar um instrumento, é muito importante também, aumenta o senso de comunidade de igrejas que tinham poucos frequentadores e uma faixa etária mais elevada: fora que, para o próprio imigrante, é muito bom o acolhimento destas instituições”, refere o presbítero..Além da presença no corpo dirigente, os brasileiros têm impacto até no horário de funcionamento de algumas igrejas evangélicas, como explica Paulo Mendes. “Houve um líder religioso que disse que a prática religiosa em Portugal é muito mais licenciada, portanto os crentes portugueses iam à igreja uma vez por semana, no máximo duas vezes por semana. Ora, os brasileiros vêm com hábitos de uma frequência na igreja muitíssimo maior, portanto eles passaram a ter a igreja aberta sete dias por semana e não apenas durante o fim de semana e durante aqueles dois ou três dias em que à noite tinham algumas reuniões específicas”, pontua Mendes, em declaração que vai de acordo com o que pensa Alessandro Leite: “Fortalecer as igrejas é bom para todo o mundo.”.Para além do evangélico.Apesar de ser o segmento religioso que mais cresceu no Brasil nos últimos 30 anos, o evangelismo ainda não é a principal religião naquele país, já que está atrás da católica. Também a mais frequentada pelos portugueses, a Igreja Católica tem sido igualmente impactada pela imigração de brasileiros para o país. Para membros e frequentadores destas instituições, é um aspeto igualmente positivo..O padre Júlio José Neves do Nascimento é natural de Salinopólis, município localizado no estado do Pará, no Norte do Brasil. Membro da Congregação missionária do Santíssimo Redentor, Júlio durante a sua vida transitou em missões pelo seu país até ser transferido para Portugal, onde hoje em dia é o padre da Paróquia da Venda Nova, na Amadora. A chamada deu-se por uma “crise de padres” naquela igreja. Com falta de profissionais, a paróquia pediu ajuda ao Governo brasileiro e à União dos Redentoristas do Brasil, que já tinha um representante por ali antes de Júlio..O padre brasileiro Júlio Nascimento posa para foto antes de missa na Amadora; "Me sinto acolhido", diz..“Vim para substituir um outro padre brasileiro, o Cleidivan. A receptividade do povo português é muito boa, me sinto acolhido, até porque a maior parte das pessoas que frequentam a paróquia são senhoras portuguesas de idade. Tenho uma harmonia com as pessoas, nunca houve discriminação, pelo contrário: me agradecem por estar aqui”, começa por dizer o padre Júlio..De acordo com o brasileiro, a dificuldade que a sua paróquia teve para encontrar padres é algo que se tem estruturado não só em Lisboa e Portugal, mas também em outros lugares do mundo. No caso da situação na capital portuguesa, o padre Júlio entende ser resultado de uma espécie de crise conjuntural nas formações da Igreja Católica: a maioria das pessoas que passam por seminários e decidem seguir a vocação sacerdotal pertence a congregações religiosas, e não ao Patriarcado de Lisboa..“Acredito que as vocações estejam em crise e reconheço que essa situação é, em grande parte, por uma responsabilidade nossa enquanto Igreja. Poderíamos fazer mais pela promoção das vocações, mas infelizmente há uma mentalidade equivocada como se os padres já nascessem padres, sem considerar que eles passam por processos de discernimento e formação até chegarem ao sacerdócio. Falta uma certa promoção por parte da Igreja sobre o tema das vocações e acredito que esse seja um dos nossos grandes desafios aqui em Portugal”, pontua o padre Júlio..Religiões afro-brasileiras.A mais recente vaga de imigração de brasileiros em Portugal, que tem crescido progressivamente desde 2016, tem trazido não só missionários de igrejas evangélicas e padres de igrejas católicas, mas também praticantes de religiões afro-brasileiras. A Umbanda e o Candomblé, que no Brasil se popularizaram especialmente no Rio de Janeiro e em estados da região nordeste, têm tido cada vez mais relevância em Lisboa e nos arredores da capital. Engana-se, no entanto, quem pensa que o aparecimento de terreiros em Portugal - locais onde são praticadas estas religiões - tem a ver com esta última vaga de imigração..De acordo com Paulo Mendes, em Lisboa, os primeiros Pais e Mães de Santo, responsáveis pelos terreiros religiosos, são justamente os portugueses. “É um fenómeno completamente distinto: no final do século passado, foram portugueses universitários, ou seja, pessoas de uma outra extração em termos sociais, pertencentes à elite, que foram ao Brasil em viagem, tiveram sua iniciação por lá e acabaram por trazer estas religiões para Portugal” ressalta o professor, pontuando que não deixa de ser um aspeto curioso, tendo em vista que são religiões que nasceram em África e se popularizaram no Brasil. .“Os membros das tradições afro foram então se integrando nos terreiros já existentes, não houve missões. Só recentemente é que, no fundo, foram tendo massa crítica suficiente para poder criar terreiros próprios. Mesmo assim, a maioria dos terreiros existentes no momento são dirigidos por portugueses, agora mais fortalecidos pela imigração brasileira”, explica o docente..Quer seja umbandista, católico, candomblecista ou evangélico, uma coisa é certa: os brasileiros têm tido cada vez mais impacto no fortalecimento destas instituições religiosas de Lisboa, sejam como frequentadores que ajudam a dinamizar os mais diferentes cultos, sejam como representantes e líderes destas crenças e tradições. Se depender dos portugueses que lideram essas instituições, esta é uma tendência que veio para ficar, como coloca o Pastor Paulo Branco. “Todo e qualquer imigrante religioso é bem-vindo no nosso país, desde que chegue com boas intenções. Os portugueses também foram imigrantes e, sinceramente, têm de entender que Portugal hoje é um país que tem muitos imigrantes. Neste sentido, nós temos de ser solidários. Afinal, este é o princípio da Igreja, não é?”