Investigadores e docentes manifestaram-se esta quarta-feira, em Lisboa, contra a precariedade. O protesto foi convocado pelo Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESUP), que denuncia haver milhares de profissionais com contratos precários e, muitos, com contratos a terminar, sem saberem “o que lhes reserva o futuro”. José Moreira, presidente do SNESUP, lamenta tratar-se de uma situação que se arrasta “há 20 anos”, afetando milhares de profissionais. “O que se passa é que continuamos com investigadores precários. É, talvez, a classe mais precária deste país. Embora se tenham feito algumas melhorias, com contratos de trabalho, o que acontece é que são maioritariamente contratos precários. 85% por cento dos investigadores são precários e temos apenas 600 no quadro. Recém entrados na carreira são muito poucos”, explica. .José Moreira alerta ainda para a situação de cerca de três mil investigadores prestes a perder o emprego por se encontrarem em fim de contrato. Recorde-se que o programa FCT-Tenure vai cofinanciar 1100 lugares de carreira, em instituições portuguesas, 702 para a carreira de investigação e 398 na docência. Um número “claramente insuficiente” face ao universo de investigadores que vão ficar de fora. “Os mecanismos são precários, o FCT Tenure foi um passo importante, mas temos 3 mil investigadores a acabar os seus contratos a termo. A maioria deles deveria ver aberto um concurso, pois a lei estipula que, ao fim de 6 anos de contrato, deva ser aberto um concurso para cada posição. Não está a acontecer. É um problema gravíssimo”, denuncia. O presidente do SNESUP diz ser necessário “fazer justiça a essas pessoas, muitas delas em situação precária há 20 ou 30 anos”. “A população aplaude o seu trabalho, como vimos durante a pandemia, mas é preciso que se valorize a carreira”, sustenta..Para José Moreira, “o país deve pagar a sua vida”. “Estas pessoas têm trabalhado para a ciência e tecnologia deste país e muito do trabalho foi feito à custa de investigadores em posições de total precariedade e sem segurança nas suas vidas. É muito importante que se reconheça o trabalho dessas pessoas”, afirma. O responsável do SNESUP alerta ainda para a contratação de “um número não desprezível” de investigadores como docentes convidados em instituições de Ensino Superior (ES), “com salários baixos e a fazer investigação sem que esse trabalho seja pago”. “Penso que todos têm a clara noção dessa justiça. Pedimos o que qualquer trabalhador tem direito: salários justos e trabalho fixo. A falta de condições mínimas obriga muitos investigadores a sair do país, não por opção, mas porque não têm condições para ficar”, acrescenta..José Moreira classifica a situação precária dos investigadores “uma tragédia” e alerta para a existência de profissionais com 50 anos ainda em situação laboral instável. .“Temos os mesmos deveres de qualquer trabalhador, mas não temos direitos”.Susana Santos, investigadora do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) e professora convidada, começou a trabalhar em investigação em 2002. Em mais de 20 anos, teve apenas um contrato de trabalho, que termina no final deste mês. Nas últimas décadas recebeu bolsas de investigação e esteve, também, a recibos verdes. “Somos trabalhadores como os outros trabalhadores deste país. Temos os mesmos deveres de qualquer trabalhador, mas não temos direitos. Cumprimos os nossos deveres e queremos que os nossos direitos sejam exercidos. A título de exemplo, é a primeira vez que terei direito a subsídio de desemprego”, conta ao DN, à margem da manifestação. A gestão de uma vida de precariedade laboral “foi-se fazendo com alguns sacrifícios pessoais e familiares”, mas sem o devido reconhecimento. “Queremos ser reconhecidos como trabalhadores. A ciência não é um luxo, é um trabalho como os outros”, salienta..No dia 31, Susana Santos ficará sem contrato e apenas com 25% do vencimento enquanto professora convidada. Isto porque os docentes convidados apenas podem lecionar quatro horas por semana e acumulam o salário com a função de investigadores, algo que deixará de ser uma realidade para a investigadora. “É a minha principal razão para estar aqui hoje. Vou ficar sem trabalho pago. Nos próximos meses, vou ter um salário de cerca de 650 euros, o que equivale a 25% do vencimento de um professor auxiliar no início da carreira”, explica. Uma carreira para a qual Susana Santos ainda não entrou, apesar de ser investigadora há 24 anos.