Em dia de luto, Putin sob pressão para explicar falhas de segurança
Enquanto nas ruas de Moscovo o choque, o luto e a fúria se misturavam entre os milhares de pessoas que aproveitaram o dia de luto nacional para prestar homenagem às vítimas do atentado de sexta-feira contra o Crocus City Hall que fez pelo menos 182 mortos, muitos tinham sentimentos contraditórios em relação à sugestão feita no sábado pelo presidente Vladimir Putin de que os atacantes teriam ligações à Ucrânia.
Com o Estado Islâmico -Khorasan, a ala afegã do grupo jihadista a ter reivindicado o ataque horas ainda na sexta-feira e a ter publicado entretanto vários vídeos dos homens armados que abriram fogo e incendiaram a sala de espetáculo onde mais de 6000 pessoas aguardavam o início de um concerto, muitos moscovitas ouvidos pela AFP têm dúvidas sobre um eventual envolvimento da Ucrânia. “Não estou inclinado para acreditar na versão sobre o envolvimento da Ucrânia”, garantiu Vomik Aliyev, estudante de medicina de 22 anos cujos pais são muçulmanos. Mais dúvidas tinha Valery Chernov, dono de uma loja, de 52 anos, para quem “a guerra acontece em todos os cantos do país, não é só na TV”, antes de acrescentar: “É difícil saber quem está por detrás disto tudo. Inimigos na Rússia, de certeza, inimigos de Putin que querem destabilizar a ordem e o poder, de forma a que os russos comecem a duvidar da capacidade do seu governo para os proteger”.
Ainda no sábado, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky veio denunciar que Putin estava a tentar “lançar as culpas” sobre a Ucrânia. E ontem os Estados Unidos também rejeitaram qualquer envolvimento de Kiev. A vice-presidente norte-americana, Kamala Harris, afirmou, numa entrevista televisiva, que não existe “nenhuma prova” de “envolvimento ucraniano” no massacre reivindicado pelo Estado Islâmico. E a porta-voz do Conselho de Segurança Nacional norte-americano, Adrienne Watson, sublinhou, em comunicado, que o EI “tem total responsabilidade” pelo ataque e que “não houve envolvimento ucraniano”.
No discurso televisivo através do qual reagiu ao atentado, Putin não fez qualquer referência ao EI, afirmando antes que os atacantes “se dirigiam para a Ucrânia, onde [...] foi preparada uma janela para que atravessassem a fronteira”. Uma suspeita que o ex-presidente Dmitry Medvedev ontem fez acompanhar de ameaças. “Se se estabelecer que estes são terroristas do regime de Kiev, vingar-nos-emos de todos”, escreveu no Telegram.
Os quatro principais suspeitos (ao todos foram detidas 11 pessoas ligadas ao atentado) chegaram, vendados e algemados ao quartel-geral da Comissão de Investigação russa, depois de terem sido detidos na região de Bryansk, que faz fronteira com a Ucrânia e Bielorrússia. Ao fim do dia, a agência russa TASS revelou a identidade de dois - Dalerdzhon Barotovich Mirzoyev e Saidakrami Murodali Rachabalizoda. Já a Ria afirmou que podem ser condenados a prisão perpétua.
Críticas da oposição russa
Enquanto de França surgiam apelos a Putin para não explorar o atentado de sexta-feira, a oposição russa optava ontem por criticar o presidente por não ter cumprido as suas promessas de segurança. Ivan Zhdanov, antigo presidente da fundação criada por Alexei Navalny, opositor que em fevereiro foi encontrado morto junto à prisão onde estava detido no Ártico, denunciou a “catastrófica incompetência dos serviços secretos”. Citado pela AFP, Zhdanov lamentou que as secretas russos estivesse tão focadas em perseguir os opositores do Kremlin que não percebeu onde estavam as verdadeiras ameaças.
Apesar dos repetidos alertas feitos por países ocidentais, inclusive os EUA, as forças de segurança russas não conseguiram impedir o mais mortífero atentado terrorista no seu território em duas décadas. Para Putin, um ex-agente do KGB, como eram designados os serviços secretos nos tempos soviéticos, estas críticas podem tocar numa corda sensível. “Durante décadas disseram-nos que os nossos direitos tinham de ser limitados para garantir a nossa segurança. Mas os ataques terroristas não pararam e o FSB [herdeiro do KGB] está ocupado com toda a gente - matar opositores políticos, espiar os seus próprios cidadãos e perseguir pessoas que sejam contra a guerra - menos com as suas verdadeiras responsabilidades”, disse ainda Zhdanov.
* com agências