Mais um capítulo da novela orçamental
A aprovação do primeiro Orçamento do Estado do Governo liderado por Luís Montenegro representa o culminar de um processo em que ficou evidente algo que, eventualmente, nem sempre foi claro para muita gente: o primeiro-ministro é um jogador hábil, que encostou às cordas o PS de Pedro Nuno Santos e, para desventura do Chega, acantonou quase 20% do eleitorado numa posição onde o seu voto não serve para grande coisa. Em poucas palavras, Montenegro cortou com a herança do Passismo e recolocou o PSD no centro político, roubando ao PS o papel de partido charneira do sistema. E, ao mesmo tempo, traçou uma linha divisória à sua direita, deixando claro a um certo eleitorado - que se preocupa com coisas como a alegada “ideologia de género” e a imigração dita descontrolada -, que só o voto na AD poderá mudar alguma coisa. Esta estratégia já estará a produzir resultados, tal como revelam as últimas sondagens. O que explica a necessidade que André Ventura teve de ir à televisão dizer que foi traído e enganado, como que dizendo aos seus correligionários que a sua estratégia só falhou porque do outro lado estava alguém que faltou à sua palavra.
Para o PS, ou mais concretamente para a liderança de Pedro Nuno Santos, este é um cenário complicado. A aprovação do Orçamento significa que o Governo provavelmente permanecerá no poder por mais tempo do que inicialmente previsto. E a forma como o líder geriu as negociações sobre o Orçamento foi pouco hábil. Pedro Nuno poderia ter retirado crédito pelo facto de o Governo ter cedido nas questões do IRS Jovem e da descida do IRC, mas não o fez. Nos próximos tempos veremos, provavelmente, a oposição interna a dar um ar de sua graça, à medida que o afastamento do poder se torna cada vez mais difícil de aceitar para um partido como o PS.
Quer isto dizer que Montenegro terá pela frente um caminho fácil? Muito provavelmente, não. A aprovação do Orçamento na generalidade foi apenas um primeiro passo, seguindo-se a discussão e aprovação na especialidade. Juntos, o PS e o Chega podem fazer alterações relevantes na especialidade, ao ponto de em alguns capítulos poderem tornar irreconhecível o documento. Tal como disse Rui Afonso, deputado do Chega, na entrevista que concedeu ao DN esta semana, o processo poderá tornar-se um verdadeiro calvário para o Governo, uma vez que os dois maiores partidos da oposição já por uma vez demonstraram que podem agir de forma concertada, quando tal lhes convém. Espera-se, por isso, mais um capítulo da longa novela orçamental, à medida que o Governo e a oposição fecham os detalhes do documento.
Seria bom, no entanto, que da mesma forma que se debatem os milhares de propostas de alteração do Orçamento, se avaliasse e discutisse a execução do mesmo. Quantas vezes já vimos Orçamentos com investimentos significativos em áreas como a Saúde ou a Educação, mas que depois não se concretizam?
Diretor do Diário de Notícias